AQUISIÇÃO DE CITOMEGALOVIRUS NO PREMATURO ALIMENTADO COM LEITE HUMANO: DEVEMOS NOS PREOCUPAR ?
Incidence and clinical manifestations of breast milk-acquired Cytomegalovirus infection in low birth weight infants
Israel
J Perinatol 2005; 25:299-303
Editorial: CMV acquisition in premature infants fed human milk: reason to worry?
Richard J Schanler (EUA)
J Perinatol 2005; 25:297-298
Realizado por Paulo R. Margotto, Neonatologista do
Hospital das Forças Armadas/EMFA/DF
A Academia Americana de Pediatria recomenda o leite humano para os recém-nascidos (RN) pré-termos, devido aos seus benefícios. Entre os benefícios, são citados: defesa, absorção de nutrientes, função gastrintestinal, desenvolvimento neurocomportamental, e o resultado de todos estes benefícios, resulta numa redução econômica pela diminuição da longa internação destes RN.
No entanto, há estudos que indicam que o RN pré-termo adquire citomegalovirus (CMV) pelo leite humano, deixando os neonatologistas preocupados.
A infecção pelo CMV nos pequenos pré-termos durante as primeiras semanas de vida, em contraste com os RN a termo, pode causar doença grave, além de poder causar seqüela no desenvolvimento neurológico. No passado, infecções pelo CMV tem sido atribuída principalmente a transfusão dos produtos sanguúineos. No entanto, apesar do uso de filtros para o uso destes produtos e de sangue, os prematuros continuam adquirir a infecção. Nas mães com infecção latente pelo CMV, o vírus reativa no leite humano durante o período pós-parto e é transmitido aos RN amamentados ao seio, com um pico de transmissão ocorrendo 4-6 semanas após o nascimento.
No estudo de Hamprecht e cl (Epidemiology of transmission of Cytomegalovirus from mother to preterm infant by breastfeeding. Lancet 2001; 357:513-8), 96% das mães soropositivas tinham DNA-CMV no leite humano em algum momento da lactação e 38% dos bebês amamentados destas mães adquiriram a infecção. No entanto, nenhum dos bebês que receberam leite de mães soronegativas tiveram a infecção. Destes que adquiriram infecção, 48% tiveram pelo menos um sinal clínico de infecção, mais comumente neutropenia absoluta (42%); 4 (25%) dos RN que adquiriram CMV durante as primeiras 8 semanas sofreram severa doença sintomática.
No entanto, vários estudos em que se usou o leite humano preservado a –20 oC não relataram incidência de infecção pelo CMV.
O presente estudo de Miron e cl avaliou prospectivamente a taxa de infecção pelo CMV associada a leite humano, assim como a manifestação clínica destra infecção nas primeiras 8 semanas de vida.
O estudo incluiu RN cm idade gestacional <=32 semanas ou com peso <=1500g ao nascer. Os RN foram divididos em 2 grupos. Grupo 1: RN de mães soropositivas para CMV que receberam leite humano durante o período de estudo; Grupo 2: RN de mães soronegativas para CMV ou RN que não receberam leite humano. Amostra de urina foi obtida semanalmente do nascimento até 8 semanas ou até a alta para testar a presença de CMV pelo PCR. Dos 70 RN do Grupo 1, 4 (5,7%) adquiriram infecção pelo CMV entre as idades de 3 e 7 semanas versus nenhum de 26 RN do grupo 2. Somente 1 RN dos 4 infectados teve doença severa pelo CMV e recuperou-se completamente. O follow-up foi de 24 meses. Nenhum RN infectado teve alterações na audição e no desenvolvimento.
Assim, neste estudo israelense de Miron e cl, a taxa de aquisição de infecção pelo CMV nos RN usando leite humano de mães soropositivas para CMV foi muito baixa (5,7%). De importante, é que a infecção foi transitória e não deixou nenhuma seqüela aos 2 anos de idade.
Análise da literatura sobre a taxa de transmissão do CMV pelo leite humano nas primeiras 8 semanas, disponível em 205 pré-termos usando leite humano, mostra uma taxa de transmissão que variou de 5 a 24% (média 12%). A infecção sintomática severa (análise de 266 RN) foi de 2,2% e para crianças com clínica ou anormalidades laboratoriais foi de 5%.
Miron e cl citam que os diferentes resultados podem ser explicados por vários fatores, entre quais, avaliar somente a urina como medida de infecção pelo CMV (a detecção do vírus na urina ocorre 2 semanas após a sua detecção no sangue).
Vários fatores poderiam ter contribuído para a taxa relativamente baixa de infecção severa associada à infecção pelo CMV e leite humano e entre esses: dados da literatura sugerem que anticorpos maternos transferidos in útero tem algum efeito protetor. Infecção fatal ou séria tem sido relatada em 50% nos RN de mães soronegativas para o CMV.
A importância nutricional do leite humano para os pré-termos está bem estabelecida e privá-lo do leite humano pode aumentar a morbimortalidade, como a sepses e enterocolite necrosante,
Se vamos usar o leite humano, a prevenção e ou a minimização da transmissão do CMV pelo leite humano nas primeiras 8 semanas deve ser o nosso objetivo. Esta abordagem deveria ser baseada no princípio da destruição ou inativação do CMV no leite humano, preservando as propriedades nutricionais e imunológicas. Congelamento, pasteurização e rápido aquecimento do leite humano são alguns dos métodos descritos para este objetivo, mas têm suas limitações. Congelar o leite humano preserva os constituintes nutricionais, mas não elimina completamente a sua infectividade. O congelamento a –18 oC evitou a transmissão do CMV pelo leite humano, segundo estudo de Jim e cls (Transmission of cytomegalovirus from mothers to preterm infants by breast milk. Pediatr Infect Dis J 2004; 23:848-51). No entanto, o congelamento a –20 oC preservou a qualidade bioquímica e imunológica do leite humano, mas, no entanto preservou também a infectividade viral. A pasteurização é altamente efetiva na inativação viral, mas pode também danificar linfócitos e imunoglobulinas do leite humano. Rápido tratamento do leite humano a alta temperatura (72 oC por 5 minutos) é altamente efetivo na inativação do CMV sem efeitos deletérios nas propriedades nutricionais. No entanto, esta técnica não tem sido estudada na prática clínica e não é comercialmente disponível.
Portanto, até novos dados disponíveis, os autores israelenses acreditam que devemos encorajar o uso do leite humano nos RN de muito baixo peso (leite humano fresco de sua própria mãe). Como o RN de muito baixo peso recebendo leite humano de mães soropositivas tem maior risco de adquirir infecção pelo CMV, é necessário um alto índice de suspeita de infecção pelo CMV, incluindo documentação do status sorológico materno para o CMV e screening neonatal para CMV. Uma deterioração, clínica ou laboratorial inexplicada destes pequenos RN deveria incluir estudo para excluir CMV. Embora não completamente efetivo, a alimentação dos RN extremamente prematuros com leite humano congelado deveria ser considerado.
Segundo Schanler, comentando o artigo, o estudo de Miron e cl e outros estudos prévios indicam que a aquisição da infecção pelo CMV pelo leite humano em RN pré-termos não está associado com aumento significativo na sintomatologia. No follow-up também não se identificou déficit no desenvolvimento, assim como déficit auditivo (o estudo de Volmer e cl, estendeu-se de 2 a 4,5 anos: Postnatally acquired ctomegalovirus infection via breast milk-effects on hearing and development in pretrerm infants. Pediatr Infect Dis 2004; 23:322-7).
No entanto, segundo Schanler , como neonatologista, devemos nos preocupar a respeito da aquisição do CMV a partir do leite materno? A “deterioração clínica” sugerida, mas não comprovada estatisticamente por vários estudos parecem não ter implicações a longo prazo. Devemos trocar os benefícios do leite humano (redução da sepses, da enterocolite necrosante em 50%), para 0 a 25% de chance de “deterioração clinica”? Os benefícios do leite humano em prematuro tem sido identificados tanto com o uso do leite humano fresco como leite humano congelado.
Os autores têm relatado diferença na aquisição do CMV com leite fresco e congelado. Yasuda e cl (Evaluation of cytomegalovius infections transmitted via breast milk in preterm infants with a real-time polymerase chain reaction assay; Pediatrics 2003; 111:333-6) relataram uma taxa de 10% de aquisição de infecção (todos eram assintomáticos) pelo CMV com o uso de leite humano congelado por um período variável a –20 oC. Segundo Hamprecht e cl (2004), pasteurização com maior temperatura por um curto período de tempo pode prevenir a transmissão do CCM mais efetivamente que o leite humano congelado.
Em recente estudo de Schanler e cl em RN pré-termos abaixo de 30 semanas, envolvendo 69 mães, nenhum dos 92 RN destas mães tiveram CMV isolado da urina de 2 semanas a 2 meses de idade pós-natal. Assim, ele ainda usaria o leite da própria mãe, fresco se disponível, mas sabendo que muito deste leite deveria ser congelado. O estudo de Miron e cl provê mais suporte para esta opção.
NOTA: Consulte o artigo completo de Yasuda e cl (Evaluation of cytomegalovirus infections transmitted via breast milk in preterm infants with a real-time polymerase chain reaction assay; Pediatrics 2003;111:333-6).
Yasuda A, Kimura H, Hayakawa M, Ohshiro M, Kato Y, Matsuura O, Suzuki C, Morishima T.
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Evaluation of cytomegalovirus infections transmitted via breast milk in preterm infants with a real-time polymerase chain reaction assay.
Pediatrics. 2003 Jun;111(6 Pt 1):1333-6.
PMID: 12777549 [PubMed – indexed for MEDLINE]