Denise: estratégias para a mãe
O desafio de amamentar
A entrega do seio ao filho é uma conquista da mulher que é mãe, tal a complexidade do ato para o psiquismo feminino
Wellington Cerqueira
Os benefícios do leite materno e do ato de amamentar, para o bebê, são constantemente discutidos pelos meios de comunicação. É quase redundante relembrar seu inquestionável valor nutricional para o bebê, mas pouco se fala sobre a mulher diante da função de amamentar. A Semana Mundial da Amamentação, comemorada no País dias atrás sob coordenação do Ministério da Saúde, reitera a dimensão do tema. Mas os dados mostram que no Brasil 53,1% das mulheres iniciam amamentação exclusiva e só 9,7% seguem até o 6º mês, tempo mínimo recomendado. As mães que conquistam a amamentação bem-sucedida descrevem-na como um ícone do vínculo estabelecido na primeira fase de vida de seus filhos. Mas o ato de amamentar – associado a uma atividade natural, atribuída ao instinto materno e comparada ao comportamento animal – nada tem de simples. É um grande desafio da mulher que dá a luz, numa conquista das mais sofisticadas para o psiquismo feminino.
Esta constatação não deve assustar mulheres que pretendem amamentar e pode ser um alívio para as que atribuem os entraves próprios da amamentação à falta de habilidade e competência pessoal. O sentimento de incapacidade é uma das causas do desmame precoce. Inicialmente mãe e bebê devem criar uma relação de conhecimento mútuo e ele pode ser representado na amamentação. A sensação de desconforto e ameaça que a fome desperta no bebê pode levá-lo ao desespero. Para a mãe, que se identifica com as emoções do filho, são momentos igualmente dolorosos. Quando ela se distancia do desespero ao lembrar que o “monstro-fome” não irá devorá-lo, pode acalmar o bebê para que ele encontre o seio alimentador e acalentador. Amamentar demanda dedicação, empenho e gera cansaço. São necessárias estratégias de auxílio nesta fase. O bebê mama em curtos espaços de tempo e não é possível delegar a função, pois o vínculo é tão importante quanto o leite. Nos intervalos, o sono é vital e a mãe também precisa de atividades diversificadas, mesmo que uma ida ao supermercado, para espairecer. Ao ficar todo o tempo em casa na rotina com o bebê, a amamentação torna-se enfadonha.
Sem as “fugidinhas”, o relato de muitas mulheres é de sentirem-se sufocadas, fusionadas ao bebê e sem identidade própria. São sensações que podem adquirir um valor emocional tão grande que reflete na amamentação, por interferir nos hormônios responsáveis pela produção do leite. Sendo o seio um dos atributos sexuais femininos, impõe conflitos e incômodo para a mulher, que todos parecem ignorar, como uma amnésia coletiva. Exibi-los em público como meras mamadeiras é uma falsa tentativa de negação. Sensações provocadas pelo sugar do bebê – descritas por mães de várias camadas sociais como prazerosas – podem assustar a mulher e despertar sentimentos de inadequação e transgressão, cuja culpa pode levá-la a subterfúgios para se esquivar de amamentar. Atenta a esses meandros, a mulher pode criar mecanismos próprios para contorná-los e obter da amamentação uma memorável experiência de encontro com seu bebê. Para tanto é fundamental que tenha o suporte e compreensão de todos.
Denise S. F. Monteiro
é psicanalista, mestre e doutoranda em pesquisa sobre amamentação pelo Instituto de Psicologia da USP. Com especialização em Psicopatologia do Bebê pela USP/ParisXII, é autora da tese “A Amamentação e seus Enredamentos Psíquicos”, a ser lançado em livro pela editora Casa do Psicólogo
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