
Summary
A amamentação traz inúmeros benefícios para crianças, mulheres, sociedade e meio ambiente, reduzindo a mortalidade infantil, prevenindo doenças maternas e contribuindo para a sustentabilidade. No entanto, enfrenta desafios como a falta de apoio social e o retorno ao trabalho/estudos.
Para apoiar a amamentação, diversas iniciativas foram implementadas no Brasil, como a Iniciativa Hospital Amigo da Criança e as Salas de Apoio à Amamentação, que oferecem suporte a lactantes em instituições de ensino e trabalho.
Apesar de avanços, as universidades ainda apresentam barreiras para mães lactantes. Como solução, propõe-se o título de “Universidade Amiga da Amamentação”, com critérios como a criação de políticas institucionais, inclusão do tema na formação acadêmica, oferta de espaços adequados para amamentação e armazenamento de leite, além de flexibilização de prazos acadêmicos para mães.
A implementação dessas medidas fortaleceria o apoio ao aleitamento materno, garantindo benefícios para mães, bebês e a sociedade.
Uma instituição de ensino superior deve adotar medidas que garantam o apoio ao aleitamento em seu ambiente. Considerando a diversidade estrutural das Universidades, essa certificação pode ser concedida a diferentes unidades acadêmicas. Para isso, a instituição deve ter uma política formal de promoção do aleitamento e um grupo interdisciplinar para implementá-la. Também deve oferecer disciplinas sobre o tema, capacitações regulares, projetos de pesquisa e extensão, além de espaços adequados para amamentação e cuidado infantil. Outras ações incluem licença-maternidade e paternidade ampliadas, flexibilização de prazos para mães estudantes e suporte da Ouvidoria para essas demandas.

A amamentação proporciona diversos benefícios, não só para as crianças, mas para as mulheres, o ambiente e a sociedade. Dentre as inúmeras vantagens, está a redução em até 13% da mortalidade infantil por causas evitáveis, redução das chances de a mulher desenvolver câncer de mama e ovário, além do leite humano ser sustentável, natural e renovável. Dessa maneira, a sociedade é beneficiada com menos gastos no sistema de saúde, contribui para melhora da nutrição, educação, saúde e potencial de inteligência.
Entretanto, a prática de amamentar possui muitos desafios, dentre eles o grande número de publicidade de substitutos do leite humano impostos pelas indústrias, a falta de apoio da família e da sociedade e retorno ao trabalho/estudos, que dificultam a continuidade da amamentação. O uso dos ditos substitutos do leite humano e não amamentar podem estar relacionados a alteração da vinculação mãe-bebê¹⁰.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estipulados pela ONU, são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Alguns desses tópicos são: 2- Fome Zero e Agricultura Sustentável, 3- Saúde e Bem-estar, 4- Educação de Qualidade, 5- Igualdade de Gênero, 6- Água Potável e Saneamento, 8- Trabalho Decente e Crescimento Econômico, 10- Redução das Desigualdades, 12- Consumo, Produção Responsáveis, 13- Ação contra Mudança Global do Clima, 16- Paz, Justiça e Instituições Eficazes e 17- Parcerias para a Realização dos Objetivos. Dessa forma, a amamentação exclusiva e prolongada está relacionada ao alcance desses ODS acordados entre os países.
Para a garantia desses objetivos é valido ressaltar que existem elementos favoráveis à amamentação, como horários flexíveis/pausas para amamentar ou extrair leite; o espaço em relação ao cuidado do bebê no local ou próximo ao local de trabalho e estudo, que seja reservado, adequado e confortável para retirar e estocar seu leite ou amamentar; também o apoio, com leis de proteção à maternidade e seus benefícios, apoio dos empregadores, gestores e colegas do ambiente com atitudes positivas em relação à maternidade e amamentação, respeitar a amamentação em público, cuidar da saúde da mulher e criança e não discriminação em razão da maternidade.
Há várias iniciativas nacionais e internacionais que promovem, apoiam e protegem o aleitamento fornecendo o alicerce para que crianças amamentadas e pessoas que amamentam tenham maior garantia do estabelecimento e manutenção da amamentação.
O Brasil aderiu à Iniciativa Hospital Amigo da Criança, um selo que é garantido pelo Ministério da Saúde aos hospitais que cumprem, entre outros critérios, os 10 Passos Para o Sucesso do Aleitamento Materno. Outra iniciativa é a Unidade Básica Amiga da Amamentação, o Consultório Amigo da Amamentação, que orientam o profissional a atuar de forma comprometida com a promoção, proteção e apoio ao aleitamento e a cumprir 10 princípios para poder ser assim considerado. Também, há em alguns municípios, mesmo sem a obrigatoriedade e a regulação nacional, a Creche Amiga da Amamentação, um projeto onde as mães podem ir durante o dia na creche para amamentar seus filhos ou podem armazenar o leite e levá-lo para o consumo da criança na instituição.
A UNICEF/UK conta com a Iniciativa Universidade Amiga da Criança e possui um guia com critérios para a acreditação. Porém, este credenciamento é concedido ao curso e não à universidade em si. As universidades são estimuladas a solicitar o credenciamento para cada um dos cursos que elas oferecem (formação de parteiras, obstetrizes, enfermeiros obstetras), garantindo que esses profissionais estejam preparados com os conhecimentos e competências básicos necessários para apoiar de forma eficaz a alimentação infantil e a construção de vínculos. A implementação da Iniciativa está baseada no cumprimento de tópicos de aprendizagem em cinco grandes áreas: compreensão da amamentação; apoio às mães na amamentação; proximidade e relação de confiança; resolução de problemas e intercorrências mais comuns; e comunicação⁵,⁹.
O apoio abrangente ao aleitamento que desmonta barreiras institucionais, políticas, comunitárias, interpessoais e individuais está ao alcance de muitas universidades em outros países, através de uma abordagem colaborativa de saúde pública⁴.
Qual o papel das instituições de ensino superior?
A criação de um ambiente de apoio à amamentação nas universidades pode ter um impacto significativo na saúde da população, na continuação da alimentação com leite humano e, por sua vez, no apoio à saúde pós-parto das lactantes, garantindo também o desenvolvimento infantil saudável⁴. As mães lactantes são uma população pouco priorizada nas universidades e enfrentam barreiras significativas na continuação do aleitamento quando regressam ao campus²,4. Essas lacunas têm sido percebidas em algumas universidades que estão buscando aprimorar-se com relação ao aleitamento.
Estudos mostram que a manutenção do aleitamento está diretamente relacionada a programas de apoio à lactação. Um local de trabalho favorável à amamentação tem sido positivamente relacionado à continuação da amamentação após o retorno ao trabalho nas universidades. As mães que têm acesso a seus filhos para amamentá-los durante a jornada de trabalho amamentam mais do que outras mães⁵.
Uma das estratégias adotadas por algumas universidades para minimizar as barreiras impostas no retorno aos estudos e possibilitar a continuidade da amamentação é a implantação de Salas de Apoio à Amamentação (SAA).
Atualmente, o Brasil possui cerca de 343 salas de apoio à amamentação certificadas pelo Ministério da Saúde, distribuídas em diversas instituições públicas e privadas em todo o país. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, há 47 salas de apoio, sendo 43 certificadas pelo Ministério da Saúde. Entre as instituições que receberam certificação recentemente estão algumas universidades e centros de ensino, como a Faculdade de Nutrição Emília de Jesus Ferreiro (UFF) e o Instituto Politécnico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Campus Nova Friburgo). Das 343 salas certificadas existentes no Brasil, no ano de 2024, segundo dados do Ministério da Saúde, apenas 10 estão vinculadas à Universidades.
As SAA têm o objetivo de assegurar, às servidoras e discentes, o direito de continuarem amamentando após o período de licença maternidade, em um espaço privativo e confortável, além de ser um local estruturado para que as mulheres que desejem, possam retirar o leite e deixá-lo temporariamente armazenado até que saiam da instituição e possam levá-lo, garantindo assim a manutenção do aleitamento. Atualmente há cerca de 800 tutores formados pelo Ministério da Saúde para assessorarem a implantação de uma SAA. Podemos citar as SAA da Faculdade de Nutrição Emília de Jesus Ferreiro, iniciativa do Ambulatório Nutricional e Integrativo à Maternidade (Anima) da Universidade Federal Fluminense (UFF), a da Universidade Federal de Lavras (UFLA), a da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a da Universidade de São Paulo (FDUSP) e a do Centro Ana Abrão, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Além da SAA existente, vale destacar que a UFPE conta com o Projeto de extensão Amamentar (ProAma), do Departamento de Anatomia, que produziu uma cartilha sobre “Amamentação e volta às atividades” e oferece uma disciplina eletiva sobre aleitamento⁸. No Estado do Rio de Janeiro, podemos citar exemplos bem sucedidos de outras abordagens inovadoras (podcasts, disciplinas específicas, projetos de extensão e minicursos) desenvolvidas pelo Núcleo de Estudos da Saúde e da Alimentação Materna e da Mulher (NESAM) e o Grupo de Estudos em Reprodução e Nascimento (Germinar), ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Campus Macaé.
Todas as ações e atividades levantadas, e outras tantas que acontecem com o mesmo propósito que não foram citadas aqui, são valiosas, e nota-se um esforço crescente na tentativa de apoiar a continuidade ao aleitamento após o retorno às atividades. Porém, tais iniciativas, por se tratar de ações isoladas, apresentam limitações diante da complexidade da amamentação e não abrangem todas as esferas necessárias para que o direito de amamentar se concretize.
Acreditamos que propor um conjunto de ações a serem adotadas por uma universidade para que ela seja considerada Amiga da Amamentação garantirá de maneira efetiva a manutenção do aleitamento nesse contexto. Devido às diversas configurações que as Instituição de Ensino Superior podem se estruturar, o título de “Universidade Amiga da Amamentação”, dependendo do seu contexto, poderá ser atribuído a um Campus, Centro, Complexo, Faculdade, Institutos, Escolas Superiores, Fundações e outras unidades de uma Universidade.
Diante do exposto, e inspirado nas iniciativas existentes, o objetivo desse trabalho é propor os seguintes critérios para que uma Instituição de Ensino Superior seja intitulada de “Universidade Amiga da Amamentação”:
1. Ter uma política registrada de promoção, proteção e apoio ao aleitamento, que seja de conhecimento de todos e criar um grupo de trabalho interdisciplinar para implementá-la;
2. Oferecer disciplinas que abordem o conteúdo sobre aleitamento na formação dos discentes. Estas disciplinas devem ser obrigatórias para graduações da área da saúde e/ou eletivas em outras áreas que façam interface com a questão do aleitamento;
3. Promover atividades semestrais (palestras, oficinas etc.) para capacitação básica sobre aleitamento;
4. Fomentar projetos de extensão e/ou pesquisa voltados para a temática de aleitamento;
5. Possuir espaços reservados para amamentação/Sala de Apoio à Amamentação;
6. Contar com um espaço para cuidado dos bebês enquanto os responsáveis estão na instituição;
7. Garantir o cumprimento de licença maternidade compatível com o período de aleitamento exclusivo, recomendado pela OMS;
8. Garantir licença paternidade ampliada compatível, pelo menos, com o Marco Legal da 1ª Infância;
9. Reconsiderar prazo maior para conclusão de cursos para discentes mães;
10. Capacitar a Ouvidoria da Universidade para acolher demandas relacionadas à amamentação e tentar resolvê-las.
Consideramos esses critérios como essenciais, podendo outros serem agregados para complementar de acordo com a realidade de cada universidade. Estamos abertos a críticas e sugestões para que esses requisitos sejam os mais úteis possíveis para a saúde da criança e da pessoa que amamenta, ampliando as políticas públicas universitárias voltadas a garantir o direito ao aleitamento e a alimentação complementar saudável. Acreditamos que apenas com um conjunto robusto de critérios, como o sugerido neste projeto, teremos condições mais favoráveis para a garantia da manutenção do aleitamento nas universidades, o que, em última instância, promoverá mais saúde para o binômio lactante-lactente.
Autoras: Taís Fontoura de Almeida1, Ana Paula Vioto 2, Layna C. Louback3 e Marcus Renato de Carvalho4
1 Universidade Federal do Rio de Janeiro, [email protected]
2 Coordenadoria de Programas de Alimentação e Nutrição de Piracicaba, São Paulo, [email protected]
3 Universidade Federal do Rio de Janeiro, [email protected]
4 Universidade Federal do Rio de Janeiro, [email protected]
Esta proposição foi apresentada no IV Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência promovido pelo Movimento Parent in Science no Museu do Amanhã – RJ nos dias 17 e 18 de outubro de 2024.
Referências Bibliográficas
¹BRASIL. Organização das Nações Unidas Brasil. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/sdgs>. Acesso em: 15 nov. 2023.
²CARVALHO, M. SANCHES, MTC. Amamentação Bases Científicas. 5ª.ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2025.
³CRECHES AMIGAS DA AMAMENTAÇÃO É UMA POLÍTICA PÚBLICA MUNICIPAL. Aleitamento.com, 2011. Disponível em: <https://aleitamento.com.br/secoes/amamentacao/creches-amigas-da-amamentacao-e-uma-politica-publica-municipal/3887/>. Acesso em: 16 nov. 2023.
⁴DINOUR, L. M.; PAPA, G. A.; BAI, Y.K. (2014). Breast milk pumping beliefs, supports, and barriers on a university campus. Journal of human lactation: official journal of International Lactation Consultant Association. (v. 31, n. 1, p. 156–165). https://doi.org/10.1177/0890334414557522
⁵LEON-LARIOS, F; PINERO-PINTO, E.; ARNEDILLO-SANCHEZ, S; RUIZ-FERRON, C; CASADO-MEJIA, R; BENITEZ-LUGO, M. (2019). Female employees’ perception of breastfeeding‐friendly support in a public university in Spain. Public health nursing (Boston, Mass.). (v. 36, n. 3, p. 370–378). https://doi.org/10.1111/phn.12590
⁶MARTINS, F. Assistência às mulheres em fase de aleitamento: conheça os dez passos para o sucesso da amamentação. Brasília: Ministério da Saúde, 18 ago. 2022. Atualizado em: 03 nov. 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/agosto/assistencia-as-mulheres-em-fase-de-aleitamento-conheca-os-dez-passos-para-o-sucesso-da-amamentacao>. Acesso em: 16 nov. 2023.
⁷PROTOCOLO ABM: CONSULTÓRIO AMIGO DA AMAMENTAÇÃO. Aleitamento.com, 2022. Disponível em: <https://aleitamento.com.br/secoes/amamentacao/protocolo-abm-consultorio-amigo-da-amamentacao/5516/>. Acesso em: 16 nov. 2023.
⁸Projeto Amamentar (ProAma) do Departamento de Anatomia da UFPE disponibiliza cartilha gratuita sobre “Amamentação e volta às atividades”. (2023). Recife, PE. Disponível em: <https://www.ufpe.br/inicio/-/asset_publisher/dlhi8nsrz4hK/content/id/4884418>. Acesso em: 2 mai.2024.
⁹REINO UNIDO. UNICEF. Guide to the UNICEF uk baby friendly initiative university standard. Disponível em: <https://www.unicef.org.uk/babyfriendly/baby-friendly-resources/implementing-standards-resources/university-guide-to-the-standards/>. Acesso em: 16 nov. 2023.
¹⁰Schwarz, E. B., & Nothnagle, M. (2015). The maternal health benefits of breastfeeding. American Family Physician, 91(8), 534-539.