ONGs pedem fim da parceria entre Fome Zero e Nestlé
Brasil participa até o dia 18 de outubro da Semana Mundial da Amamentação. Especialistas avaliam que governo tem um dos melhores programas do mundo na área, mas vêem incoerência na parceria entre o Programa Fome Zero e a Nestlé.
São Paulo – O Ministério da Saúde recomenda a amamentação exclusiva nos seis primeiros meses de vida do bebê – sem água, chá ou qualquer outro alimento – e, até os dois anos ou mais, a complementação do leite materno com alimentos adequados à idade. No entanto, muitos problemas impedem que as brasileiras consigam amamentar da melhor forma e durante o período recomendado. São alguns deles: mães que trabalham fora de casa, pouca atenção oferecida pelos serviços e profissionais de saúde, falta de informação e pressões para o consumo de produtos que competem com a amamentação. Grandes multinacionais de alimento, como a Nestlé, são acusadas de fazer campanhas publicitárias que estimulam o consumo de compostos industrializados em vez de leite do peito (ler abaixo). Com o objetivo de mobilizar a sociedade e promover ações de incentivo ao aleitamento materno exclusivo, o Brasil participa da Semana Mundial da Amamentação, entre 13 e 18 de setembro, que este ano tem como tema: “Aleitamento materno exclusivo: seguro, saudável e sustentável”.
As vantagens da amamentação exclusiva são inúmeras. Ela é um importante agente no combate à desnutrição e na diminuição da mortalidade infantil. O leite materno é o alimento mais completo e adequado para o bebê, é econômico, protege de infecções e contaminações, e fortalece os laços entre mãe e filho. Na mais recente pesquisa sobre o tema, realizada em 1999, constatou-se que o tempo médio de amamentação exclusiva no país era de 27 dias, ou seja, sequer atingia um mês de vida do bebê. Por conta disso, o Ministério da Saúde vem desenvolvendo políticas públicas para incentivar essa prática.
Uma delas é o banco de leite humano. O Brasil tem a maior rede desses bancos do mundo e é considerado uma referência na área. São 174 em funcionamento e mais 15 serão abertos até o fim do ano. Só nesta semana estão sendo inaugurados seis. “Se somarmos os bancos de leite de todos os outros países, não chega à metade dos existentes aqui”, diz João Aprígio Guerra, coordenador da Rede Nacional de Bancos de Leite Humano. Segundo ele, o país investe em pesquisas e trabalhos de desenvolvimento tecnológico para criar alternativas que permitam que os bancos de leite funcionem de maneira segura e com baixo custo operacional. A tecnologia utilizada atualmente é brasileira e exportada para o resto do mundo. Em 2001, a Organização Mundial de Saúde (OMS) premiou o país, reconhecendo sua posição de vanguarda científica na área.
A função dos bancos de leite é servir como casa de apoio à amamentação. Todas as mulheres podem recorrer aos bancos, que contam com uma equipe de profissionais treinados para orientar gestantes e mães. Além disso, os bancos coletam leite humano para atender principalmente a demanda de recém-nascidos internados que dependem dele para sobreviver. “São momentos de emergência em que, por razões clínicas, a mãe está provisória ou definitivamente impedida de amamentar. Mais de 90% dos casos nos quais se usa esse leite são aqueles em que o recém-nascido está na UTI neo-natal, a mãe fica estressada por conta da situação e não produz leite”, explica Guerra.
Nesta semana, o Ministério da Saúde e o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome também assinaram um protocolo de colaboração para incluir o estímulo ao aleitamento materno no Programa Fome Zero. “Não dá para falar em segurança alimentar e nutricional e em alimentação de qualidade sem falar em amamentação. Caso contrário, as crianças até dois anos de vida estão excluídas do programa”, afirma Sônia Salviano, coordenadora da Política Nacional de Aleitamento Materno do Ministério da Saúde.
Outra ação prioritária é o Hospital Amigo da Criança, iniciativa internacional proposta pelo Unicef com o objetivo de transformar a atenção oferecida na maternidade. Para ganhar esse título, o hospital precisa comprovar que segue os Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno. Esses passos buscam evitar separações desnecessárias entre mãe e filho, abolir o uso de mamadeiras e chupetas e de outros líquidos que não sejam o leite materno, iniciar a amamentação o mais cedo possível, de preferência já na sala de parto, e manter mãe e filho em alojamento conjunto 24 horas, além de oferecer orientação e apoio para as mães. A maternidade também deve oferecer treinamento específico aos profissionais que trabalham com os bebês e com as mães, para garantir o atendimento humanizado. Atualmente, há 300 hospitais credenciados nesse programa e mais seis aguardam avaliação ainda neste mês.
Fome Zero e Nestlé
“A política de aleitamento do Ministério da Saúde é boa, com iniciativas como os bancos de leite e os hospitais amigos da criança, mas ainda há muito o que melhorar. Em alguns aspectos existem até mesmo retrocessos”, afirma Luciana Peregrino, coordenadora do Grupo Origem, organização não governamental (ONG) representante no Brasil da Waba (World Alliance for Breastfeeding Action), uma aliança mundial para desenvolver ações de promoção, proteção e apoio à amamentação.
Um dos principais problemas é que o processo de amamentação sofre interferência do marketing dos produtores de alimentos para bebês, chupetas, mamadeiras etc. A Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactente (NBCAL), que regulamenta a promoção comercial e o uso apropriado dos alimentos que são colocados à venda, muitas vezes não é cumprida. A Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar (IBFAN, em inglês) junto a ONGs como a Grupo Origem faz o controle social das indústrias de marketing infantil. A rede monitora o cumprimento das regras brasileiras e envia denúncias para o Ministério Público quando alguma norma é desrespeitada.
Essas ONGS fazem uma avaliação negativa da parceria firmada entre o Programa Fome Zero e a Nestlé. Mandaram uma carta ao presidente Lula criticando-a, pois consideram que ela foi um retrocesso do governo federal. “Há anos a Nestlé afirma que o melhor leite é o industrializado e não o do peito, estimulando o desmame precoce. Existe um boicote internacional à essa empresa, ela não pode fazer parte de um programa do governo”, defende Luciana.