Dissertação de mestrado em psicologia
Dezembro de 2003
Mulheres Participantes do Programa Canguru
num hospital da rede pública de São Paulo
A íntegra da dissertação deverá, em breve, ser disponibilizada em formato pdf na biblioteca virtual da Universidade Estadual Paulista – UNESP
R e s u m o
Este trabalho problematiza as práticas discursivas e não discursivas referentes ao papel materno que circulam no âmbito da saúde pública e no contexto da família. Para isso utilizamos um programa de saúde materno-infantil – o Programa Canguru, contextualizando historicamente os elementos envolvidos tanto em sua concepção quanto em sua efetivação: o conceito de maternidade, as práticas de maternagem e as políticas de humanização ao atendimento desenvolvido nas instituições hospitalares. Nosso objetivo foi analisar como estes elementos se articulam na construção de novos sentidos para o papel materno. Para isso entrevistamos dez mulheres usuárias do Programa Canguru num hospital da rede pública e também as observamos durante esta prática. Na análise dos dados utilizamos como método a análise do discurso. A partir de núcleos de sentidos apreendidos nos discursos das entrevistadas, definimos quatro dimensões de análise: família e religião; o impacto do nascimento prematuro; desconfiança e resistência nas relações com instituições e profissionais de saúde; e a experiência com o Programa Canguru. No trabalho analítico buscamos apreender o processo de singularização e as estratégias utilizadas pelas entrevistadas na produção de sentidos sobre a maternidade e as práticas de maternagem. A família, estruturada de forma hierárquica e com rígida divisão de papéis segundo o sexo, aparece como o principal organizador das experiências das entrevistadas e dos sentidos atribuídos à maternidade. O exercício da maternidade é descrito como essencial para a constituição do papel feminino. A religião surge como importante elemento para garantir o suporte emocional da família em situações de crise, como o nascimento prematuro do filho. No discurso de algumas entrevistadas a crença no poder de Deus se sobrepõe ao poder médico, em função da descontinuidade e inconsistência das práticas e relações estabelecidas com instituições e profissionais de saúde, o que gera desconfiança e resistência na adesão às práticas e cuidados recomendados. No desenvolvimento do Programa Canguru estas mesmas características estão presentes, produzindo importantes contradições no confronto entre os discursos e práticas promovidos pelo programa, e a vivência de maternidade possível às mulheres que dele participaram. Assim, a prática do programa é descrita como desconfortável e sua função (favorecer a recuperação do recém nascido de baixo peso) não encontra ressonância nas práticas comuns de maternagem desenvolvidas pelas mulheres. Entretanto as entrevistadas entendem que sua participação no programa é fundamental: este favorece a presença da mulher no hospital e possibilita o contato concreto com a criança, que as mães entendem como essencial para o desenvolvimento do papel materno; mas, além disso, permite a elas controlar os cuidados oferecidos ao bebê pela equipe de saúde. Esta valorização do programa, portanto, não implica na aceitação das vantagens a ele atribuídas pelos profissionais de saúde e não impede que sua prática seja atravessada por inúmeras pequenas modificações promovidas pelas usuárias. Estas alterações, por um lado, prejudicam o desenvolvimento do programa mas, por outro, acabam por imprimir-lhe um sentido único, calcado na valorização do contato afetivo entre mãe e criança, que escapa do significado realmente enfatizado durante sua aplicação nas instituições de saúde.
Palavras-chave: maternidade; práticas de saúde; Programa Canguru