MULHERES PODEM TER UM PARTO MAIS PRAZEROSO
Gisele Netto e Jana Tabak
“Tudo pelo natural”: tendência humanista
O Brasil, um dos campeões mundiais de cesariana, começa a redescobrir o valor de um parto menos invasivo. Há no país agora uma forte tendência a encarar a gestação dentro dos princípios do Movimento de Humanização da Assistência ao Parto. A idéia surgiu timidamente nos anos 1970, com o objetivo de recuperar o parto como algo natural – já que tinha se tornado muito mais um tema hospitalar. Hoje, o movimento apresenta avanços reais e um número crescente de adeptos – entre eles, o próprio Ministério da Saúde.
O governo federal instituiu no país, em junho de 2000, o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento. Até agora, 2.287 municípios já aderiram à iniciativa em todo o território nacional, sendo 45 somente no estado do Rio de Janeiro. O objetivo do programa é “assegurar o acesso e a qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto e ao puerpério (pós-nascimento), além da assistência neonatal”.
Segundo o princípio básico da Humanização, a mulher deve ser mais ativa durante o parto, obedecendo aos seus instintos. Por exemplo, ela deve assumir e mudar de posição conforme seu corpo pedir, parindo na vertical, de cócoras ou deitada.
Apesar dos resultados positivos alegados pelos defensores do chamado parto humanista, a comunidade médica ainda está dividida. Obstetras, ginecologistas e pediatras não partilham da mesma opinião das enfermeiras obstetras, principal classe pró-humanização. O que significa que o parto humanista ainda é alvo de muita polêmica.
A experiência tem dado certo em algumas maternidades do Rio. Com a prática, nota-se que é possível encontrar pontos de equilíbrio entre médicos e enfermeiras obstetras em seu trabalho conjunto. A interação entre esses diferentes profissionais já é realidade na Maternidade Alexander Fleming, em Marechal Hermes, como constatou o Beleza Pura.
Parto não é doença !
Em princípio, profissionais a favor dos métodos tradicionais de monitoramento da gestação e do nascimento acreditam que o movimento humanista peca pela falta de formação adequada. “Existem exageros de ambos os lados. Mas a questão é que o curso brasileiro de obstetrícia para enfermeiras não é suficiente para dar respaldo científico a elas. Por isso a indicação de cesárea ou parto normal não é da enfermeira e sim do médico”, diz o obstetra Laudelino Lopes, 50 anos e quase 30 de profissão.
A enfermeira obstetra Marilanda Lopes de Lima, 51 anos, ativista no movimento de humanização do parto, pensa diferente. “A gente está travando uma verdadeira guerra com os médicos, porque há anos o parto foi transformado em doença e industrializado pela medicina. Se há um movimento contrário a isso, o médico perde poder e status. Não foi à toa que o Conselho Regional de Medicina entrou com um processo contra as enfermeiras obstetras”, afirma ela, que acumula 25 anos de experiência em realização de partos humanistas.
As opiniões contraditórias começam no início da gravidez e vão até a forma da gestante se colocar na hora H. “A mulher deve dar à luz com liberdade. Colocá-la deitada todo o tempo é um crime, já que dificulta a saída do bebê, cujo peso é, em média, de três quilos”, afirma Marilanda. O obstetra discorda e argumenta que cada mulher dá à luz com o que tem. “A mulher carioca, diferente de uma indígena, não está acostumada a ficar de cócoras e esta posição no momento do parto pode ser incômoda. Algumas mulheres já reclamaram até de cãimbra”, diz o Dr. Lopes.
Cultura de medicalização
Em geral, ao chegar na maternidade, a mulher é levada direto para uma sala, onde deve tirar toda a roupa e vestir um camisolão hospitalar. Em seguida é encaminhada à sala de pré-parto, onde uma enfermeira faz a raspagem dos pêlos pubianos e, normalmente, aplica lavagem intestinal. Segundo os defensores do movimento de humanização, estes já são dois mitos criados pela cultura de medicalização do parto – a raspagem, além de não trazer vantagens para a realização do parto, pode causar inflamações locais e o crescimento dos pêlos, ser um incômodo a mais para a mulher. “Sem remédios, sem médicos, sem anestesia, sem imposição. Assim deve ser o parto, se não ocorrer nenhuma complicação”, afirma Marilanda.
Já os obstetras defendem este passo a passo tradicional a fim de tornar o parto mais higiênico, e, consequentemente, mais seguro. Para o Dr. Lopes, a raspagem dos pêlos é necessária principalmente no caso de cesariana: “Não é preciso raspar a mulher toda como era feito antigamente, mas no momento de dar os pontos, por exemplo, os pêlos podem facilitar uma inflamação no local”.
O movimento de humanização do parto defende que a hora do nascimento deve ser o mais natural possível, e que a interferência deve ser mínima. Marilanda acrescenta que até mesmo a experiência da dor durante o parto é positiva. “É um ponto de mutação na vida da gestante, porque a mulher aprende a vencer a dor”, justifica.
Valdilane: acompanhada pela irmã no primeiro parto
Por ser um momento único, onde há uma série de emoções e sentimentos em ebulição, na maioria das vezes as gestantes desejam estar acompanhadas de alguém muito íntimo, seja o parceiro, a mãe ou um amigo. E aí, mais uma vez, humanistas e tradicionalistas entram em choque, pois muitos médicos proíbem a permanência de qualquer pessoa na sala de parto, até mesmo o pai da criança. Os defensores da humanização afirmam que esta atitude contraria até mesmo a Constituição Brasileira, que garante a presença de ao menos um acompanhante para a mulher que está tendo o bebê.
“Às vezes, o acompanhamento é negado porque o médico se sente ameaçado pela presença de alguém de fora, uma testemunha alheia a sua vontade. Além disso, a maioria das mulheres não sabe que tem este direito”, afirma Marilanda. O movimento humanista prevê que a gestante deve estar sempre acompanhada das pessoas mais próximas e queridas, sejam elas quantas forem. “Qualquer pessoa se sente mais à vontade quando está cercada daqueles que ama do que sozinha no meio de um grupo de desconhecidos, ainda mais num momento como esse”, afirma a enfermeira.
O que os humanistas mais atacam nos métodos tradicionais é o que eles chamam de industrialização do parto. Segundo Marilanda, normalmente a gestante recebe dos obstetras doses de soro contendo um hormônio chamado Ocitocina, que provoca mais contrações e acelera o parto. A enfermeira argumenta que isto facilita a vida do hospital e a do médico, que às vezes tem uma fila de gestantes para atender, está de plantão e tem que ir para um segundo emprego num outro hospital, ou algo do gênero.
Induzindo o parto, o leito é liberado rapidamente, o que é providencial em maternidades lotadas, como é o caso dos hospitais cariocas. “As gestantes não sabem, mas a Ocitocina pode resultar na intensidade da dor do parto e até mesmo em sofrimento fetal”, conta a enfermeira obstetra.
“A ocitocina é um remédio maravilhoso quando bem indicado e não usá-lo significa um retrocesso”, rebate o Dr. Lopes. Para o obstetra, deve-se tomar cuidado para o parto humanista não se tornar desassistido. “Há casos em que pensamento extremista, que prega a não utilização de nenhum instrumento médico, gera complicações no parto, como a paralisia infantil”.
Estrutura da mulher foi feita para parir
Respeito aos limites da mulher
Em média, sete entre dez mulheres que já tiveram filho passaram pela episotomia, um corte para aumentar a abertura da vagina. Apesar desta prática ser tão rotineira, apenas 15% dos partos normais necessitam deste método, segundo o site “Amigas do Parto” (www.amigasdoparto.com.br), feito por quatro mães que são membros da Rehuna (Rede Nacional pela Humanização do Parto e Nascimento). O processo aumentaria a chance de sangramentos, inflamações e infecções, além de causar possíveis problemas na relação sexual.
“Se tiver que aumentar a abertura da vagina, isto vai acontecer de forma natural, na passagem do bebê”, afirma a chefe do conjunto de enfermeiras obstetras da Alexander Fleming, Eliane Coutinho, 34 anos. Marilanda bate na mesma tecla: “Não existe essa coisa da mulher não ter passagem, isso é a coisa mais rara do mundo. Eu trabalhei por mais de 20 anos com partos e conto nos dedos as mulheres que precisaram de episotomia ou de cesárea porque realmente não tinham passagem. A estrutura do corpo feminino foi feita para parir, e ninguém precisa ir contra a natureza”.
Já o Dr. Lopes acha que não dá para comparar “uma atleta com uma executiva, cujo único exercício praticado é andar do escritório até o estacionamento. Portanto, a necessidade da episotomia depende da estrutura do corpo de cada mulher”.
Parto humanista na prática
Maternidade Alexander Fleming: parto humanista sensibiliza até os médicos
Na sala também se encontram óleos tranqüilizantes, incensos, bola fisioball (que ajuda na descida do bebê), massageadores, uma pequena fonte para propagar o barulho de água e um banheiro com chuveiro. Tudo para acalmar a gestante. Geralmente, só mulheres que farão parto normal vão a esta sala. Aquelas que estão indicadas para cesárea precisam do aval do médico para serem encaminhadas ao local.
Glória, Eliane e Isaura: equipe da maternidade
Glória, Eliane e Isaura: equipe da maternidade
Com o tempo e com os resultados, alguns obstetras passaram a acreditar nos benefícios que aquele espaço proporciona. “Já aconteceu de uma gestante, por apresentar o bebê em posição desfavorável, estar indicada para cesárea. Ela veio para a sala e o quadro evoluiu para parto normal”, exemplifica Eliane.
Algumas mulheres preferem o parto domiciliar. Para isso, é importante que a gestante faça um pré-natal regular e eficiente, porque somente mulheres de baixo risco podem ter o filho em casa. Mas Eliane adverte: “O parto é uma caixinha de surpresas. Portanto, há risco de ocorrer um imprevisto e a enfermeira obstetra não ter os recursos necessários para solucionar o problema.”
Já Marilanda, que faz partos humanistas há 25 anos, diz o contrário: “O parto domiciliar apresenta o mínimo de tecnologia necessária, mas não quer dizer que a gestante esteja desassistida. Para algumas mulheres, esta forma de nascimento é muito mais agradável. Tanto que a média de duração do parto hospitalar é de 12 a 14 horas e, em casa, de 4 a 6 horas.”
Campeão mundial de cesáreas, o Brasil ultrapassa recomendação da OMSApesar das vantagens do parto humanista, muitas mulheres ainda hoje preferem a cesárea. E infelizmente, o Brasil é campeão mundial nesta categoria. Nos hospitais privados, as taxas de cesariana chegam a 80%, enquanto a taxa recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de, no máximo, 15%. Os motivos mais comuns que levam a mulher a optar pela cesárea são o medo de sentir dor, a falta de informação e a influência do médico.Caso você esteja grávida e deseje mais informações sobre a forma de ter o seu bebê, procure a maternidade Alexander Fleming: telefone (21) 2450-2580, ou acesse o site www.amigasdoparto.com.br
A decoração foge ao padrão hospitalar: a parede é num tom claro de lilás, com peixes e plantas que lembram o mar – um elemento tranqüilizador. A gestante também pode escutar a música que desejar. “Se quiser música calma, instrumental ou mantra, a gente coloca. Se quiser escutar funk também. Aqui acontece o que a gestante quer e não o que os médicos ou enfermeiros querem”, comenta a enfermeira e responsável pela divisão de apoio técnico da direção da maternidade, Glória Maria.