Este belo artigo do nosso querido amigo obstetra gaúcho Ricardo Jones publicado no Jornal Bem Estar demonstra que é preciso haver um “encontro” entre os movimentos de promoção e apoio à amamentação com os ativistas da ReHuNa – Rede de Humanização do Nascimento do qual o Ricardo é um dos líderes.
Só poderemos ter aleitamento na sala de parto, como estamos incentivando nesta Semana Mundial:
Amamentar na primeira hora:
Proteção sem demora
em locais onde se respeita a parturiente, seu companheiro e o bebê… e a mulher seja protagonista…
Prof. Marcus Renato
Humanização do Nascimento
Cresce em todo o planeta um movimento de revalorização do nascimento, resgatando valores fundamentais, capazes de provocar profundas mudanças na direção de um mundo menos violento, mais amoroso, digno, respeitável e justo.
Ricardo Jones
A entrada da tecnologia nas nossas vidas, a partir do século XVII, acabou atingindo até os nossos ciclos e processos biológicos. O uso indiscriminado de drogas (legais e ilegais) é mais um dos reflexos de uma cultura que acredita estar a saúde “fora do corpo”, e magicamente acondicionada em drágeas, pílulas, comprimidos e injeções. Esta modificação na forma como compreendemos a busca pelo equilíbrio (de um modelo interno, para um modelo externo) produz repercussões em toda a sociedade. Nas sociedades ocidentais contemporâneas a “saúde” e o “bem-estar” são vendidos como produtos, alienando o indivíduo de sua busca pessoal e responsabilização.
As mulheres, historicamente entendidas como possuidoras de organismos defectivos, foram as mais atingidas. No que tange ao nascimento humano vemos hoje em dia uma clara sinalização sobre os perigos do excesso de artificialização da vida. O aumento das cesarianas é um bom exemplo deste exagero. Esta que deveria ser uma cirurgia salvadora acabou sendo banalizada ao extremo, e um percentual muito grande de mulheres acaba optando pela sua realização sem uma noção exata dos riscos a ela associados. Sabemos que no México temos índices de nascimentos cirúrgicos da ordem de 50%, assim como no Chile, Coréia e China. No Brasil a incidência desta cirurgia já superou a marca de 42% (1), e nos Estados Unidos já temos mais de 30% das mulheres se submetendo a este procedimento cirúrgico. A Organização Mundial da Saúde (OMS) determina que não mais de 10 a 15% dos partos podem terminar em uma cirurgia de grande porte como a cesariana. Existe, portanto, um claro abuso na indicação desta cirurgia e esse número acima do razoável não se relaciona com necessidades de caráter médico. Incrivelmente, num mundo em que os indicadores de saúde melhoram em função do incremento nas condições sociais, a mortalidade materna aumentou nos últimos anos nos Estados Unidos, principalmente às custas do aumento de cesarianas naquele país (2).
A sociedade civil organizada está se dando conta de que o modelo tecnocrático existente não está mais oferecendo a qualidade de saúde que as mulheres exigem, e se une através das múltiplas formas de representatividade, para discutir o destino do nascimento no nosso país. É desse caldo social e cultural que surgem as organizações de mulheres, de profissionais, governamentais e a própria mídia para impulsionar as mudanças que a sociedade exige no que tange à segurança para mães e bebês.
Humanizando o nascimento
“Humanizar o nascimento é restituir o lugar de protagonista à mulher”.
Humanizar a chegada de um novo ser ao mundo baseia-se na idéia de que ele deve ser tratado com carinho e ser bem recebido desde o início, além de oferecer à mulher o controle do processo. A metáfora da “festa” se presta para este momento: se você fosse receber um filho seu que passou muitos anos fora de casa, prepararia uma festa em que ele pudesse ser recebido com afeto e consideração. No parto, a mesma situação. A transformação do parto em um acontecimento social em evento médico é um processo cujas conseqüências ainda não foram completamente entendidas. Os humanistas do nascimento acreditam que a fisiologia das mulheres é absolutamente capaz de dar conta dos desafios a ela impostos. Partimos da pressuposição básica de confiança e otimismo. Acreditamos no processo evolutivo como depurador e impulsionador de transformações lentas e gradativas na natureza. “Somos caminhantes dos milênios e temos nossas pegadas marcadas na poeira das galáxias infinitas”, no dizer de Maximilian (3).
O parto humano foi forjado nesse grande laboratório de aprimoramento que é o processo evolutivo e sua dinâmica, e não pode ser melhorado através de equipamentos, drogas ou cirurgias. Nossa função como cuidadores da saúde é observar os casos em que existe uma “fuga da fisiologia” na direção perigosa da patologia. Nesse caso, poderemos com toda a confiança e cuidado usar a nossa arte e nossa tecnologia para salvar tanto mães quanto bebês. Entretanto, o que vemos todos os dias é um abuso das cirurgias, fruto de uma desconsideração das capacidades da mulher, como se ela fosse sempre entendida como incapaz, defectiva, frágil e incompetente para dar conta de uma tarefa milenar como a de colocar seus filhos neste mundo.
Usamos abusivamente a tecnologia, e nos baseamos numa crença preconceituosa em relação à mulher: “A tecnologia é mais segura do que as mulheres para dar conta do nascimento”. Isso é comprovadamente falso. Por estas questões marcadamente filosóficas, a Humanização do Nascimento é também uma questão de gênero, porque a matriz desta visão distorcida é uma postura de descrédito para com a mulher e sua fisiologia. O projeto global de Humanização do Nascimento é uma forma de colocar a mulher numa posição de destaque, valorizando seu corpo e sua função social e oferecendo-lhe o protagonismo de seus partos.
(…)
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