Ocitocina, a molécula da moral
No livro ‘A Molécula da Moralidade’, o neuroeconomista americano Paul Zak eleva o papel do hormônio oxitocina a novos patamares — mais do que ajudar mulheres no parto e na amamentação, ele é, em última instância, o responsável pelas relações de confiança na sociedade e na economia.
Ocitocina: o hormônio, diretamente relacionado com a amamentação e o parto, é o responsável pelo vínculo entre mãe e filho (Thinkstock)
Na segunda metade do século XVIII, Adam Smith publicou um livro que se transformaria em um dos pilares intelectuais do capitalismo. Em A Riqueza das Nações, o economista escocês defendia a tese de que o crescimento econômico provinha da busca do interesse próprio. Smith, no entanto, também defendia que “o homem é, por natureza, um ser com compaixão.” Paul Zak, economista e diretor do Centro de Neuroeconomia da Universidade Claremont, na Califórnia, tem outro nome para a compaixão descrita por Smith: oxitocina. Em seu mais recente livro A Molécula da Moralidade (Editora Elsevier, R$ 65,90), que será publicado em julho no Brasil, Zak defende que esse hormônio, ao promover a confiança entre indivíduos, é a ‘cola’ que une famílias e sociedades.
A ocitocina foi descoberta em 1909, quando o farmacologista inglês Henry H. Dale notou que o hormônio levava à contração do útero em gatas grávidas. Dois anos após o achado, a ocitocina já começava a ser usada por médicos para induzir o parto em gestantes.
O hormônio viria a ser vinculado ainda à amamentação — ao estimular a musculatura da glândula mamária, facilitando a expulsão do leite. “Depois, ele passou a ser chamado de hormônio do amor, porque é liberado durante o ato sexual e o beijo”, diz Pedro Saddi, endocrinologista e professor da Universidade Federal Paulista (Unifesp).
Nos últimos anos, no entanto, uma série de pesquisas começou a sugerir que a substância tem um papel crucial de reguladora do comportamento social. Descobriu-se, por exemplo, que a ocitocina estava relacionada às ações de confiança e cooperação entre animais (é a molécula que faz roedores tolerarem outros membros da espécie em tocas apertadas, por exemplo). Em 2003, um estudo realizado pela Universidade de Maryland e publicado no periódico Behavioral Neuroscience demonstrou que o hormônio era responsável pelo comportamento monogâmico entre as ratazanas da pradaria (Microtus ochrogaster).
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A Molécula da Moralidade
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Conhecida por seu papel na amamentação e no parto, a ocitocina é também a cola social que une famílias, comunidades e toda uma sociedade. Em seu mais recente livro, o economista americano detalha os dez anos de pesquisas científicas que o levaram a expandir o papel do hormônio no corpo humano – e na sociedade.
Autor: ZAK, PAUL
Editora: ELSEVIER
A molécula da economia — O economista Paul Zak, no entanto, resolveu ir além de tudo o que já se sabia sobre o hormônio. A tese inicial do americano procedia de uma percepção multidisciplinar. Em 2000, Zak demonstrou que países com taxas mais altas de confiança entre as pessoas eram também aqueles mais prósperos. Zak começou a refletir sobre as relações entre confiança, empatia e generosidade — esses dois últimos, sentimentos já ligados ao comportamento ético. “Pensei, então, em criar um experimento científico para ver se a ocitocina era a responsável por dotar as pessoas de senso moral”, afirma em entrevista ao site de VEJA. Paul Zak dava, então, início à sua caçada pela molécula da moralidade.
Para medir a variação dos níveis de ocitocina no sangue, o economista pediu a um grupo de voluntários para participar do que chamou ‘Jogo da Confiança’. O teste funcionava da seguinte maneira: o jogador 1 recebia 10 dólares e podia enviar tudo, uma parte ou nada para o jogador 2. O valor enviado, no entanto, é triplicado — se o jogador 1 doa 2 dólares, o jogador 2 recebe 6 dólares. O jogador 2 tem, então, a opção de devolver ou não algum dinheiro para o jogador 1. A análise sanguínea dos voluntários demonstrou que quanto maior era o valor transferido entre os jogadores, maior era os aumento nos níveis de ocitocina. “A liberação da ocitocina está diretamente relacionada com comportamentos transparentes. Se você se importa comigo, provavelmente me importarei de volta. E nossos níveis de ocitocina vão aumentar, nos unindo”, diz Zak.
Para confirmar a tese e os resultados do primeiro teste, o economista repetiu as análises nos níveis de ocitocina em experimentos variados — fazendo os voluntários inalarem ocitocina, testando tribos e comunidades isoladas em diferentes locais do globo, exibindo filmes com forte apelo emocional e até mesmo pulando de paraquedas. Em todos, quanto maior era a confiança entre os participantes, maiores eram também os níveis de ocitocina.
“Apenas 5% das pessoas não são capazes de ter essa liberação de ocitocina”, diz Zak. Dentro dessa pequena parcela da população estão aqueles com problemas orgânicos, como autistas e psicopatas, pessoas que sofreram algum tipo de trauma como mulheres que foram abusadas sexualmente na infância) e que sofrem com stress.
Por estar diretamente envolvida com a interação social, a ocitocina afeta também as relações econômicas de um país. De acordo com Zak, isso significa que é a ocitocina quem nos diz em quem confiar e quando ficar desconfiado, quando gastar e quando poupar. “O nível de confiança dentro de uma sociedade determina se essa sociedade prospera ou se mantém na miséria”, escreve. Para o economista, são as sociedades nas quais os indivíduos conseguem reforçar contratos, confiar no profissionalismo alheio e acreditar que o outro não vai roubá-lo que têm mais potencial para o desenvolvimento econômico. E a ocitocina está diretamente envolvida nessa confiança mútua.
Como se conclui, então, que a molécula da confiança é também a molécula da moral? “Com medições dos níveis de ocitocina no sangue, conseguimos prever se o sentimento de empatia, que nos conecta a outras pessoas, e nos faz ajudá-las, vai se manifestar num indivíduo em relação àqueles que estão à sua volta. É a empatia que nos faz morais”, afirma Zak.
Arte Veja
Guerra de hormônios– O ciclo virtuoso da ocitocina, no qual confiança causa a liberação do hormônio, o qual, por consequência, gera confiança, não é uma roda que gira em direção ao infinito. Do contrário, defende Zak, estaríamos todos à mercê de pessoas que querem nada mais do que tirar proveito desse excesso de confiança. “Não é seguro deixar a ocitocina ativa no cérebro”, alerta. Por isso, a liberação do hormônio acontece cerca de um segundo após o estímulo e desaparece depois de 20 a 30 minutos.
O principal antagonista da ocitocina é o hormônio testosterona, responsável por evitar que ela se ligue aos seus receptores — reduzindo, assim, seus efeitos. Isso significa que quanto maiores os índices de testosterona, menor será a empatia e, por consequência, menor a generosidade. “A princípio parece algo ruim, mas a testosterona era a responsável por deixar os homens menos melindrosos ao matar animais para alimentar a família”, escreve Zak. A diferença evolutiva, no entanto, permanece até os dias atuais: as mulheres liberam mais o hormônio e são mais suscetíveis aos efeitos da ocitocina. No experimento de Zak, enquanto o valor devolvido ao jogador 1 por homens era 25% do total, entre as mulheres esse número subia para 42%.
Abraço terapêutico — Drogas com ocitocina concentrada já estão disponíveis no mercado, mas seu uso é específico para casos de indução do parto e no pós-parto. Um estudo conduzido pela Universidade de Yale e apresentado recentemente durante o Encontro Internacional de Pesquisa em Autismo, nos Estados Unidos, descobriu que a ocitocina aumenta a função cerebral que processa informação social em crianças autistas.
Para Zak, no entanto, a chave da questão não está na reposição hormonal da ocitocina, mas em melhorar a sensibilidade dos receptores espalhados pelo corpo. “Os receptores dos psicopatas, por exemplo, aparentam ser disfuncionais. Então, mesmo que se faça a reposição hormonal, eles não vão sentir os efeitos disso”, diz.
De acordo com o especialista, os avanços da medicina ainda não foram suficientes para fazer essa reposição de receptores com eficiência. Testes em novas drogas vêm sendo realizados, principalmente para o tratamento de esquizofrênicos, autistas e pacientes com depressão. Os resultados, no entanto, ainda são muito modestos – e longe de se tornarem uma realidade médica. “Minha preferência serão sempre os abraços, não as drogas”, diz Zak.
“Eu abraço todo mundo”
Paul Zak
Economista e diretor do Centro de Neuroeconomia da Universidade Claremont, na Califórnia, e autor do livro A Molécula da Moralidade
O que é a molécula da moralidade? É uma substância química presente no cérebro chamada ocitocina. Há 10 anos sabíamos que ela estava relacionada apenas à amamentação, mas hoje já sabemos que ela é liberada tanto pelo homem quanto pela mulher. A ocitocina nos motiva a ajudar outras pessoas, a sermos dignos de confiança e compassivos.
Há alguma distinção biológica entre os diferentes tipos de amor? Em todos há liberação de ocitocina. No amor romântico, por exemplo, a gente se sente conectado a outra pessoa por causa da ocitocina, mas há outros neuroquímicos envolvidos, como a dopamina.
O que influencia a liberação de oxitocina? Genética e ambiente. Pessoas abusadas ou negligenciadas, por exemplo, não têm liberação alguma de ocitocina. Agora se você tem uma infância saudável, tem atenção suficiente dos seus pais e não tem problemas genéticos, você provavelmente estará dentro dos 95% de pessoas que conseguem liberar esse hormônio normalmente.
A reposição de ocitocina pode curar um psicopata? Não. Os receptores dos psicopatas aparentam ser disfuncionais. Então, mesmo que se faça a reposição hormonal, eles não vão sentir os efeitos disso. No momento, infelizmente, ainda não conseguimos substituir receptores, embora algumas drogas já estejam sendo desenvolvidas nesse sentido.
É difícil fazer com que meu cérebro libere ocitocina? Em vez de um aperto de mão, eu abraço todo mundo. Abraçar libera ocitocina, assim as pessoas se sentirão mais próximas a mim. Um dos inibidores da liberação de ocitocina é o medo. Então, se não sei o que você vai fazer, com o que você se importa, há menos chances de que eu libere ocitocina. Transparência é muito importante. Seja aberto, honesto e não minta.