EM REPÚDIO AO FECHAMENTO DA
CASA DE PARTO DAVID CAPISTRANO FILHO – RJ
RECONHECEMOS:
Que o modelo de assistência que orientou a organização dos serviços de saúde no Brasil é um modelo voltado para a doença e para o risco;
Que este modelo adota o paradigma de processamento industrial da assistência, objetificando sujeitos e, portanto, não abrindo a possibilidade de reconhecimento das individualidades e subjetividades, assim como não se sensibilizando para a manifestação do sofrimento e da dor;
Que uma das expressões mais perversas desse modelo é a linha de produção de cesáreas, que em muitas ocasiões desconsideram questões referentes à maturidade fetal, assim como o que seria mais recomendável como boa prática obstétrica;
Que o alto índice de cesarianas e outras intervenções desnecessárias, além de se refletirem em maior dano para mães e bebês, coloca nosso país como alvo preferencial de críticas por parte de organismos internacionais e de cientistas adeptos das boas práticas;
Que partos e nascimentos NÃO são fenômenos de doença, mas sim, a mais alta expressão de saúde, vigor e vitalidade – uma vez que é quando a VIDA se expressa em seu mais alto poder gerador;
Que o atual modelo de assistência ao parto e nascimento apresenta uma grande contradição: por um lado não atende à população de alto risco, haja vista as altas taxas de morbimortalidade materna e perinatal, e por outro, não atende à população majoritária de mulheres de baixo risco, haja vista a excessiva medicalização da assistência, onde práticas antigas e ultrapassadas ainda fazem parte da maioria das rotinas hospitalares (enema, tricotomia, episiotomia…).
EM CONSEQUÊNCIA:
Somos favoráveis à proteção e incentivo às atuais Casas de Parto em funcionamento em nosso país, assim como ao ESTÍMULO para abertura de outras casas de parto, com assistência prestada por enfermeiras, porque:
• Casas de parto são modelos de assistência a partos e nascimentos baseados na visão desses eventos como processos saudáveis e contribuintes para maior qualidade de vida e saúde das mulheres e seus bebês;
• Nesses ambientes é possível a prestação de atendimento mais individualizado, mais respeitador dos processos fisiológicos e naturais;
• As enfermeiras, dependendo de como terá sido sua capacitação, terão condições de conduzir a assistência adotando mecanismos não farmacológicos de controle da dor, assim como de adotar medidas não invasivas e menos traumatizantes na condução do processo de parto – e de realizar a reanimação neonatal de acordo com os princípios da Academia de Pediatria Americana quando for necessário;
• Mulheres que desejem a assistência ao parto em Casas de Parto devem ser de baixo risco de desenvolver complicações maternas ou perinatais no período de pré-parto, parto e pós-parto.
• A assistência em Casa de Partos tem resultados que vão além da redução de morbidade e mortalidade (que são mais frequentes nos ambientes que tratam de doentes, como os hospitais): a facilitação do vínculo mãe-filho, ou mãe-pai-filho é potencializada, com efeitos na saúde mental e social da família;
• Em países desenvolvidos, como Holanda, Japão, Alemanha, Áustria e outros, cujos indicadores de mortalidade e morbidade são consideravelmente baixos, assim como suas taxas de cesárea, esse modelo de assistência a partos e nascimentos em casas de parto por obstetrizes faz parte da rotina de atendimento obstétrico – profissionais de enfermagem e medicina atuam como equipe, em colaboração, no sentido do melhor bem-estar possível de mães e bebês.
• Para mulheres de baixo risco a assistência ao parto em casas de parto resulta em uma maior satisfação por parte das mulheres e de suas famílias, em redução dos custos e conseqüente melhoria na alocação dos recursos financeiros e, principalmente, em indicadores EQUIVALENTES AOS MELHORESE RESULTADOS OBTIDOS EM NOSSAS MELHORES MATERNIDADES.
PORTANTO, consideramos que:
A mudança de modelo de assistência que vem sendo corajosamente proposta pelo MINISTÉRIO DA SAÚDE:
a) leva em consideração recomendações de organizações internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), Centro Latino Americano de Perinatologia, Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), assim como as mais atualizadas publicações constantes na Biblioteca OMS de Saúde Reprodutiva e Biblioteca Cochrane, o que se convencionou denominar Medicina Baseada em Evidências Científicas;
b) está solidamente legitimada em diretrizes políticas emanadas do Ministério da Saúde, que inclusive instituiu linhas de financiamento para constituição de casas de parto e habilitação de enfermeiras obstétricas; e
c) é um avanço no sentido de se oferecer assistência humanizada e baseada em evidências científicas.
E, FINALMENTE,
Acreditamos que as reações e atitudes contrárias ao funcionamento destas Casas de Parto são resultantes ou de um profundo desconhecimento das recomendações internacionais e, principalmente, das evidências científicas, ou de resistências à mudança de modelo, seja por conveniências que não consideram o que seria melhor para mães e bebês, seja por compromissos escusos com o grupo de profissionais que se beneficia com a atual situação de excesso de intervenções.
Em pleno século XXI onde o acesso à informação é simples e está disponível a todos que queiram abalizar suas práticas com o que há de apropriado segundo critérios de rigor científico. É INADMISSÍVEL aceitar ações arbitrárias, arrogantes e que desconsideram a Enfermagem como um todo, a população (que tem o direito de receber uma assistência digna, eficiente e baseada em evidências) e uma significativa parte da corporação médica que se nega a aceitar a “medicina baseada em eminências” e seus mitos;
Médicos conhecedores de evidências científicas e preocupados com o bem-estar de mães e bebês são e serão sempre nossos aliados e parceiros, neste movimento iniciado há mais de dez anos
PELA HUMANIZAÇÃO DO PARTO E NASCIMENTO!
Florianópolis, 07 de junho de 2009
Marcos Leite dos Santos
Obstetra
Universidade Federal de Santa Catarina
Presidente da ReHuNa