Enfermeira britânica propõe um método simples e conciso para cuidar de recém-nascidos e resolver dificuldades comuns do dia-a-dia das famílias
HÁ CONTROVÉRSIAS !
Prof. Marcus Renato de Carvalho
Encantadora de bebês
Com três livros publicados em inglês e um em português, uma série de televisão produzida e veiculada pelo canal Discovery Health e um site (babywhisperer.com) que promove debates entre mães do mundo inteiro, a metodologia da enfermeira britânica Tracy Hogg, mais conhecida como “a encantadora de bebês”, espalha-se pelo Brasil, conquistando um espaço no qual sempre imperou o pediatra brasileiro Rinaldo De Lamare.
O empresário brasiliense Rodrigoh Henriques, 32, e a administradora de empresas carioca Renata Salvini, 25, são exemplos de pais que, assim como os bebês, acabaram sendo encantados por Tracy depois de colocar os métodos da enfermeira em prática.
“Desde que soubemos da gravidez, passamos a ver o programa da “encantadora” juntos todos os dias e a acompanhar os fóruns do site. Agora, que comprovamos com o Raphael que as idéias dela dão certo mesmo, estamos relendo o livro”, diz Renata, que comemora o fato de que, diferentemente de outras mães que conhece, tem um bebê de apenas um mês de idade que lhe permite dormir seis horas ininterruptas de sono todas as noites.
O que levou o casal a optar definitivamente pelos ensinamentos da “encantadora” e a aplicá-los a partir do parto, conta Henriques, foi o fato de Tracy ter “uma metodologia simples, que se baseia em impor rotinas fundamentais ao bebê que acabam interferindo positivamente na vida, no dia-a-dia”.
O método da “encantadora de bebês” é conhecido pela sigla E.a.s.y, que se resume em uma rotina de comer, brincar, dormir e dar um tempo aos pais (em inglês, eating, activity, sleeping, yourself). Segundo a enfermeira, ao seguir essa estrutura lógica, a criança não tem de lidar com a imprevisibilidade, que tanto a assusta, e acaba aprendendo que, mal ou bem, existe hora para tudo nesse mundo.
“Foi curioso ver que o bebê realmente dá sinais claros de que quer dormir. Depois de bocejar uma vez, ele fica com o olhar fixo, como se estivesse pedindo cama. Basta observar. Se os pais aproveitarem os minutos seguintes para deixá-lo no berço, como diz a Tracy, verão que ele dormirá em seguida e como um anjinho”, afirma Henriques.
A psicóloga Luciana Aguiar, 38, é uma mãe e uma profissional especializada em crianças que também se encantou por Tracy Hogg. Após quase três anos do nascimento de seu filho, João Gabriel, ela conta que acha o sistema “fantástico, principalmente se aplicado desde o nascimento do bebê”. Para ela, o E.a.s.y é interessante porque evidencia a necessidade de respeitar a criança. “Tracy aconselha as mães a sempre narrarem para o bebê o que estão fazendo e o que vão fazer para que ele não se veja, de supetão, dentro de uma banheira cheia dágua, por exemplo, e acabe chorando por isso”, conta Luciana.
Como profissional que acompanha pais e bebês, Luciana acha que talvez Rinaldo De Lamare esteja perdendo espaço para Tracy porque seus “enfoques não condizem totalmente com a realidade das crianças e famílias contemporâneas”.
O pediatra e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marcus Renato de Carvalho, 47, no entanto, não está entre os fãs de Tracy Hogg. Para ele, “as mães e os pais não precisam de encantadora, não precisam ser hipnotizados por ninguém, muito menos por regras genéricas e rígidas procedentes de uma cultura tão diferente como a britânica. A Tracy tem uma linha que torna os pais dependentes de sua normativa, o que não é legal, pois cada bebê é único no mundo”, lembra o médico, que considera De Lamare a verdadeira fonte de informação. “Diferentemente da “encantadora”, De Lamare tenta colocar num livro todas as possibilidades e todas as instruções sobre bebês e faz isso com o suporte de profissionais extremamente capacitados, o que lhe dá muita confiabilidade.”
O método se resume em uma rotina de comer, brincar, dormir e dar um tempo aos pais; o bebê aprende que existe hora para tudo nesse mundo
A psicopedagoga do Centro Educacional da Lagoa, no Rio de Janeiro, Andreia Salomão, 25, tem uma posição intermediária. “Não sou totalmente a favor da Tracy, mas reconheço que sua teoria reflete a posição de muitos autores que defendem que as crianças precisam de uma rotina estruturada. Nas últimas décadas, o proibido era proibir. Hoje, já se sabe que as coisas não são bem assim e que as regras e o uso adequado do “não” são importantes na formação de um indivíduo.” O problema, alerta a psicopedagoga, são as pessoas que caem nos extremos e tomam tudo ao pé da letra.
Andreia acredita que o sucesso de Tracy Hogg é decorrente da nuclearização da família. “Anos atrás, as mães aprendiam a cuidar de seus bebês com suas mães, avós e tias. Hoje, isso já não acontece. As famílias estão cada vez mais distantes, são menores e há menos trocas. É justamente nessa brecha que metodologias como a da “encantadora de bebês” ganham espaço e suprem os pais com informações indispensáveis ao seu dia-a-dia”, sugere a psicopedagoga .
Outro possível motivo do sucesso de Tracy: seu método está espalhado por apenas 318 páginas, enquanto o de De Lamare ocupa mais de 770 de seu “A Vida do Bebê”. Além disso, ela também conta com o apoio indiscutível da televisão e da internet.
Tracy Hogg se formou como enfermeira pela Doncaster School of Nursing (Inglaterra) e viveu nos EUA entre 1992 e 2004, quando morreu vítima de um incontrolável melanoma. Apesar disso, continua gerando polêmica na área médica e encantando pais e filhos.