O “LEITE POSTERIOR” não é o leite que vem depois!
O leite materno dito posterior existe e ele não é o “segundo” leite, porque ele pode surgir primeiro!
Prof. Marcus Renato de Carvalho, IBCLC.
“O maior inimigo do conhecimento não é a ignorância; é a ilusão do conhecimento”
Stephen Hawking
O leite posterior não vem necessariamente depois do leite anterior, isto é, pode vir antes porque não depende de “esvaziamento” ou da sucção da mama. O que libera o leite posterior é o estado emocional ou a psique da nutriz. Ao contrário do leite anterior que depende da sucção que estimula a liberação de prolactina. Não é sequencial, portanto a chegada do leite posterior. Em inglês, temos o “foremilk” traduzido como o leite da frente ou o anterior, e o “hindmilk”, o leite de trás ou posterior. E essa tradução não ajuda a compreender bem esse fenômeno.
Ficar “controlando” se o leite posterior irá aparecer, normatizando, isto é, colocando regras que a lactante deva seguir acaba sendo prejudicial a psico-fisiologia da lactação. Então, essas orientações de que a mulher:
– “Tem que esvaziar o peito para então dar o outro”,
– “Amamente um lado por vez para que o bebê chegue ao leite posterior” ou
– “O leite posterior fica atrás do anterior – primeiro tem que sair um para depois aparecer o outro” não procedem.
É difícil explicar um ato psicossomático complexo como a amamentação. Até o Ministério da Saúde dá orientações que confundem. Essa explicação que o leite anterior (que nem sempre é o primeiro) é mais para hidratação, e o leite materno posterior (que não necessariamente vem depois) possui mais gordura (o que é certo) sustenta mais o bebê e faz ele engordar – pode gerar dúvidas. Vamos explicar que não é correto classificar o leite anterior como do início da mamada e o posterior do final da mamada.
Didaticamente, os profissionais de saúde começam explicando a função da sucção como desencadeadora da liberação de prolactina que age nas células alveolares produzindo a secreção láctea.
Sucção da mama => hipófise anterior => prolactina => células produtoras de leite
E depois, descrevem o processo de descida do leite ou ejeção láctea:
Emoção (pensar, olhar, tocar no bebê) => hipófise posterior => ocitocina => células mioepiteliais => leite “posterior”
Reparem que para a liberação láctea ou descida do leite não é necessário muitas vezes o estímulo da sucção. Se a nutriz está bem, confiante, apoiada… sua psique libera ocitocina.
É lógico que o contato com o seu bebê no seu peito, o olhar, a sucção são também fortes estímulos para a liberação do leite.
Conclusão, o leite posterior não tem um tempo para aparecer e depende muito mais de estímulos psíquicos (emoções) do que mecânicos (sucção e contato físico).
Precisamos entender que não é como uma rua engarrafada que é preciso tirar os carros da frente para os de trás saírem. Com a compressão causada pela ocitocina, a ejeção láctea faz o leite espirrar, liberando o leite chamado didaticamente de posterior.
Em resumo, a lactante pode amamentar durante 1h e se tiver tensa, insegura, estressada o leite posterior não irá descer. E em outra situação oposta, não estiver amamentando e o leite ser ejetada porque pensou no seu bebê.
Veja esse lindo depoimento de uma nutriz citado por Luis Fernando Veríssimo sobre o “let down reflex”:
Um dos melhores textos que li ultimamente foi a da escritora irlandesa Anne Enright no “London Review of Books” – sobre o seu próprio leite. Ela está amamentando, supondo que pela primeira vez, e escreve sobre a filha, que chama de “a minha Drácula branca”, sobre a experiência de alimenta-la no peito, e sobre a surpreendente abundância do leite. Ele corre nos momentos mais inesperados.
“O reflexo existe para funcionar à visão, ao som ou ao pensamento do seu bebê, o que já é horripilante” – escreve Enright – “mas o cérebro não parece saber exatamente o que é um bebê, e manda você alimentar qualquer coisa indefesa, ou maravilhosa, ou pequena. Portanto, tenho lactado para tripulantes de submarinos russos e turistas alemães mortos no Concorde. A solidão e a tecnologia me afetam sempre, e fazem correr meu leite. O desejo também me atinge, não no coração, mas isto eu esperava. O que não esperava era que haveria coisas que não me comovem mas movem o meu leite. Ou que, às vezes, eu só sabia que me comovi quando sinto a dor do leite aflorando. Então me surpreendo tentando descobrir o que, à minha volta, é triste ou adorável – foi uma combinação de palavras, ou a expressão num rosto? – O que me atraiu tanto minha atenção inconsciente, ou minha pituitária, ou minhas células alveolares.” O nome dela é Anne Eright. Publicado no portal aleitamento.com em 12/5/2011.
A liberação da ocitocina que também leva ao orgasmo feminino e a ejaculação masculina depende mais de estímulos sensoriais, emocionais do que contato físico ou mecânico.
Recordando o ato psicossomático da lactação:
1º. A mama materna não “esvazia” nunca, porque não é um depósito e sim uma fábrica que funciona sob demanda. A maior parte do leite é produzida no momento da mamada.
2º. As novas imagens da mama reveladas por ultrassonografia demonstram que não há “depósitos” como supúnhamos. As ampolas lactíferas são espaços virtuais e não “reservatórios”.
3º. Recomendamos dar os 2 peitos em cada mamada. Ao dar de mamar de um lado, o outro peito também é estimulado e fica cheio. Se a nutriz não diminuir essa “congestão” com uma pequena ordenha de alívio ou colocando o bebê para mamar, começa a atuar o FIL – Fator de Inibição da Lactação (peptídeo presente no leite humano) impedindo a atuação da prolactina – hormônio que estimula a produção de leite.
3º. O leite posterior é mais gorduroso, porque é fruto da atuação da ocitocina que “arrebenta” as células produtoras de leite e não depende tanto da sucção do lactente como a prolactina. A liberação da ocitocina depende mais da vontade/desejo/emoções maternas. Às vezes, pensar no bebê, ouvi-lo chorar, se lembrar do seu rostinho por exemplo, podem fazer o leite descer. Em conclusão, o leite posterior pode vir antes do “anterior”. A nutriz pode liberar o leite posterior no trabalho, a quilômetros de distância do seu filho(a), ao pensar no seu bebê.
Por que o leite é mais calórico?
As glândulas mamárias são compostas por células secretoras que perdem uma certa parte de citoplasma ao eliminarem sua secreção, por isso são chamadas de glândulas apócrinas. E no interior dessas células há “glóbulos” de gorduras que saem das células quando essas são espremidas (por atuação da ocitocina) por minúsculas células musculares que as circundam.
Concluímos que não existe só 2 tipos de leite materno – o que chamamos de anterior e o de posterior por efeitos didáticos. Durante uma mamada esses leites se misturam.
Nos Bancos de Leite Humano para ajudar os bebês prematuros que as vezes precisam ganhar mais peso, utilizam a técnica do CREMATÓCRITO, (a mesma do hematócrito) para eleger um leite mais calórico ou gorduroso.
Recados finais:
– Aos profissionais de saúde
Tomem mais cuidado com as orientações que damos às nutrizes para que ao invés de apoiá-las acabamos gerando mais ansiedade que impede a descida do leite.
– Às nutrizes
Relaxem e não se preocupem com o bebê “esvaziar” uma mama para chegar ao famigerado leite mais gorduroso. Observem se o bebê abocanha toda a aréola e está bem juntinho do seu corpo para que ele possa mamar com eficiência sem causar dor.
Se seu bebê estiver trocando 6-7 fraldas com xixi em 24h significa que está com uma ingestão de leite suficiente.
Saiba mais em
“Amamentação – bases científicas”, Editora GEN, 4ª. edição, no prelo, RJ.