Novo modelo de ATENÇÃO PERINATAL: MENOS CESARIANAS nas MATERNIDADES PRIVADAS
É possível reduzir as cesarianas nos hospitais privados
“Conseguiremos diminuir o número de cirurgias cesarianas nas MATERNIDADES não públicas”, afirma o coordenador da Maternidade Santa Isabel da Unimed Jaboticabal
Para promover o parto normal humanizado em hospitais privados, operadoras de planos de saúde estão reformulando o modelo de assistência oferecida às beneficiárias. Priorizar o parto normal humanizado significa romper com o modelo vigente que elegeu a cesariana como preferência (85%) do tipo de partos realizados nos estabelecimentos privados de saúde. Quem aposta na iniciativa inovadora está colhendo resultados significativos: queda de internações em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal, redução de partos prematuros, melhoria da assistência prestada à saúde da mãe e do bebê e economia de recursos financeiros.
O Espaço Você Saudável conversou com o coordenador hospitalar da Unimed de Jaboticabal / Hospital e Maternidade Santa Isabel, Jeyner Valério Junior, que implantou o Projeto Mães e bebês mais saudáveis reduziu pela quase pela metade o número de cesarianas no hospital em menos de dois anos, de 100% para 57% de cesáreas realizadas pelo setor suplementar no hospital. “Não tenho dúvida de que é possível reduzir o número de cesarianas no país. Todo hospital privado ou não tem uma mesa diretora e o passo fundamental é a vontade política de fazer a mudança, você tem que acreditar que é possível e, principalmente, entender que a segurança das mães e bebês passam por essa decisão”, afirma o coordenador hospitalar da Unimed de Jaboticabal/Hospital e Maternidade Santa Isabel. “Como número posso adiantar que no nosso caso o parto normal custa 47% menos que uma cesariana”, afirma Jeyner Júnior, médico formado pela Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP), especialista em cirurgia geral e gastroenterologia cirúrgica, especialista em Endoscopia Digestiva, com MBA em Administração em Negócios de Saúde.
Espaço Você Saudável – Após tomada a decisão política de mudar o modelo de atenção prestada à saúde da gestante, quais foram os passos seguintes para a implantação do Projeto Mães e bebês mais saudáveis?
De fato a decisão política é a viga mestra em todo o processo e nesse quesito temos total apoio da diretoria da Unimed de Jaboticabal e da Administração da Irmandade. Depois disso, o primeiro passo é a aglutinação de pessoas que de fato acreditem que é possível mudar, que o modelo de assistência atual se esgotou, que não admitam e que fiquem indignados com os sucessivos recordes de morbimortalidade materno fetal em todo o país. Desse grupo, derivou a formatação do modelo próprio, sua viabilidade econômica, suas metas e plano de trabalho. Em sequência, não menos importante, vem a formação da equipe multidisciplinar e implantação das diretrizes baseados nos PDSAs (ciclo de Deming: planejar, fazer, estudar e agir). Nesse momento a metodologia do IHI( Institute for Healhcare Improvement) de Boston USA foi introduzida. Informação correta e em tempo hábil é algo rotineiramente difícil e deve correr paralelamente a tudo isso. Se toda essa mudança não for devidamente informada a tempo, as distorções dolosas ou não, somadas a resistência de muitos, pode inviabilizar o projeto.
Espaço Você Saudável – Quais ferramentas que foram adotadas no hospital durante o no processo de transição do modelo?
A cascata de eventos se inicia antes do hospital, no SEMPRE (serviço de medicina preventiva) onde temos uma excelente equipe multidisciplinar com enfermeiras, psicólogas, nutricionistas, assistente social, educador físico e fisioterapeutas para atender a gestante. O curso de gestantes foi totalmente reestruturado, (usamos um sistema de busca das gestantes pelo cadastro dos pedidos de Ultrassom obstétrico) onde o foco principal é o acolhimento e esclarecimento sobre mitos e gerenciamento familiar. As gestantes que são resistentes ao parto normal, são encaminhadas ao coordenador do projeto para decisão sobre a cesariana. Mas todas elas, a partir da 36a semana de gestação, passam a fazer seu pré-natal no hospital para conhecer a equipe, mantendo seu pré-natal no consultório ou rede pública. Esclarecemos que ainda não atingimos a totalidade das grávidas nesses quesitos. Padronizamos os cartões de pré-natal e o atendimento deve seguir as mesmas diretrizes. Como parte da metodologia, fizemos questionários que nos mostrassem as expectativas e ansiedades das futuras mães, assim como depois do nascimento o que tem a nos ensinar nas pesquisas de satisfação. Fizemos um workshop com as grávidas e familiares que direcionaram nossos próximos passos. Na maternidade foram discutidos e desenvolvidos protocolos, que devem ser aplicados a todos os casos. Também os anestesistas desenvolveram seu protocolo. Reunião de avaliação mensal e comissão de eventos adversos já estão na pauta.
Espaço Você Saudável – Houve a necessidade de treinar a equipe profissional para realizar adequadamente o parto normal humanizado?
Sim, porque mesmo que durante a formação do médico residente o conceito de humanização lhe tenha sido passado e até trabalhado dessa forma, na prática, como são raros os hospitais que fomentam e tenham em sua filosofia a humanização, o médico é levado a se afastar desse modelo. Esse distanciamento interfere a favor dos altos índices de cesarianas. Além do médico, temos que lembrar de todo o conjunto de colaboradores. O processo se inicia na recepção, passa por maqueiros, porteiros, técnicos de enfermagem e enfermeiros, como também o pessoal de apoio. Todos em maior ou menor escala foram orientados sobre o novo modelo, até porque, também são nossos clientes e formadores de opinião fora do hospital.
Espaço Você Saudável – Como gestor do Hospital Santa Isabel, quais foram os principais problemas enfrentados na implantação do projeto?
Sem dúvida foi lidar com os colegas médicos que tiveram que se adaptar ao novo modelo e sair da zona de conforto em relação ao quadro anterior. Esperávamos mais tranquilidade nessa transição, pois oferecíamos melhor remuneração e melhor qualidade de vida, pois agora o obstetra não mais fica 365 dias do ano em sobreaviso. Uma parte não entendeu assim. Outro problema não menos importante, foi demonstrar à comunidade, às futuras mães, aos familiares, ao poder público, aos órgãos de defesa do consumidor, entre outros, as reais intenções do projeto, que visa a segurança e bem estar das mães e bebês. Muitos achavam se tratar ser algo temporário e com objetivo meramente econômico.
Espaço Você Saudável – Como persuadir o profissional médico para colaborar com a mudança?
A esmagadora maioria dos médicos obstetras, ao contrário do que muitos acreditam, não é “cesarista” por convicção. O sistema de remuneração, as condições oferecidas pelos hospitais, a pressão das grávidas e seus familiares acabam, em seu conjunto, distorcendo o processo a favor da cesariana. Dessa forma tivemos que trabalhar nessas três vertentes: reforma do pagamento, condições de trabalho e principalmente trabalhar junto as grávidas e seus familiares demonstrando as vantagens do parto normal.
Espaço Você Saudável – Qual o novo papel da enfermagem nesse modelo?
É simplesmente fundamental, não é mais uma auxiliar no atendimento, sendo agora a maior responsável pelo acolhimento à gestante. Ganhou autonomia e funciona nesse modelo como elo de ligação entre a gestante, família, médico e ajuda a administrar os mais diversos tipos de conflitos. A obstetriz, no nosso modelo, acompanhada pelo médico, também pode fazer o parto e tem a responsabilidade de ajudar a cumprir os protocolos.
Espaço Você Saudável – O que mudou na assistência pediátrica na sala de parto?
Sempre tivemos pediatras na recepção do recém-nascido, mas como os obstetras, também tinham seus horários pré estabelecidos pelos elevados índices de cesarianas eletivas. Para esse novo modelo, nessa segunda fase, conseguimos viabilizar o plantão 24 horas. Com esse avanço, as mães e familiares se sentem mais seguros e acolhidos, os pediatras se sentem valorizados e pela sua presença constante, as práticas de humanização estão mais difundidas. Gostaria de acrescentar e valorizar também o Anestesiologista, que fica a disposição para analgesia do parto ou cesariana quando for o caso.
Espaço Você Saudável – Qual o impacto nos indicadores de saúde da maternidade?
O maior impacto foi a redução de 60% nos encaminhamentos para UTI NEONATAL por imaturidade pulmonar. Isso representou uma economia de mais de R$250 mil (duzentos e cinquenta mil reais) só no primeiro ano.
Espaço Você Saudável – Por que a mortalidade materna e neonatal ainda não refletiu o impacto da mudança no modelo de atenção?
Acredito que toda mudança conceitual ou prática necessita de um período de maturação e o pioneirismo na implantação desse modelo também tem que ser levado em conta. Hoje temos sido contatados e visitados por outros hospitais e fazemos questão de passar a nossa experiência principalmente no que pode ser melhorado e já iniciado de forma diferente, pulando essa fase de aprendizado. Apesar disso, no primeiro ano realmente nossos índices de mortalidade materna e neonatal não tiveram mudanças expressivas, mas nesse segundo ano, até agora, esses índices se apresentam muito melhores. Em casos evitáveis, estamos com índice ZERO de mortalidade materno infantil nesse ano.
Espaço Você Saudável – Qual o papel do paciente (gestante) e da família no novo modelo?
A gestante passou a assumir o protagonismo como é necessário e de direito. Ela junto com sua família são estimuladas a participar do curso de gestantes, conhecer a maternidade e os obstetras da equipe. A mãe tem que se sentir acolhida e em última análise, deseja um parto seguro para seu filho, se normal melhor. Esclarecer dúvidas e afastar mitos são obrigatórios, mas o que se deseja é a postura de querer e aceitar o parto normal. Também estamos iniciando o plano de parto, onde junto com a equipe, a gestante fará a escolha de como será seu parto. Atualmente temos partos no chuveiro, banqueta e já tivemos um na banheira.
Espaço Você Saudável – Qual o impacto financeiro para o hospital após um ano da mudança na atenção à saúde da gestante?
Como sempre, na implantação de qualquer projeto, há um investimento inicial que será amortizado ao longo do tempo. Além disso, a transição de pagamento por procedimento para plantão, dependendo da média de nascimentos, número de obstetras de plantão e valor do CH (coeficiente de honorários ), também poderá provocar um desencaixe inicial. Se pensarmos só como hospital, o modelo antigo, que basicamente soma os gastos com equipe médica, materiais e medicamentos mais taxas, sem dúvida é mais barato. No nosso caso, embora filantrópico, temos uma PPP( parceria público privada ) com a Unimed de Jaboticabal, o que em última análise acaba funcionando como um sistema verticalizado, como na maioria das operadoras, assim nesse novo contexto, pensando como operadora, o ganho passa a ser mensurado no global das atividades, como no caso da UTI neonatal, nos eventuais seguimentos de sequelas e complicações, reinternações, além de melhorar os índices avaliados pela própria ANS. Como número posso adiantar que no nosso caso o parto normal custa 47% menos que uma cesariana.
Espaço Você Saudável – Como foi a reforma no pagamento dos profissionais médicos?
O profissional ganhava de forma tradicional, por procedimento. Optamos por instituir o plantão de 24 h, contratos individuais com suas respectivas firmas e pagamento por performance quantitativa de toda a equipe, ou seja, o valor do plantão varia conforme os índices de partos normais. Esclareço que o pagamento “cheio” se dá quando se atinge 50% de partos normais, evitando qualquer discussão ética, relacionada a esses índices. Atualmente, estamos estudando e logo vamos implantar uma nova metodologia de pagamento, agora quantitativa como equipe, mas com uma vertente qualitativa individual baseada na Classificação de Robson de cesarianas que leva em consideração os antecedentes obstétricos, trabalho de parto e idade gestacional.
Espaço Você Saudável – É possível estender essa assistência para toda usuária do hospital, seja SUS ou da cooperada?
Nosso hospital é filantrópico e sempre atendeu ao SUS. Na verdade, quando iniciamos esse projeto em outubro de 2012, já havia plantão 24hs somente no SUS, mas sem metas ou metodologia. Hoje todo o projeto foi estendido ao SUS, respeitando as características de cada convênio em hotelaria principalmente, mas igualmente tratado e com a mesma equipe. Os protocolos e metas são equivalentes. Não poderia ser diferente, porque como já disse a finalidade inicial era interferir na avalanche de cesarianas e suas consequências, portanto não importa de que convênio estamos tratando.
Espaço Você Saudável – É possível reduzir o número de cesáreas em hospitais privados do país?
Não tenho dúvida disso, nós estamos fazendo com poucos recursos compartilhados do SUS e da Unimed de Jaboticabal. Todo hospital privado ou não tem uma mesa diretora e o passo fundamental é a vontade política de fazer a mudança, você tem que acreditar que é possível e principalmente entender que a segurança das mães e bebês passam por essa decisão. Todo o resto é secundário, inclusive o modelo a ser implantado. Em qualquer situação, o modelo levará a ganhos diretos e indiretos. Só para citar, recebemos pacientes de outros planos de saúde da região que preferiram ter seus bebês conosco, pelo SUS, do que se apresentar no quartel da cesariana no dia e hora pré-estabelecida. Hoje, passamos a ser referência para essas famílias. O fato é que o incentivo ao parto normal vem ganhando as redes sociais, a televisão e os jornais. Quem não se adequar rapidamente, poderá ter prejuízos, mesmo que intangíveis, num futuro próximo.
Espaço Você Saudável – Como a agência reguladora – a ANS, poderia incentivar que hospitais privados promovam o parto normal ao invés das cesarianas?
A agência poderia atuar de quatro maneiras: aumentando o valor do indicador relacionado a proporção de partos cesáreos X normais no IDSS (Índice de Desenvolvimento da Saúde Suplementar) das operadoras que tenham ou contratem hospitais com baixos percentuais de cesarianas (hoje esse índice deve ficar abaixo 45% de cesarianas); permitindo reajustes maiores para operadoras que tenham ou contratem hospitais com esse perfil; atuando junto a população com campanhas de esclarecimento sobre o parto normal; e incentivando a replicação desse ou outro modelo a outros hospitais interessados.
Espaço Você Saudável – E o Ministério da Saúde, o que poderia contribuir?
Seria primordial ser essa uma política de Estado. Estar acima de qualquer interesse político, sistêmico ou financeiro. Campanhas publicitárias pesadas e com grande apelo popular, com certeza, seria de grande valia. O incentivo a implantação de projetos pilotos em hospitais voluntários que possam replicar a metodologia do IHI que já temos experiência ou outra igualmente qualificada, seria a melhor forma de colocar em prática essa política. Futuramente, como nós nesse momento, esses hospitais desencadeariam essa metodologia em suas regiões. Também o incentivo financeiro, através de um programa específico, repassado a hospitais que atingissem as metas do Ministério, teria um grande impacto, principalmente, nos hospitais que só atendem ao SUS.
Fonte: Espaço Você Saudável