Debate sobre campanhas de Amamentação aborda desafios na comunicação e promoção do aleitamento (2ª edição- revista)
Rosa Maria Mattos
Qual é a mensagem que os cartazes de promoção do aleitamento materno têm transmitido ao grande público?
Para responder ao tema desafiante, a primeira edição do Centro de Estudos do Portal Aleitamento.com reuniu no último sábado – 14 de novembro, no Rio de Janeiro, especialistas em comunicação e design, ativistas da amamentação, profissionais da saúde e – claro – mães, em um espaço de reflexão e troca de informações, com debate entre Cristine Nogueira, Docente de Design da PUC Rio, e autora do livro “Amamentação e o desdesign da mamadeira”, Maria Celina Machado, jornalista, mestre em Comunicação Social pela UFRJ e assessora de comunicação da Sociedade Brasileira de Pediatria, e Marcus Renato de Carvalho, professor de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFRJ e especialista em Amamentação.
Erros e acertos na promoção do aleitamento
Marcus Renato abriu o Centro de Estudos apresentando o problema da subutilização da amamentação como estratégia para reduzir a mortalidade infantil, e como o Brasil ainda está longe da meta de aleitamento materno exclusivo. “A amamentação é cultural e precisa ser resgatada pela comunicação social”, afirmou Marcus durante a apresentação. Para o especialista, não há uma política específica para a promoção do aleitamento materno, e consequentemente, uma estratégia de comunicação social para esta finalidade.
O professor apresentou diversos pôsteres e cartazes desde a década de 1980, e alguns erros cometidos ou recorrentes desde então: a ausência do rosto das mães no enquadramento, posts que pretendem difundir a amamentação sem nenhuma imagem sobre aleitamento, o registro das mães sozinhas. A aparição recente dos homens e outros familiares nos cartazes foi apontada como um avanço, já que supera a ideia de isolamento da mãe e envolve a sociedade de forma mais ampla no processo da amamentação.
Uma das campanhas citadas é a “Madrinhas da Amamentação”, uma iniciativa que convida anualmente mulheres conhecidas pelo grande público – como atrizes e modelos – para protagonizar os cartazes da Semana Mundial da Amamentação, em agosto. Para Marcus Renato, um dos desafios da campanha é diversificar o repertório de imagens e garantir um compromisso ético por parte das protagonistas da campanha, já que por duas vezes madrinhas e padrinhos da Amamentação participaram, posteriormente de ações publicitárias da indústria de alimentos infantis.
Madrinhas e a Semana Mundial da Amamentação da WABA
Em seguida, Cristine Nogueira apresentou parte de seu livro “O Desdesign da mamadeira” em que faz uma análise da campanha “Madrinhas da Amamentação” ao longo dos anos, comparando os cartazes aos temas e diretrizes propostos pela WABA (Aliança Mundial Pró Aleitamento) para a Semana Mundial da Amamentação. Na apresentação, a designer mostrou ano a ano o cartaz proposto pela campanha internacional e a versão brasileira. Para Cristine, os cartazes e peças gráficas da “Madrinhas” têm conteúdo repetitivo, com fotos que mostram exclusivamente as mães amamentando seus filhos, o que não contempla a diversidade e complexidade de mensagens que são anualmente propostas pela WABA. “As campanhas da WABA localizam a mulher no mundo, tem variedade de temas, imagens étnicas, alegres, envolvendo sempre outras pessoas”, afirmou Cristine, que falou também da importância de se avaliar os resultados das campanhas de comunicação, para aprimorá-las ao longo dos anos.
Cristine elencou uma série de propostas para as campanhas da Semana de Amamentação no Brasil: que equipes multidisciplinares especializadas participem da concepção das campanhas, que coleções de cartazes sejam elaboradas com base na escuta das diversas realidades locais, e que as campanhas se estendam para além da Semana de Amamentação, de forma continuada. E sinalizou a parceria entre Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de Pediatria – uma das realizadoras da Semana de Amamentação no Brasil – e a Nestlé como um espaço de conflito de interesses.
Madrinhas da Amamentação: os bastidores
Em seguida, a jornalista Maria Celina Machado, assessora de comunicação da Sociedade Brasileira de Pediatria, falou dos bastidores da campanha brasileira “Madrinhas da Amamentação”, iniciada no final dos anos 90 pela SBP, sem ainda a participação do Ministério da Saúde, o que só veio a ocorrer a partir de 2004. Maria Celina falou da Semana de Amamentação como uma estratégia de “agendamento” da imprensa, quando há espaço para temas pouco abordados no noticiário. E reforçou a importância de mulheres conhecidas do grande público estrelarem as campanhas como forma de atrair jornalistas de veículos de comunicação para a cobertura dos eventos.
A jornalista apontou a participação das Madrinhas da Amamentação em programas de TV de grande audiência como parte do sucesso da campanha. Maria Celina falou também do início da campanha, em 1999, que contava com poucos recursos técnicos e financeiros, o que justificaria a simplicidade dos cartazes, e lembrou que a adesão das Madrinhas é voluntária, o que dificultaria fazer exigências. A jornalista também exibiu outras atuações da SBP na promoção do aleitamento, como uma seção exclusiva no site da instituição, a publicação “SBP Amamentação”, a atuação do Departamento Científico de Aleitamento com renomados participantes e que publica manuais e orientações, e a campanha pela ampliação da licença-maternidade com o apoio da OAB.
Parceria entre indústria alimentícia e SBP
A participação do público enriqueceu o debate, e trouxe outras sugestões e propostas. Uma das participantes, especialista em amamentação, falou que os pediatras deveriam também compor o público-alvo das próprias campanhas de promoção da Sociedade de Pediatria, uma vez que, pela sua experiência, esses profissionais cometem erros, prescrevendo fórmulas para mulheres nas maternidades e que poderiam ser encorajadas a amamentar. Maria Celina lembrou que publicações sobre aleitamento aos pediatras já são produzidos.
Outro ponto levantado pelo público presente foi a relação de parceria entre a SBP e as indústrias de fórmulas infantis, na qual, haveria conflito, já que as empresas se apropriam do discurso da promoção da amamentação para potencializar a venda de seus produtos e que lucram com uma cultura de baixa adesão ao aleitamento exclusivo.
Se propôs que o Ministério da Saúde ouça outros movimentos sociais, ativistas e setores na elaboração das campanhas da Semana da Amamentação, como forma de enriquecer os debates e temas abordados, e mobilizar diferentes atores sociais e perspectivas.
Questionou-se por que outras Sociedades e Conselhos profissionais (Fonoaudiólogos, Enfermeiros, Psicólogos, Sanitaristas…) também não produzam campanhas de aleitamento para o público leigo e para seus associados?
O Prof. Marcus Renato criou uma página que reúne iniciativas de promoção em todo o mundo, para que sirva de reflexão e aprimoramento na comunicação – acompanhe e colabore:
Pôsteres, Logos & Slogans de Amamentação
Que temas você gostaria de estudar conosco?
Os presentes indicaram para as nossas próximas reuniões essas questões abaixo relacionadas em ordem decrescente de interesse:
Aconselhamento em amamentação – o exercício da escuta
Humanização do parto/nascimento: estamos avançando?
A terceirização da infância e seus impactos na amamentação e vínculos maternos/paterno
Paternidades: uma ponte entre o feminismo e as masculinidades
O leite materno x as fórmulas infantis “à la carte” (novas estratégias das indústrias)
A tecnologização da amamentação – o comércio cada vez maios de apetrechos, medicamentos, procedimentos
Amamentação – um ato sexual
Amamentação & Espiritualidade
O aleitamento na prematuridade
Amamentação em casais homo afetivos
Mãe-Canguru – o afeto salva-vidas
Investigações em aleitamento: como fazer? Como interpretar?
Os lactentes que se tornam obesos com a Amamentação exclusiva: como explicar? Como e o que orientar?
Amamentação: ato psicossomático complexo (questões emocionais da lactação)
…
· Mande sua sugestão de tema para
Fotos do evento: Cecília Maria Valter
Logo do Centro de Estudos: Nicolle Madeira – FW2 Agência Digital