The pediatrician and exclusive breastfeeding
J Pediatr (Rio J). 2003;79(6):479-80
A tendência de aumento da duração do aleitamento materno no Brasil tem sido vista em diversos estudos, e razões para esse aumento já foram apontadas (1). Os dados mais recentes, de 1999, estão no estudo realizado nas capitais pelo Ministério da Saúde, que confirmou essa tendência e diagnosticou também o que vem acontecendo com a amamentação exclusiva (2).
O indicador sugerido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – proporção de crianças de zero a quatro meses em aleitamento materno exclusivo (definido como só leite materno, sem nem mesmo água ou chá, permitindo-se apenas gotas de vitaminas ou medicamentos) -mostra-se de coleta nem sempre comparável. Na estatística do Demographic and Health Survey (DHS) de 1986, encontrou-se uma prevalência de 3,6%, enquanto na de 1996, de 40%; nesta última, existem criticas à forma de coleta, pois não se permitiu, no questionário, que as mães que afirmavam dar apenas leite materno fossem também questionadas quanto à oferta de água ou chá. Conseqüentemente, esse dado deve estar superestimado (3).
Mesmo que esse valor não possa ser comparado exatamente àquele coletado em 1986, parece evidente que se pode afirmar que de 1986 (menos de 4%) para 1996 (entre 30% e 40%) houve um aumento da amamentação exclusiva.
Em que pese esse aumento, estamos longe de alcançar o recomendado: que todas as crianças recebam amamentação exclusiva até os seis meses de vida. A OMS e a política nacional coincidem hoje na recomendação de amamentação exclusiva por seis meses e na continuidade da amamentação, com a entrada de alimentos complementares, a partir dessa idade até pelo menos dois anos. A proporção de crianças em amamentação exclusiva aos 180 dias nas capitais, em 1999, foi de apenas 9,7% (1), longe, portanto, da recomendação de 100%. Onde estariam as maiores razões para esse gap?
Essa é uma das questões sobre as quais Santiago et al. nos fazem refletir com seu artigo neste número do Jornal de Pediatria (4).
A importância do aleitamento materno exclusivo nos primeiros meses de vida foi documentada como evidência científica apenas em meados da década de 1980. Os primeiros artigos publicados a respeito foram a revisão de Feachem & Koblinski (5) e o estudo feito em Pelotas por Victora et al. (6), ambos preocupados com mortes infantis por doenças infecciosas, diarréia em particular, e sua relação com a alimentação infantil. Difícil determinar quanto tempo levou para que as escolas pediátricas tomassem conhecimento desses artigos e, mais que isso, se propusessem a mudar sua orientação alimentar: à época, elas recomendavam a introdução de água pura ou chá nos intervalos de mamada desde 12 a 18 horas de vida (7), não havendo, portanto, período exclusivo de leite materno.
Nosso país lança, em 1981, o Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM), com duas grandes campanhas na mídia, nas quais as mensagens não mencionavam “aleitamento materno exclusivo” (1). Depois dessas campanhas, não se repetiu nada de alcance parecido, mesmo com a mudança de recomendação. Assim, não há estudos que documentem como as mães tomaram conhecimento de que a prática recomendada nos primeiros seis meses é a de dar apenas leite materno.
Sabemos que a escola médica, e as escolas pediátricas em particular, em nosso país, por muitos anos estiveram dedicando-se ao ensino da puericultura, destacando a alimentação artificial como componente fundamental do esquema alimentar do primeiro ano de vida (7). O papel das indústrias que fabricam fórmulas infantis e de sua propaganda nas escolas médicas já foi também documentado (8,9). Em que pese a existência de textos ou resoluções que controlem tais propagandas, como o Código Internacional (de 1981) e a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes (de 1988), a publicidade indevida de produtos que substituem a amamentação (alimentos infantis, mamadeiras e bicos) é de difícil coibição entre os profissionais.
Em 1993, foi realizado pela Organização Pan-Americana da Saúde um estudo sobre aleitamento materno nos currículos das escolas de saúde. Foram amostradas 20% das escolas médicas do Brasil, e 10% dos alunos foram entrevistados. Os resultados mostraram que o número de horas dedicado ao tema é mínimo e insuficiente, e as entrevistas com alunos ao final do curso mostraram que, se esses têm conhecimento de como resolver casos de complicações na lactação, isso não decorre do que foi aprendido no currículo, mas sim da prática em atividades clínicas extracurriculares (10).
O trabalho de Santiago et al., publicado nesta revista, demonstra que conselhos dados a mães por pediatras treinados contribuem para a prática de amamentar exclusivamente. Demonstra também que grupos multidisciplinares treinados em aleitamento materno são ainda mais eficientes em conseguir melhores índices de aleitamento materno exclusivo. Tais achados mostram um caminho: deve haver formação e informação atualizada ao pediatra.
Em uma revisão sobre o aleitamento na prática clínica, foi analisada a necessidade de atualização de conhecimentos e habilidades entre os profissionais (11). Sabendo-se que sua formação na graduação pode ser considerada insuficiente no tema, foram elaborados cursos e materiais de treinamento para graduados. Os cursos organizados pela OMS e pelo Unicef (de 18 horas, de 12 horas para gestores, de aconselhamento, etc.) passaram a ser amplamente utilizados. Foram certamente treinamentos como esses que estiveram auxiliando a melhoria de conhecimentos e habilidades sobre a prática de amamentar dos pediatras documentados pelo referido estudo. Esses cursos precisam ser incorporados aos currículos das escolas médicas e demais escolas de saúde para que todos se formem já capacitados com os novos conhecimentos sobre o tema.
Marina F. Rea – Médica Sanitarista, membro da Rede IBFAN e da SBP. Professora colaboradora da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Pesquisadora Científica VI do Instituto de Saúde, Coordenação dos Institutos de Pesquisa, Secretaria de Estado da Saúde, São Paulo.