HOMOAFETIVIDADE: AMAMENTAÇÃO & PATERNIDADE
GAYS PODEM AMAMENTAR?
MUDANÇA – Nélio – ou Evita Perom – é exemplo de amor e dedicação aos seis filhos que amamentou.
Quando era criança, o estudante Paulo Ribeiro Brito ameaçava bater nos coleguinhas de escola que diziam que seu pai era gay. Eu gritava que era mentira. Com o passar dos anos, ele descobriu que seus amigos estavam certos e que seu pai era mais conhecido como Evita Perom – com m para se diferenciar da argentina – do que pelo nome de batismo, Nélio. Hoje, quase 30 anos depois, Paulo é símbolo de uma geração de jovens que veio ao mundo com a mais pura missão de quebrar preconceitos e mostrar que gays e lésbicas estão, cada vez mais, seguindo o que Deus mandou: crescendo e multiplicando-se. O que importa é o sentimento que eu tenho pela minha mãe, diz ele, a respeito do pai.
O pai de Paulo – ou mãe? Bom, isso é o que menos importa nessa família – nasceu para a maternidade e fez o que muita mulher treme só de imaginar: teve seis filhos e amamentou todos eles.
O que? Amamentou?
Positivo. Antes de ter o primeiro filho, aos 17 anos, Evita fez um tratamento nos Estados Unidos * que estimulou a produção de leite e, assim, alimentou a prole meses a fio, como muitas mulheres já não querem fazer mais. Da maternidade, Evita só não teve a barriga e o parto. A mulher que serviu ao pequeno detalhe, ele conheceu através de amigos na África do Sul e de lá trouxe os filhos, uma escadinha, a única menina hoje com 14 anos. Os demais têm 17, 21, 22, 23 e 25 anos. Todos viram bicho para defender o pai. Uma vez eles expulsaram um amigo de casa porque ele disse que era um absurdo ter um pai homossexual.
Cada vez mais no mundo, e no Pará não é diferente, famílias gays invertem a lógica do jacaré e do lobisomem e provam que mulher com mulher pode dar bebê, assim como homem com homem. O especialista em reprodução humana, Rosival Nassar, tem parte de sua clientela entre casais de mulheres que amam mulheres. Elas vêm juntas ao consultório e já chegam decididas sobre qual delas vai engravidar, diz ele. Há casos em que elas recorrem ao banco de sêmen, mas algumas escolhem um amigo – em geral também gay – para ser o pai biológico. No caso de dois homens, é possível fazer fertilização in vitro com uma mãe hospedeira, que assina um contrato para entregar a criança no parto. Casos assim exigem que o óvulo seja doado por uma segunda mulher. Assim, aquela que hospedou o feto será impedida legalmente de querer o bebê, caso mude de idéia.
FRUTOS
O direito de ter uma família é um tema recorrente entre os homossexuais por vários motivos. O primeiro deles, e mais básico de todos, é que, como todo ser humano, eles têm o desejo natural de se unir a outros e gerar frutos. O segundo está ligado ao forte preconceito que todo homossexual sofre na vida. Roberto Paes, um dos diretores do Grupo Homossexual do Pará (GHP), explica que os homossexuais ainda são muito rejeitados por suas famílias de origem. Às vezes, o pai e a mãe até aceitam os filhos gays ou lésbicas na intimidade, mas têm vergonha de assumi-los diante de vizinhos e outros parentes. As mulheres, por exemplo, procuram mais a maternidade por motivos óbvios, mas também porque são ainda mais rejeitadas socialmente. A discriminação gera pequenas feridas que se solidificam no dia-a-dia e vão criando calos emocionais difíceis de serem assimilados. Isso gera nos homossexuais um desejo muito grande de constituir sua própria família, com pessoas que os amem de verdade, que não tenham vergonha de sair na rua de mãos dadas.
No ano passado, o movimento homossexual em todo o Brasil trouxe à discussão pública o lema
Família e respeito: direitos iguais, nem mais nem menos.
Além do casamento, o principal tema foi a adoção, que ainda parece ser dificuldade na maioria das Varas de Família. Outra questão é o registro da paternidade em nome do casal e não apenas daquele que gera a criança. Na semana passada, a advogada Ana Carla Matos esteve em Belém para contar o caso até então inédito no Brasil de um juiz do Rio Grande do Sul que autorizou a paternidade compartilhada de uma criança. Na certidão de nascimento foram abolidas as inscrições pai e mãe. Se isso já é possível para casais heterossexuais, por que não permiti-lo também para os homossexuais?
Diversidade sexual ainda é pouco ACEITA
Os filhos de homossexuais nascem com a vantagem de pertencer a uma geração mais compreensiva com a diversidade sexual. É claro que há aqueles que resistem, moram com avós e evitam o contato, mas a maioria aprende desde pequeno que seus pais são diferentes, mas não melhores ou piores que qualquer outro. Evita Perom, por exemplo, criou os seis filhos com total transparência. Cresceram freqüentando o salão do Ninho, no conjunto Satélite, onde o pai costuma se produzir para deixar o Nélio de lado e encarnar a Evita. Todos se divertem com a agenda do pai, que vive em shows e patrocina um time de futebol, o Canarinho Esporte Clube de Outeiro.
Menos alegre, a vendedora Maria (o nome é fictício) nunca teve coragem de revelar à família sua orientação sexual. Há cinco anos encontrou uma companheira e se mudou de Tailândia, onde estavam o pai, a mãe e um noivo, para morar em Castanhal com outra mulher. Há dois anos, a família cresceu com a vinda de um menino. Meu filho vai aprender a amar as pessoas sem julgá-las. Eu não aprendi isso com minha família e nem por isso consegui ser o que eles desejavam.
Calejados pela intolerância, os homossexuais ou se escondem ou vão à luta. Roberto Paes, que escolheu a luta, nasceu numa família tradicional no interior. Desde muito novinho, apresentou sinais que preocuparam a família. Minha mãe queria que eu entrasse para o seminário. Ela achava que se eu fosse padre, não seria homossexual.
PRECONCEITOS
Quem condena a filiação entre homossexuais em geral busca argumentos na Psicologia. É comum a idéia de que filhos de homossexuais terão tendências a desvios de comportamento ou não conseguirão desenvolver seus próprios interesses sexuais, porque não terão em que se espelhar para criar a personalidade. Bobagem produzida pela psicologia de banca de jornal. A psicóloga Claudiene Santos, da Universidade de São Paulo (USP), pesquisou as relações familiares de 15 homossexuais em São Paulo, Pernambuco, Minas Gerais e Distrito Federal e não encontrou tais características, mesmo em filhos com mais de 25 anos. Eles (os pais) simplesmente abriram o jogo com seus filhos, revelou a psicóloga em entrevista.
Para ela, há poucas diferenças entre casais hetero e homossexuais no que diz respeito à criação dos filhos. Ela observou, por exemplo, que em casais de gays e lésbicas não existe a divisão entre a figura provedora da casa, ocupada geralmente pelo homem, e a figura afetuosa, que fica para a mulher – até porque hoje em dia esses papéis estão cada vez mais misturados mesmo entre os heterossexuais. Para a especialista, o preconceito contra famílias formadas por homossexuais só irá desaparecer quando a sociedade conseguir entender que a orientação sexual dos parceiros não exclui a capacidade de ser um bom pai ou uma boa mãe.
* Não é preciso ir aos EUA para realizar a técnica da lactação adotiva ou indução à lactação. Consultores de amamentação podem apoiar este processo relativamente simples, já descrito e realizado no Brasil há mais de 25 anos.
Agradeço ao Psicólogo e amigo Paulo Sérgio Bonança as sugestões e críticas a este artigo que permitiram que ele fosso republicado sem termos preconceituosos.
Prof. Marcus Renato de Carvalho