Por quanto tempo um neandertal mamava?
12 de outubro de 2013 |Fernando Reinach – O Estado S. Paulo
Com que idade nossos ancestrais eram desmamados? Até agora era impossível saber. Eles não deixaram documentos escritos e se você perguntar para um pedaço de osso fóssil quando ele foi desmamado, dificilmente ele responderá. Mas agora isso mudou. Os cientistas descobriram que um dente, se for interrogado com jeito, pode realmente informar com que idades seu dono foi desmamado.
O leite materno é nosso primeiro alimento quando saímos do útero. É uma dádiva da evolução a mãe poder suprir por alguns meses toda a alimentação do filho. Isso aumenta as chances de sobrevivência dos filhotes, que são dispensados da árdua tarefa de procurar seu próprio alimento logo que nascem (como no caso dos répteis), e alivia os pais do trabalho de coletar alimento e transportá-lo até o filhote (como no caso de aves).
Mas amamentar também prolonga o tempo que a mãe dedica ao filhote, o que diminui o número potencial de filhos que ela pode produzir durante seu período fértil (nos animais e sociedades primitivas), ou o tempo que ela leva para voltar ao mercado de trabalho (nas sociedades modernas).
A duração da amamentação exclusiva e como deve ser conduzido o desmame é um dos assuntos preferidos dos jovens casais, dos estúdios os da saúde infantil e das leis trabalhistas. Saber como se comportavam as mães pré-históricas e as espécies de hominídeos que nos antecederam no planeta, se não nos ajudar a decidir o que é preferível, pelo menos enriquece o debate entre as mães de recém-nascidos.
Pois bem, os cientistas já descobriram um método capaz de determinar quando um dente foi desmamado (ou melhor, quando o dono daquele dente foi desmamado). Os dentes se formam no interior da gengiva ainda durante a gestação e seu processo de crescimento é semelhante ao de uma árvore. Cada dia uma nova camada é adicionada sobre a anterior. Se cortarmos uma árvore, poderemos observar as camadas concêntricas de madeira formadas a cada ano. Contando essas camadas podemos calcular a idade da árvore.
Nos dentes ocorre a mesma coisa, a cada dia é adicionada uma nova camada e, se cortarmos um dente, é possível observar essas micro camadas depositadas a cada dia. Essas camadas de osso são extremamente duras pois contêm, entre outras coisas, sais de cálcio e bário. É por isso que os dentes estão entre os ossos mais bem preservados em esqueletos antigos.
O interessante é que existe numa outra peculiaridade entre os mamíferos. A placenta, apesar de deixar chegar ao feto uma grande quantidade de cálcio, restringe a quantidade de bário. Por esse motivo, os ossos formados durante a gestação têm mais cálcio e menos bário. O leite produzido pelas glândulas mamárias tem mais bário e menos cálcio. E a alimentação sólida tem uma quantidade de bário menor que a presente no leite. Assim, a quantidade de bário que um mamífero recebe é baixa durante a gestação, aumenta ao nascer, e diminui quando é desmamado.
O que os cientistas fizeram foi associar esses dois conhecimentos. Eles cortaram os dentes, identificaram as camadas produzidas a cada dia, e mediram a quantidade de bário e cálcio em cada uma dessas camadas – desde as produzidas antes do nascimento até as produzidas muitos anos depois. Em todos os dentes examinados houve dois momentos em que a quantidade de bário dava um pulo para cima e para baixo.
Eles imaginaram que elas correspondiam ao dia do nascimento, quando a alimentação deixa de vir da placenta e passa a vir do leite (bário sobe),e ao período em que amamentação era interrompida gradualmente e a alimentação sólida era introduzida (bário desce).
Para testar essa hipótese, os cientistas examinaram dentes de seres humanos e macacos que haviam sido acompanhados durante a vida e portanto se sabia exatamente quando eles haviam nascido e quando haviam sido desmamados. O resultado deste experimento demonstrou que o aumento e a diminuição no nível da bário nas camadas do dente ocorriam exatamente quando mudava a alimentação. Pronto, haviam descoberto um método de extrair de um simples dente a informação de quando ele havia nascido e quando havia sido desmamado.
Aí começa a parte interessante. Esses mesmos cientistas resolveram examinar dentes de múmias, esqueletos de seres pré-históricos e dos nossos ancestrais. O mais interessante é o caso do dente de um jovem neandertal que viveu e morreu no meio da época Paleolítica (aproximadamente160.000 anos atrás, na Idade da Pedra). Quando o primeiro molar extraído deste crânio foi analisado, os cientistas puderam determinar que o rapaz mamou por exatos 227 dias depois de nascer (~7,5 meses).
Entre o dia 227 e o 435 (quando tinha 1,2 anos) ele foi aos poucos desmamado. Deixou de tomar leite e passou a comer alimentos sólidos. Em outras palavras, entre os neandertais que viveram na Idade da Pedra as crianças eram amamentadas de forma exclusiva por 7,5 meses e ainda mamavam esporadicamente por mais 6 ou 7 meses. Claro que o dado é de um único indivíduo e será necessário examinar muitos dentes, de diversos esqueletos, para poder ter certeza de como era o hábito de amamentação de toda a população.
A descoberta talvez ajude a valorizar o aleitamento materno por um período longo. Infelizmente, apesar das campanhas, esse hábito vem sendo abandonado. A pressão para que as mães voltem ao trabalho, uma novidade dos últimos 150 anos, está ameaçando um comportamento que existe faz pelo menos 150.000 anos. É sábio mudar?
Saiba mais com o aleitamento.com:
Homem-de-neandertal
é uma espécie extinta, fóssil, do gênero Homo que habitou a Europa e partes do oeste da Ásia, de cerca de 300 000 anos atrás até aproximadamente 29 000 anos atrás, tendo coexistido com os Homo sapiens.
Classificação: Espécie
Classificação superior: Homo
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