Maus-tratos na infância são associados
a anomalias na substância cinza do cérebro
20/06/2014
Segundo a Organização Mundial da Saúde, os maus-tratos infantis são definidos como os abusos dos quais são objeto os menores de 18 anos no contexto de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder, e incluem abuso sexual, desatenção, negligência ou exploração comercial que possam causar um dano à saúde, ao desenvolvimento ou à dignidade do menino.
Até o momento, os resultados dos estudos de neuroimagem estrutural realizados foram inconsistentes. Um novo trabalho, publicado no American Journal of Psychiatry e levado a cabo por especialistas do King’s College de Londres e a Fundação para a Pesquisa e a Docência (FIDMAG) das Irmãs Hospitalares, proporciona novos dados.
“Os maus-tratos durante a infância atuam como um estressor grave e produzem uma cascata de mudanças fisiológicas e neurobiológicas que poderiam provocar alterações permanentes da estrutura cerebral”, explica à Sinc Joaquim Radua, investigador da FIDMAG e do centro britânico e único autor espanhol do trabalho.
Para compreender quais são as anomalias mais robustas no volume de substância cinza, a equipe pesquisadora, da que também faz parte a Universidade Nacional de Singapura, realizou uma metanálise dos estudos de morfometria baseada em voxel (VBM) sobre os maus-tratos infantis.
A VBM é uma técnica de análise em neuroimagem que permite investigar diferenças focais na anatomia do cérebro comparando as ressonâncias magnéticas cerebrais de dois grupos de pessoas.
O estudo incluiu doze conjuntos diferentes de dados que compreendiam um total de 331 indivíduos (56 meninos ou adolescentes e 275 adultos) com história de maus-tratos na infância, mais 362 sujeitos não maltratados (56 meninos ou adolescentes e 306 adultos).
Para examinar as regiões cerebrais com menor ou com maior volume de substância cinza nos indivíduos maltratados, usou-se um método metanalítico de neuroimagem tridimensional chamado ‘signed differential mapping’ (SDM), desenvolvido expressamente por Radua.
Anomalias não relacionadas com a medicação
Em comparação com os sujeitos não maltratados, os indivíduos expostos a maus-tratos infantis tinham um volume significativamente menor de substância cinza em várias zonas do cérebro: o giro orbitofrontal e temporal superior direito que se estendia à amídala, a ínsula e os giros parahipocampal e temporal médio, bem como nos giros frontal inferior e pós-central esquerdos.
“Os déficits nas regiões orbitofrontal-temporal-límbica direita e frontal inferior esquerda também se observaram quando apenas eram incluídos participantes não medicados, indicando que estas anomalias não estavam relacionadas com a medicação a não ser com os maus-tratos”, aponta Radua.
Pelo contrário, o especialista espanhol destaca que as anomalias no giro pós-central esquerdo apenas se observaram nos indivíduos maltratados de maior idade. Estes achados demonstram que as anomalias de substância cinza mais consistentes em indivíduos expostos a maus-tratos infantis se encontram nas regiões pré-frontal, ventrolateral e límbica-temporal.
Estas regiões têm um desenvolvimento relativamente tardio, quer dizer, depois dos maus-tratos, e sua disfunção poderia explicar o déficit afetivo e cognitivo que podem sofrer as pessoas com história de maus-tratos infantis.
“Estes dados mostram as graves consequências das adversidades ambientais infantis no desenvolvimento cerebral”, acrescenta Radua. “Esperamos que os resultados deste estudo ajudem a minimizar o risco ambiental na infância e a desenvolver tratamentos para normalizar estas alterações morfológicas”, conclui.
Bibliografía
Lena Lim, Joaquim Radua, Katya Rubia. “Gray Matter Abnormalities in Childhood Maltreatment: A Voxel-Wise Meta-Analysis”. Am J Psychiatry; in press.
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