É PRECISO HUMANIZAR O NASCIMENTO!
As afecções perinatais já são responsáveis por 50% dos casos de mortalidade infantil no Brasil. Em 1993, estas intercorrências em torno do nascimento representam 40% dos óbitos em menores de 1 ano.
Esta é a conclusão da Pesquisa Nacional em Demografia e Saúde, divulgada no final de 1996 pelo Ministério de Saúde e UNICEF.
O aumento das afecções perinatais, se deve por um lado a queda das doenças infecto-contagiosas e por outro, pelo aumento das cirurgias por cesarianas sem indicação precisa. O parto por cesariana no Brasil aumentou de 31,6 % em 1986, para 36,4% em 1996. A recomendação da OMS é que este tipo de parto represente somente 10-20% dos partos.
A mortalidade materna no Brasil é cerca de 20 a 30 vezes maior que nos países desenvolvidos. A nossa taxa é estimada em 134 mortes por cada 100.000 nascidos vivos, o que representa que a cada 2 horas uma mulher brasileira morre em decorrência de complicações no ciclo gravídico puerperal.
Para reverter esta tendência de aumento dos óbitos infantis por causas perinatais e a mortalidade materna é preciso melhorar com urgência o atendimento ao pré-natal e ao parto.
Por este motivo recomendamos a divulgação e o debate de mais esta iniciativa para a melhora da qualidade da assistência materna. A “Iniciativa para um Parto Respeitoso com a Mulher” alia-se a “Iniciativa Hospital Amigo da Criança” e ao recente “Projeto Maternidade Segura” com seus 8 passos.
Pela melhora da qualidade da Assistência Perinatal!
Marcus Renato de Carvalho
NASCE NOS EUA A “INICIATIVA PARA PARTO RESPEITOSO
A “Coalizão para a Melhora dos Serviços de Maternidade” (“Coalition for Improving Maternity Services”) – CIMS é uma rede de indivíduos e organizações americanas envolvidas no cuidado e no bem estar das mães, dos bebês e das famílias. O objetivo é promover um modelo de atenção à maternidade centrado na saúde, que melhore o resultado do parto e reduza substancialmente os custos. Este modelo de atenção está baseado no respeito à mãe, ao bebê e à família, tendo como princípio a prevenção, como alternativa aos caríssimos programas de proteção, diagnóstico e tratamento.
CONSIDERANDO
– que, apesar de gastar muito dinheiro pôr habitante na atenção à maternidade e ao recém nascido que qualquer outro país, os EUA estão pôr detrás da maioria dos países industrializados no tocante à morbi-mortalidade perinatal, e a mortalidade materna é 4 vezes maior entre as mulheres afro-americanas que entre as ibero-americanas;
– que as parteiras assistem a maioria dos partos naqueles países industrializados e obtêm os melhores resultados perinatais, enquanto que nos EUA as parteiras são responsáveis pela atenção de uma pequena percentagem dos partos;
– que entre as práticas atuais de atenção à maternidade e ao recém nascido que contribuem para os altos custos e pêlos resultados inferiores está à aplicação inadequada da tecnologia e dos procedimentos de rotina não embasados em evidencias científicas;
– que a maior dependência da tecnologia tem diminuído a confiança na capacidade inata da mulher para dar à luz sem intervenção;
– que o tratamento obstétrico da mãe e de seu filho como se fossem unidades separadas com necessidades em conflito põe em perigo a integridade da relação entre a mãe e filho, que se inicia na gravidez;
– que, apesar de estar provado cientificamente que a amamentação é o melhor para a saúde, a nutrição e o desenvolvimento dos recém nascidos e de suas mães, somente uma pequena parte das mães americanas amamentam seus filhos de forma exclusiva até os 6 meses de idade;
– que o atual sistema de atenção à maternidade nos EUA não oferece igualdade de acesso aos recursos de atenção sanitária às mulheres de grupos populacionais desfavorecidos, às mulheres sem seguro saúde, e às mulheres cujo seguro não permite escolher o profissional ou o lugar do parto;
EM CONSEQUÊNCIA
Nós os membros da CIMS abaixo assinados, pela presente acordamos definir e promover serviços de maternidade respeitosos com a mãe, de acordo com os princípios que se seguem.
Cremos que os fundamentos filosóficos da atenção respeitosa com a mulher são os seguintes:
NORMALIDADE DO PROCESSO DE NASCIMENTO
O nascimento é um processo normal, natural e saudável.
As mulheres e os lactentes tem as capacidades inatas necessárias para o nascimento.
No momento de nascer, os recém natos são seres humanos conscientes e sensíveis, e devem ser reconhecidos e tratados como tais.
O aleitamento materno proporciona a alimentação ótima para os recém nascidos e lactentes.
O nascimento pode produzir-se de forma segura em hospitais, em centros de nascimento, casas de parto e nos domicílios.
O modelo de atenção oferecido pelas parteiras, que respaldam e protegem o processo normal do nascimento, é o mais apropriado para a maioria das mulheres durante a gestação e o parto.
PROTAGONISMO DA MULHER
A capacidade e a confiança da mulher para dar à luz e cuidar de seu filho se potencializam ou são tolhidas pelas pessoas que a atendem e pelo ambiente em que ela pari.
A mãe e seu filho são distintos e ao mesmo tempo interdependentes durante a gravidez, o parto e a infância. Sua estreita relação é vital e deve ser respeitada.
A gravidez, o parto e o puerpério são marcos no caminho da vida.
Estas experiências afetam profundamente as mulheres, os bebês, os pais e as famílias e tem efeitos importantes e persistentes sobre a sociedade.
AUTONOMIA
Cada mulher deve ter a oportunidade de:
* experimentar um parto saudável e prazeroso para ela e sua família, independentemente de sua idade e circunstâncias;
* dar a luz segundo os seus desejos em um ambiente em que se sinta segura e cuidada, e em que se respeitem seu bem estar, sua intimidade e suas preferências pessoais;
* ter acesso a todo o leque de opções no que concerne a sua gestação, parto e aos cuidados de seu filho, e a informação detalhada sobre todos os lugares, profissionais e métodos disponíveis para dar à luz;
* receber informação completa e atualizada sobre os benefícios e riscos de todos os procedimentos, drogas e exames que se usam durante a gravidez;
* o parto e o puerpério, com direito ao consentimento informado e ao rechaço informado;
* receber apoio para tomar decisões informadas sobre o que é melhor para ela e seu filho, baseando-se em seus valores e crenças pessoais.
NÃO CAUSAR DANO
As intervenções durante a gravidez, parto ou puerpério não devem ser rotineiras, muitos exames, procedimentos, tecnologias e drogas usadas na prática médica habitual comportam um risco para a mãe e seu filho, e devem evitar-se caso não exista uma indicação científica específica para seu uso.
As condutas utilizadas durante o tratamento das complicações que podem surgir durante a gravidez, o parto e o pós-parto devem ser cientificamente embasadas.
RESPONSABILIDADE
Cada profissional é responsável pela qualidade do cuidado que oferece. A atenção à maternidade deve basear-se nas necessidades da mãe e de seu filho, e não nas do profissional.
Cada hospital ou centro de nascimento é responsável pela revisão e avaliação periódicas, de acordo com as evidências científicas disponíveis, da eficácia, riscos e taxas de utilização dos procedimentos médicos que aplique as mulheres e a seus filhos.
A sociedade, através de seu governo e do sistema de saúde, é responsável de garantir o acesso de todas as mulheres aos serviços de maternidade e de supervisionar a qualidade destes serviços.
Estes princípios conduzem aos seguintes passos para a proteção, promoção e apoio aos serviços de maternidade respeitosos com a mãe:
10 PASSOS DA INICIATIVA PARA UM PARTO RESPEITOSO COM A MULHER EM MATERNIDADES, CENTROS DE NASCIMENTO E SERVIÇOS DE PARTO DOMICILIAR.
Para ser designado pelo CIMS como RESPEITOSO COM A MÃE, uma maternidade deve seguir os princípios filosóficos antes enunciados, cumprindo os
10 PASSOS PARA A ATENÇÃO RESPEITOSA COM A MULHER.
Um hospital, casa de parto ou serviço de parto domiciliar respeitoso com a mãe:
1. Oferece a todas as mães que dão à luz:
– a presença sem restrições durante o parto de acompanhante que ela eleja, incluindo pais, marido, filho, familiar ou amigo;
– acesso sem restrições ao apoio emocional e físico continuado de uma mulher capacitada, como uma doula ou profissional de apoio ao parto;
– acesso a atenção profissional de uma parteira.
2. Oferece ao público informação descritiva e estatística detalhada sobre suas práticas e procedimentos na atenção ao parto, incluindo a freqüência das intervenções e os resultados.
3. Oferece uma atenção culturalmente apropriada; isto é, uma assistência sensível e que não fira as crenças, valores e costumes específicas da etnia e religião da mulher.
4. Oferece a parturiente a liberdade de caminhar, mover-se e adotar as posições que ela eleja durante a dilatação e o período expulsivo (salvo que se requeira especificamente uma restrição para prevenir uma complicação), e desaconselha a posição de litotomia (supino, com as pernas elevadas).
5. Possui normas e procedimentos claramente definidos para:
* manter consultas durante o período perinatal com outros serviços de maternidade, incluindo a comunicação com o profissional que tenha atendido previamente a gestante, quando for necessário a transferência de uma maternidade para outra;
* pôr a mãe e seu filho em contato com os recursos pertinentes da comunidade, incluindo o seguimento pré-natal e posterior alta e o apoio ao aleitamento materno.
6. Não empregar de forma rotineira práticas e procedimentos que não estejam respaldados pôr evidências científicas, o que inclui, porém não se limita aos seguintes:
– tricotomia dos pêlos pubianos;
– enemas;
– perfusão endovenosa;
– jejum;
– ruptura precoce de membranas;
– monitorização eletrônica fetal;
Outras intervenções estão sujeitas as seguintes limitações:
* a taxa de uso de ocitocina para a indução ou condução do parto é de 10% ou menor;
* a taxa de episiotomia é de 20% ou menor, com um meta de 5% ou menos;
* a taxa global de cesáreas é de 10% ou menor nos hospitais de primeiro nível, e de 15% ou menor nas maternidades de referência;
* a taxa de parto vaginal depois de uma cesárea é de 60% ou mais, com uma taxa de 75% ou mais.
7. Educa o pessoal sobre métodos não farmacológicos de alívio da dor, e não recomenda o uso de analgésicos ou anestésicos se estes não são requeridos especificamente para corrigir uma complicação.
8. Encoraja a todas as mães e famílias, incluindo aquelas com recém nascidos doentes ou prematuros ou com problemas congênitos, a tocar, pegar no colo, dar o seio e cuidar de seus filhos na medida compatível com cada situação.
9. Desaconselha a circuncisão do recém nascido pôr motivos não religiosos.
10. Esforça-se pôr aplicar os 10 passos para o sucesso de aleitamento materno, tornando-se um Hospital Amigo da Criança.
Ratificado pelos seguintes membros da CIMS – USA, julho de 1996:
* Academy of Certified Birth Educators
* American Academy of Husband-Coached Childbirth – The Bradley Method
* American Academy of Nurses-Midwifes
* American College of Domiciliary Midwives
* American Society for Psichoprophilaxis in Obstetrics
* Association of Labor Assistants & Childbirth Educactors
* Association for Pre & Perinatal Phychology & Health
* Association of Womens Health, Obstetrics and Neonatal Nurses
* Attachment Parenting International
* Birthworkes, Inc.
* Center for Perinatal Research & Family Support
* The Farm
* Global Maternal/Child Health Association
* Informed Home Birth/Informed Birth & Parenting
* International Association of Infant Massage
* International Lactation Association Consultant
* La Leche League International
* Midwifery Today
* Midwives of Santa Cruz
* National Association of Postpartum Care Services
* North American Registry of Midwives
* Wellness Associates
Indivíduos, como:
* Marshall e Phyllis Klaus e outros.
BIBLIOGRAFIA
* American College of Obstetricians an Gynecologists – “Fetal heart rate patterns: monitoring, interpretation, and mangement”. Technical Bulletin no. 207, july, 1995.
* “Guidelines for vaginal delivery after a previous cesarean birth. ACOG Committee Opinion, 1988; no. 64.
* Canadian Paediatric Soc. Fetus and Newborn Committee – “Neonatal circumcision revisited. Can. Med. Assoc. J. 1996; 154(6):769-780.
* Enkin M. Et al. – “A guide to effective care in pregnancy and childbirth”. 2nd. Rev. Ed. Oxford: Oxford University Press, 1995. (Os dados deste livro provem do Cochrane Database of Perinatal Trials).
* Goer H. – “Obstetric myths versus research realities: a guide to the medical literature. Wesport, CT: Bergin and Garvey, 1995.
* Bureau of maternal and child health. Unity through diversity: a report on the healthy mothers healthy babies coalition communities of color leadership roundtable. Healthy mothers healthy babies, 1993.
* International Lactation Consultant Association – “Position paper on infant feeding” Rev. 1994. Chicago; ILCA, 1994.
* Klaus M, Kennel JH, and Klaus PH. – “Mothering the mother. Menlo Park, CA: Addison-Weley publishing company, 1993.
* “Bonding: building the foudations of secure attachment and independence. Menlo Park, CA: Addison-Wesley publishing company, 1995.
* Wagner M. Pursing the birth machine: The search for appropriate birth technology. Australia: ACE Graphics, 1994. (O livro do Dr. Wagner contem as recomendações gerais da Declaração de Fortaleza, OMS, Abril de 1995. E o “summary report” da “The WHO Consensus Conference on Appropriate Technology Following Birth Trieste, Octuber, 1986)
GLOSSÁRIO
* Centro de Nascimento = Casa de Parto, maternidade não hospitalar.
* Doula = mulher que proporciona de forma contínua apoio físico, emocional e informação durante a dilatação e o período expulsivo.
* Episiotomia = corte cirúrgico para ampliar a abertura da vagina durante o trabalho de parto.
* Indução = início artificial do trabalho de parto.
* Ocitocina = forma sintética do hormônio natural que se administra por via endovenosa para iniciar ou acelerar o trabalho de parto.
* Perinatal = ao redor do nascimento.
* Ruptura de membranas = rompimento da “bolsa d’água”
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* Para obter copias eletrônicas em inglês, via Internet: http://www.healthy.net/cims
* Ou envie mensagem pôr correio eletrônico para: [email protected] pondo a palavra “document” na linha de assunto (subject).
* Ou ainda por correio:
C I M S
C/O ASPO/LAMAZE
1200 19th Street, NW, S-300, Washington, DC 20036
(Inclua uma contribuição de US$ 5,00).
* Uma lista de questões freqüentemente perguntadas (FAQ) pode ser obtida no mesmo “e-mail” de acima, sendo que você deve colocar no “subject”: FAQ.
Traduzido por Prof. Marcus Renato de Carvalho.
Publicado nos “Arquivos Brasileiros de Pediatria”, órgão oficial da SOPERJ. Arq. Bras. Pediat., 4(4):111-113, 1997.
Publicado originalmente no www.aleitamento.com em 18/8/2003