QUAL A RELAÇÃO DO ALEITAMENTO MATERNO E A
CÁRIE DENTÁRIA?
REVISÃO DE LITERATURA
Isabella Claro Grizzo*
O presente estudo refere-se a uma revisão de literatura relacionando a cárie dentária com o aleitamento materno. Com o passar dos anos a ciência desenvolveu diversos conceitos sobre a etiologia da cárie, diante do cenário atual, sabe-se que se trata de uma doença multifatorial, ou seja, diversos fatores associados para que ocorra o aparecimento da lesão cariosa e não simplesmente a presença do açúcar/carboidrato na cavidade oral, e sim, necessário um desequilíbrio dos fatores associados a doença cárie para o aparecimento da lesão. Sendo assim, esse estudo irá apresentar através de artigos recentes, a relação da lesão cariosa com o leite materno e se ele é capaz ou não de provocar o aparecimento das lesões, baseando-se no conceito da doença x lesão e composição do leite materno.
Palavras-chave: Cárie dentária. Suscetibilidade a cárie dentária. Aleitamento materno. Amamentação.
Por muitos anos acreditou-se que a cárie dentária era uma doença transmissível, causada apenas pelo consumo do açúcar, no entanto, atualmente seu conceito dado por Pits et al é pautado na definição de doença dinâmica, multifatorial e mediada pelo biofilme. Ou seja, para a lesão cariosa se desenvolver clinicamente precisamos ter vários fatores associados, esses fatores são: presença do biofilme dentário, ausência do flúor, presença das bactérias acidogênicas e acidúricas e a presença do açúcar. O risco de cárie dentária está relacionado ao teor de carboidratos do leite materno associada a duração do contato do leite e a dentição irrompida (ou seja, frequência da alimentação e práticas de alimentação que resultam em agrupamento de leite materno ou fórmula em torno das superfícies dos dentes, como a alimentação de bebês para dormir) (THAM et al., 2015).
O processo do desenvolvimento da lesão se caracteriza pela queda do pH da cavidade oral, nessa queda o esmalte dentário entra no processo de desmineralização, quando se tem a remoção do biofilme e presença do Flúor, ele participará de trocas iônicas entre a superfície dentária e a cavidade, formando a fluroapatita que contribuirá para o processo de remineralização, esse processo ocorre constantemente na cavidade oral. No entanto, quando ocorre um desequilíbrio nesse processo, ocorrendo mais desmineralização do que a remineralização as lesões cariosas aparecem. (MAGALHÃES A.C. et al, 2021)
Considerando que o leite materno contém lactose em sua composição e durante a metabolização torna-se açúcar e o açúcar contribui para queda do pH do meio e o processo de desmineralização é desencadeado há uma grande discussão sobre ele ser promotor de cárie dentária na primeira infância e assim, tornou-se oportuno realizar uma revisão sobre o potencial cariogênico do leite materno. Então, foi realizada uma busca no PUBMED de artigos com os termos “dental caries” AND “breastfeeding”. Encontrou-se 477 artigos. Colocou-se um filtro para artigos a partir de 2015 resultando em 145 estudos, desses 145, foi utilizado um segundo filtro para inclusão de apenas estudos clínicos randomizados ou revisões sistemáticas e o número de estudos obtidos foi de 7. Com esses 7 artigos, foi realizada a leitura de títulos e resumos para uma exclusão preliminar e assim um estudo foi excluído pois seu tema fugia do abordado no presente estudo. Os 6 estudos resultantes foram lidos completamente e na leitura, dois foram excluídos por fugirem do foco do estudo, sendo incluídos nessa revisão 4 estudos.
Assim como a cárie dentária na primeira infância tem impacto na saúde geral das crianças o aleitamento materno também se apresenta relevante nesse aspecto, no entanto são apontados os impactos benéficos dessa prática, como redução da mortalidade infantil, redução do desenvolvimento de doenças sistêmicas, redução da desnutrição infantil, entre outros inúmeros benefícios que já são comprovados pela ciência (AVILA et al., 2015; BIRUNG et al 2015), frente a eficácia do leite materno, é de suma importância o conhecimento da relação do aleitamento e cárie, para não estimular um desmame precoce com o objetivo de manter o bebê/criança livre de lesões cariosas.
Dos quatro estudos incluídos para essa revisão todos referem-se a uma relação fraca ou nula entre o aleitamento com a cárie dentária, deixando claro que a relação apontada em alguns estudos pode estar relacionada a falta de metodologia, viés do estudo ou outro tipo de alimento introduzido na vida da criança juntamente com o aleitamento.
Tham e colaboradores (2015) sugeriu que o aleitamento materno além 1 ano de idade aumentou o risco de cárie na primeira infância, mas advertiu que, pode haver confusão com efeitos dos hábitos alimentares e da higiene oral quando não são adequadamente controlados. Já Moynihan e colaboradores (2019) indicou que as melhores evidências disponíveis revelam que o aleitamento até dois anos não aumenta o risco a cárie na primeira infância, quando comparado com o aleitamento até um ano de idade. Mas fatores protetores como, escovação diária, exposição dos dentes ao flúor, controle da dieta, devem ser introduzidos na vida das crianças a partir do momento que o aleitamento materno passar a não ser exclusivo.
Um estudo conduzido por Neves e colaboradores (2016) avaliou o potencial de cariogenicidade do leite materno, ou seja, avaliou a queda do pH provocada pelo leite materno na cavidade oral e obteve como resultado que o leite materno não diminuiu o pH do biofilme dental nem em crianças livres de cárie, nem em crianças que já apresentavam cárie da primeira infância. Estudos experimentais prévios a Neves já haviam apontado que o leite materno não pode apresentar um potencial cariogênico, desde que seja a única fonte de carboidratos (ARAÚJO et al., 1997; ERICKSON & MAZHARI, 1999).
Sendo assim, nota-se que os estudos que associaram uma relação do aleitamento após os seis meses de idade como risco de carie, podem ter um viés em relação aos outros hábitos introduzidos na criança juntamente com o aleitamento. A Organização Mundial da Saúde preconiza o aleitamento materno exclusivo até os seis meses, diante disso, após esse período e muitas vezes, antes disso, o bebê recebe outras fontes alimentares, como fórmulas infantil, no intuito de complementar o aleitamento e a própria introdução alimentar, e assim, outras fontes de carboidratos que são capazes de promover a queda de pH na cavidade oral suficiente para o desenvolvimento de lesões cariosas são expostas a superifice dentária do bebê/ criança e por atuarem no mesmo momento que o aleitamento acontece, uma confusão pode acontecer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a leitura de diversos trabalhos e avaliando a etologia da cárie dentária pôde-se concluir que o leite materno, isoladamente na alimentação do bebê, não tem potencial para o desenvolvimento das lesões cariosas, mas quando associado com outras fontes de alimento pode ser confundido como um fator de risco para cárie precoce da primeira infância.
4. REFERÊNCIAS
Moynihan P, Tanner LM, Holmes RD, Hillier-Brown F, Mashayekhi A, Kelly SAM, Craig D. Systematic Review of Evidence Pertaining to Factors That Modify Risk of Early Childhood Caries. JDR Clin Trans Res. 2019 Jul;4(3):202-216. doi: 10.1177/2380084418824262. Epub 2019 Feb 14. PMID: 30931717.
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Avila WM, Pordeus IA, Paiva SM, Martins CC. Breast and Bottle Feeding as Risk Factors for Dental Caries: A Systematic Review and Meta-Analysis. PLoS One. 2015 Nov 18;10(11):e0142922. doi: 10.1371/journal.pone.0142922. PMID: 26579710; PMCID: PMC4651315.
Tham R, Bowatte G, Dharmage SC, Tan DJ, Lau MX, Dai X, Allen KJ, Lodge CJ. Breastfeeding and the risk of dental caries: a systematic review and meta-analysis. Acta Paediatr. 2015 Dec;104(467):62-84. doi: 10.1111/apa.13118. PMID: 26206663.
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Araújo FB, Cury JA, Araujo DR, Velasco LFL: Study in situ cariogenicity of human milk: clinical aspects. Rev ABO Nac 1997;4:42–44
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Magalhães, Ana Carolina.; Rios, Daniela.; Wang, Linda.; Buzalaf, Marília AF. Cariologia da Base à Clínica. 1 ed. São Paulo: Barueri, 205 p, 2021.
* Isabella é pós – graduada em Aleitamento Materno pelo Instituto Passo1. Piracicaba/SP. Orientadora: Ludmila Tavares Costa Ercolin. [email protected]