Livre Demanda (1):
Por quê? Como?
Gabrielle Gimenez*
Livre demanda é talvez a expressão que mais ouvimos associada ao termo amamentação. Mas será que realmente entendemos o que ela significa?
O ato de amamentar na espécie humana sofre uma forte influência da cultura, que no nosso caso, não é favorável à amamentação. Você provavelmente ouviu por aí que deveria amamentar apenas de 3 em 3 horas e não deixar o bebê passar mais de 15 ou 20 minutos em cada peito.
Em meio ao desconhecimento sobre a prática ideal da amamentação e a tantas recomendações contraditórias recebidas, alguns conceitos básicos para o seu funcionamento terminam sendo distorcidos. Isso pode prejudicar o estabelecimento e a manutenção da amamentação.
É o que acontece com a livre demanda e esta é a razão para escrever esta série de textos: derrubar alguns mitos e esclarecer dúvidas recorrentes sobre o tema.
Por que a livre demanda é importante?
Na fisiologia da lactação, não apenas a ação hormonal é necessária para o ótimo funcionamento da mama, mas também a sucção e drenagem (“esvaziamento”) frequentes. Portanto, a produção de leite da mãe se dará em resposta à quantidade de vezes que o bebê vem ao peito, à duração das mamadas e a eficácia com que esse bebê mama. Quanto à composição do leite humano e seus efeitos na velocidade do esvaziamento gástrico, a frequência adequada de alimentação é praticamente contínua.
Do ponto de vista da mãe, a livre demanda é a chave para que o volume de produção materna esteja perfeitamente ajustado para atender as necessidades nutricionais do seu bebê. Isso acontece por dois motivos:
– Primeiro, a alta frequência inicial de mamadas mantém os níveis de prolactina elevados, o que já se demonstrou estar associado a uma maior duração da amamentação;
– Segundo, ainda quando os níveis de prolactina deixam de ser decisivos para o volume da produção, o estímulo frequente e drenagem da mama evitam a ação do Fator Inibidor da Lactação – FIL, que atua diminuindo a produção quando os peitos ficam cheios pelo longo intervalo entre mamadas.
Do ponto de vista do bebê, a livre demanda é parte fundamental do tratamento respeitoso às suas necessidades, tanto físicas como emocionais, fora do útero. Lembre-se que os bebês não mamam apenas por fome ou para encher a barriga. Peito também é afeto, segurança e alimento para a alma.
Costumamos dizer que para que a livre demanda dê certo não devemos olhar para o relógio. Mas então, que outros parâmetros temos para saber se estamos amamentando com a frequência correta?
Como saber se estou praticando a livre demanda corretamente?
A recomendação geral é de que um bebê recém-nascido deve fazer no mínimo entre 8 a 12 mamadas em 24 horas (isso inclui o dia e a noite!). Mas para ter certeza de que o lactente está recebendo uma quantidade suficiente de leite, precisamos garantir que cada uma dessas mamadas seja efetiva.
É primordial ler os sinais que o bebê nos envia. Um lactente desperto, que se mexe e realiza movimentos de busca, abre ou leva as mãos à boca, está mostrando que está pronto para vir ao peito. Quanto mais tranquilo esse bebê chegar ao peito, mais fácil será para a mãe acomodá-lo com uma boa pega e mais amena será a mamada para ambos. O que favorece por sua vez uma boa extração de leite com alto teor de gordura por ação da ocitocina, que flui livremente, sem obstáculos como a dor ou o estresse.
Enquanto o bebê está no peito devemos observar se realiza uma sucção nutritiva, lenta, profunda, com bochechas cheinhas e arredondadas, e se é possível perceber pausas para a deglutição. O tempo que cada bebê precisa passar no peito é muito variado, e por isso cronometrar ou restringir de forma arbitrária não é conveniente.
Alguns indicadores concretos de boa ingestão são:
· As fraldas diárias de xixi (pelo menos seis) e cocô, além do seu aspecto: xixi clarinho e sem cheiro forte, cocô líquido-pastoso e frequente.
· O ganho de peso, e nesse caso não nos referimos a um valor fixo mensal, mas a que o bebê recupere o peso de nascimento e continue aumentando, desenhando uma curva de crescimento com projeção ascendente no seu próprio ritmo.
· O bebê está alerta e saudável, com bom tônus muscular e pele bem hidratada e elástica, toma a iniciativa de soltar o peito depois de mamar e se mostra relaxado.
Não é demais recordar que o uso de bicos artificiais, como a mamadeira e a chupeta, impedem a prática da livre demanda e podem influenciar negativamente na produção materna e no ganho de peso do bebê, sem falar no risco de desmame precoce por confusão de bicos.
Não perca os próximos capítulos:
– Livre Demanda (2): Há riscos?
– Livre Demanda (3): Até quando?
*@gabicbs é Puericultora, mãe de três, editora especial do portal aleitamento.com e autora do livro “Leite Fraco? – Guia prático para uma amamentação sem mitos“.