O aleitamento materno e o
desenvolvimento psicossocial da criança
LIANNE J. WOORDWARD, PhD
KATHLEEN A. LIBERTY, PhD
University of Canterbury & Christchurch School of Medicine,
University of Canterbury, NOVA ZELÂNDIA
(Publicado on-line, em português, em 21 de abril de 2011)
Os efeitos do aleitamento materno sobre o desenvolvimento da criança têm implicações importantes, tanto para políticas de saúde pública, quanto para o planejamento de estratégias de intervenção precoce que visem melhorar os resultados de desenvolvimento de crianças que vivem em situações de risco como consequência de adversidades biológicas (por exemplo, prematuridade) ou sociais (por exemplo, pobreza). Até o momento, as pesquisas têm oferecido evidências consistentes a respeito dos benefícios da amamentação para a nutrição e para a saúde,1 com a devida cautela no caso de mulheres enfermas ou sob medicação. Há evidências também sobre efeitos modestos, mas consistentemente positivos, do aleitamento materno sobre o desenvolvimento intelectual.2,3 Um tema menos estudado é a relação entre aleitamento e o desenvolvimento psicossocial da criança.
Do que se trata
A maioria das pesquisas sobre os efeitos psicossociais do aleitamento materno focalizou as seguintes questões:
a) Comparações entre duplas de mães-bebês amamentados ou alimentados mamadeira numa série de avaliações referentes à mãe e ao bebê, tais como estresse materno, bem-estar, comportamento parental, qualidade das interações mãe-bebê no início da vida e comportamento e autorregulação do bebê.
b) Análises das diferenças no interior dos grupos em termos de disposição de humor da mãe e estado da criança antes e depois da alimentação ao seio ou com mamadeira.
c) Análise da relação entre o tempo de aleitamento materno e os resultados psicossociais no prazo mais longo, inclusive nos aspectos de apego aos pais, ajustamento comportamental e saúde mental.
d) Adaptação desses vínculos a variáveis interferentes correlacionadas à decisão de amamentar e aos resultados apresentados pela criança.
Problemas
Os problemas-chave nessa área de investigação incluem:
a) Separar os efeitos do aleitamento materno dos efeitos de outras potenciais variáveis interferentes associadas a esse procedimento. Foi demonstrado que o aleitamento materno, como opção para alimentação do bebê, está associado ao status socioeconômico, à saúde mental da mãe, à tendência ao devotamento e à educação, fatores que também estão relacionados aos resultados do desenvolvimento da criança. Portanto, tem sido difícil determinar o efeito isolado do aleitamento materno sobre resultados psicossociais e essa tarefa nem sempre é realizada adequadamente.
b) Fatores de nutrição e saúde tais como ingestão de álcool e medicamentos podem reduzir a qualidade do leite da mãe e afetar de maneira adversa a condição neurológica da criança e as interações entre a mãe e o bebê. Portanto, é importante controlar também a qualidade do leite, contudo poucos estudos incluíram essas medidas ou controles.
c) Os efeitos da duração do aleitamento materno ou da utilização de métodos combinados de alimentação sobre resultados psicossociais posteriores vêm sendo pouco considerados.
d) Existe uma variação significativa em relação aos resultados psicossociais estudados e à amplitude do acompanhamento do desenvolvimento infantil. Pouquíssimos estudos vão além dos primeiros anos de vida.
e) Por fim, e não menos importante, não foram identificados mecanismos ou caminhos por meio dos quais o aleitamento materno poderia influenciar o ajustamento psicossocial posterior da criança, no curto e no longo prazo.
Contexto da pesquisa
As pesquisas nesta área têm se baseado predominantemente em amostras de mães e bebês que vivem em países desenvolvidos. O desenho das pesquisas incluiu abordagens transversais e longitudinais. Estudos transversais utilizaram tanto relatos retrospectivos quanto relatos simultâneos sobre o aleitamento materno. Com poucas exceções, os estudos longitudinais tenderam a abranger períodos de curta duração. Tanto nos estudos longitudinais quanto nos transversais, as avaliações de resultados incluíram entrevistas ou relatos de mães, entrevistas com crianças e observações diretas de episódios de alimentação, brincadeiras e outras interações entre mães e seus bebês. As análises experimentais nesta área não conseguiram distribuir aleatoriamente duplas mãe-bebê em diferentes grupos de método alimentar, tornando necessários outros passos metodológicos e analíticos para garantir que os resultados fossem associados com precisão aos fatores em estudo.
Perguntas-chave de pesquisa
As perguntas-chave de pesquisa nesta área incluem:
a) O aleitamento materno contribui para o ajustamento psicossocial da criança tanto em curto quanto em longo prazo? Os resultados psicossociais relevantes incluem a
formação de uma relação de apego íntima e segura entre mãe e bebê, e o ajustamento social e comportamental da criança.
b) Quais são os mecanismos e caminhos por meio dos quais o aleitamento materno poderia influenciar os resultados psicossociais da criança?
Resultados de pesquisas recentes
As evidências sugerem que um conjunto de fatores está associado simultaneamente com a decisão de amamentar e com a duração da amamentação. Especificamente, mulheres que optam por não amamentar e que amamentam por menos tempo tendem a ser mais jovens, com menor nível educacional, solteiras, mais pobres, e com menor nível de apoio parental.4-6 Além disso, mulheres que não amamentam têm maior probabilidade de ter fumado durante a gravidez, de ter bebês com menor peso ao nascer, e de ser primíparas (ou seja, mães de primeiro filho).4 Por fim, diversos estudos mostram também que mães desempregadas ou que pensam retornar ao trabalho em período integral têm menor probabilidade de amamentar e, quando o fazem, tendem a amamentar por menos tempo.7,8
Essas constatações indicam claramente que o aleitamento materno é um processo seletivo, pelo qual os lactentes que foram expostos a maior risco perinatal e que provêm de ambientes sócio familiares menos favorecidos têm menor probabilidade de ser amamentados ao seio. Portanto, ao analisar as associações entre aleitamento materno e os resultados psicossociais da criança, é importante que os pesquisadores levem em consideração essas diferenças pré-existentes. Embora a maioria dos estudos revisados tenha tentado controlar estatisticamente algumas dessas diferenças, apenas um número reduzido deles incluiu registros das variáveis interferentes citadas anteriormente.4
Constatações de estudos de resultados no curto prazo sugerem que o aleitamento materno pode trazer alguns benefícios tanto para a mãe quanto para o bebê, assim como para o desenvolvimento dessa relação. Especificamente, verificou-se que mães que optaram pelo aleitamento materno relataram níveis mais baixos de estresse e depressão, níveis mais altos de apego maternal, e percebiam maior segurança em seus bebês do que as mães que utilizaram leite em pó.5,9 Evidências sugerem que mães que optam pelo aleitamento materno carregam o bebê no colo por mais tempo e sentem-se mais confiantes como mães.10 Após o aleitamento, as mães relataram também redução no mau humor em comparação aos níveis percebidos antes do aleitamento.5
Em termos do comportamento dos bebês, evidências mostram que nas primeiras semanas de vida os bebês amamentados podem ser caracterizados por maior agilidade mental11,12 e por outros aspectos de funcionamento neurocomportamental.13 Por exemplo, Hart et al.13 verificaram que bebês com uma semana de vida e amamentados obtiveram escores significativamente mais altos em escalas de orientação e de comportamento motor na Escala de Avaliação Comportamental Neonatal de Brazelton.14 Além disso, tenderam também a apresentar melhor autorregulação, redução de reflexos anormais e de sinais de retraimento do que bebês alimentados com leite em pó. Outras evidências dos possíveis benefícios autorregulatórios associados ao aleitamento materno são encontradas também em um estudo de acompanhamento de curto prazo realizado com 158 bebês.10
Esse estudo constatou que, entre 13 e 52 semanas de vida, bebês amamentados choravam por períodos significativamente mais curtos do que bebês alimentados com leite em pó.
Os efeitos do aleitamento materno sobre o desenvolvimento da relação mãe-bebê foram examinados somente por um número reduzido de estudos.9,10 Um desses estudos mostrou que, embora mães que amamentam e mães que utilizam leite em pó passem um período semelhante cuidando de seus bebês, as duplas cujas mães amamentam passam mais tempo em interação lúdica e positiva com o bebê do que aquelas cujas mães utilizam leite em pó, e essa diferença de tempo aumenta progressivamente de 3,2 horas por mês, quando o bebê tem seis semanas de vida, para 19,4 horas por mês, quando completa 13 semanas. É importante destacar que essa diferença se manteve após o controle estatístico dos efeitos relacionados a emprego e status socioeconômico das mães. Um estudo semelhante, mas menos diligente, realizado por Else-Quest et al.9 também sugere alguns vínculos entre aleitamento materno e o melhor funcionamento psicossocial do binômio mãe-bebê.
Dois grupos de mães e bebês – aquelas que amamentaram seus bebês na primeira semana de vida e aquelas que não o fizeram – foram comparados aos quatro e aos 12 meses de idade dos bebês. Aos quatro meses, as mães do grupo de aleitamento materno relataram níveis mais altos de apego a seus bebês e um aumento do sentimento de segurança dos bebês. No entanto, aos 12 meses de idade, essas diferenças não eram mais evidentes. Na avaliação aos 12 meses, as mães que amamentaram relataram ficar menos mal-humoradas, comportar-se de forma menos intrusiva em relação a seus bebês, e os bebês obtiveram escores mais baixos em relação à falta de regulação – ansiedade, autorregulação, frequência de situações de mau humor e organização. Os autores concluíram que, embora o aleitamento materno estivesse associado a algumas vantagens para a relação e para o bebê, as duplas mãe-filho que utilizaram leite em pó não apresentavam relações de baixa qualidade. Os resultados desses estudos são limitados pela falta de controle das variáveis interferentes e também porque, aos quatro meses, 50% das mães que amamentavam já tinham desmamado seus bebês. Por fim, um estudo com 915 bebês constatou que, aos 18 meses de idade, bebês alimentados e bebês não alimentados exclusivamente com leite materno obtiveram escores mais altos na subescala pessoal e social da Escala de Desenvolvimento Mental de Griffith.15
É ainda menor o número de estudos que analisa os efeitos psicossociais do aleitamento materno em longo prazo. Até o momento, os resultados são variáveis: alguns estudos sugerem alguns benefícios psicossociais limitados4,16 e outros não.17 Não há evidências que possam sugerir que bebês amamentados tenham menor risco de desenvolver problemas comportamentais ou de saúde mental no futuro.4,17,18 No entanto, um estudo mostrou uma pequena, mas significativa, associação entre a duração do aleitamento materno e as percepções de adolescentes sobre o cuidado maternal: maior duração do aleitamento materno foi associada à maior percepção dos adolescentes quanto à dedicação materna. Essa associação persistiu após o controle estatístico de ampla gama de variáveis selecionadas, mencionadas anteriormente.
Conclusão
Evidências em apoio à existência de um vínculo entre aleitamento materno e resultados psicossociais positivos para a criança são, na melhor das hipóteses, modestas e, em muitos casos, limitadas por controle inadequado das diferenças pré-existentes entre bebês alimentados por aleitamento materno e por leite em pó e suas famílias. No entanto, há indicações de que um bebê amamentado possa ser mais alerta, chorar menos e ter maior capacidade para envolver-se em interações com seus pais do que um bebê alimentado com leite em pó. O aleitamento materno possivelmente tem também algumas propriedades redutoras do estresse materno e promotoras da confiança parental. Por fim, um estudo confiável de acompanhamento em longo prazo mostrou melhorias, de pequenas a modestas, na percepção dos cuidados maternais por adolescentes que haviam sido amamentados por mais tempo. Os mecanismos pelos quais essas associações se produzem não foram estabelecidos empiricamente. Um mecanismo possível e frequentemente citado é a promoção do apego por meio do aleitamento materno. Outra explicação poderia ser o fato de que a associação entre aleitamento materno e a melhor relação mãe-bebê reflete, pelo menos em parte, os ganhos de funcionamento cognitivo da criança que são atribuídos ao aleitamento materno.
Implicações para políticas e serviços
Não há evidências concretas para a promoção do aleitamento materno com base em seus efeitos sobre o desenvolvimento psicossocial. No entanto, a valorização da amamentação é amplamente justificada pelos estudos sobre as vantagens nutricionais e cognitivas a ele associadas, o que deve ser levado em conta na preparação de materiais para a promoção do aleitamento.
Embora pesquisas futuras talvez comprovem que o aleitamento materno resulte em melhor funcionamento psicossocial, há um grande número de fatores parentais e familiares que se mostraram mais fortemente associados a desajustes psicossociais da criança. Entre eles, maternidade entre adolescentes, fraco desempenho educacional da mãe, pobreza, comportamento antissocial e outros problemas de saúde mental dos pais, violência familiar, abuso da criança e dificuldades parentais. Portanto, é provável que estratégias de intervenção amplamente baseadas na comunidade e na família sejam as abordagens mais eficazes para reduzir as taxas de problemas comportamentais e de saúde mental entre crianças e jovens.
REFERÊNCIAS
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Fonte: Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância ©2011
Centre of Excellence for Early Childhood Development Woordward LJ, Liberty KA