Aleitamento materno e segurança alimentar foram temas de debates no Senac
Laura Giannecchini
Entre os dias 14 e 16 de setembro, o Senac Consolação acolheu o I Encontro Nacional sobre Segurança Alimentar na Primeira Infância (I ENSAPI), promovido pela Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar (IBFAN – International Baby Food Action Network) e realizado pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) do Ministério da Saúde, Instituto de Saúde, Senac e Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
A Conferência de abertura do evento, que teve por tema “O aleitamento materno como estratégia para o desenvolvimento econômico e social”, contou com a presença de Flávio Valente, relator nacional para o Direito Humano à Alimentação, Água e Terra Rural.
Para o especialista, a discussão sobre a garantia dos direitos humanos no Brasil – e, sobretudo, sobre o direito humano à alimentação – precisa ser aprofundada no país, pois, embora o combate à fome e o direito à alimentação tenham voltado à pauta de discussões desde o início do governo Lula, a abordagem da efetivação desse direito a partir do suprimento de três refeições diárias é superficial.
Flavio Valente afirmou que o direito à alimentação não deve ser entendido apenas como o acesso ao alimento. Trata-se de uma questão mais ampla, que está ligada ao acesso aos nutrientes necessários para suprir as demandas humanas, à forma adequada de preparação dos alimentos, e até à cultura de cada sociedade. O direito à alimentação, portanto, de acordo com o especialista, está associado à construção da identidade das pessoas.
O relator ainda explicou que, na condição de direito humano, esse direito é indissociável dos demais direitos humanos. Assim, é impossível pensar na garantia do direito à alimentação sem pensar na efetivação dos direitos à saúde, à educação, à água potável, à energia elétrica etc. E por isso a alimentação saudável está associada ao desenvolvimento social e econômico do ser humano.
Nesse sentido, ele lamentou que 70 milhões de brasileiros não tenham condições de produzir adequadamente seus alimentos, quanto mais de armazená-los. E que 100 milhões de brasileiros não tenham acesso a uma água de qualidade.
Flávio defendeu a disponibilidade de uma alimentação de qualidade e segura, a reforma agrária, a agricultura familiar e ecológica, o acesso ao emprego e renda, a informação, preparação adequada dos alimentos como passos fundamentais para a promoção da segurança alimentar e nutricional.
Ciência a favor de interesses específicos
Flávio Valente apontou que o marco legal brasileiro em relação ao direito à alimentação é extremamente forte. Ele elogiou o fato de o direito à nutrição ser encarado explicitamente como um direito fundamental da criança. No entanto, ponderou que a construção de conceitos, apesar do discurso da cientificidade, não é isenta, pois é sempre resultado de uma luta de interesses. Isso, na sua avaliação, tem efeitos muito claros no direito à alimentação e no combate à fome no Brasil, já que dificulta a elaboração de políticas públicas efetivas.
O fato de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ter divulgado que não existe fome no país, por exemplo, revela essa parcialidade. Aliás, para Flávio, isso mostra que os pesquisadores brasileiros não vão a campo há muito tempo, pois as pessoas que trabalham diretamente com a questão do aleitamento materno e da promoção da segurança alimentar sabem que a fome existe. A política de simples distribuição de cestas básicas e leite para as crianças também é uma ilusão de que se está garantindo a segurança alimentar, porque isso viola outros direitos. Flávio considera fundamental ter em conta a cultura local e se trabalhar por uma real inclusão dos grupos sociais quando se pensa a segurança alimentar.
O especialista ainda levantou a questão do Sistema Internacional de Direitos Humanos (SIDH). De acordo com essas normas, as nações têm cinco obrigações frente os Direitos Humanos: respeitar, proteger, promover, prover e facilitar.
Assim, um Estado não pode desrespeitar os direitos já adquiridos das pessoas. Traçando-se um paralelo com o direito ao aleitamento materno, não se pode, por exemplo, tirar da mãe o direito de ela amamentar seu filho. Além disso, o Estado deve proteger os direitos das pessoas contra os interesses econômicos de grupos hegemônicos – no caso, frente a indústrias de leite ou de mamadeiras -, e promover o direito à alimentação de formas diversas, incentivando o aleitamento materno, efetivando os direitos da mãe e da criança.
Se a pessoa não tiver condições de se alimentar, o Estado deve garantir a sobrevivência e a qualidade de vida dos cidadãos. Por outro lado, ele também deve facilitar a capacitação dos diversos atores, a fim de que eles consigam reivindicar seus direitos e contribuir para efetivá-los.
Quando o Estado violar algum direito ou não cumprir com suas obrigações, como os direitos humanos são resultantes da assinatura de pactos internacionais, Flávio disse que se deve recorrer primeiro a instâncias nacionais. Mas, se os casos não forem resolvidos, é possível recorrer a instâncias internacionais.
Conseqüências para toda a vida
O especialista apontou ainda que a má nutrição (que tem como resultado tanto o sobrepeso como o baixo peso) tem um impacto profundo sobre a vida das pessoas e seus descendentes.
No caso do aleitamento materno, ele destacou o problema da nutrição na gravidez precoce. De acordo com Flávio, as mães que engravidam antes de terem completado o seu desenvolvimento físico, antes de terem parado de crescer, competem com seus filhos pelo aproveitamento do alimento ingerido. Daí a alta taxa de mortalidade de crianças filhas de mães adolescentes. Para o relator, a gravidez precoce é uma violação dos direitos tanto da mãe quanto das crianças, que deve ser observada pelo Estado.
As pesquisas evidenciam, de acordo com o especialista, que bebês que nascem com alto ou baixo peso têm problemas de saúde inclusive na vida adulta. Aliás, no curto prazo, a má nutrição do bebê (inclusive intra-uterina) gera problemas no desenvolvimento cerebral, na composição corpórea e na programação do metabolismo da criança. No longo prazo, prejudica seu desempenho cognitivo e pode ocasionar outras doenças.
Como a alimentação tem impactos na qualidade de vida da pessoa desde antes de seu nascimento, Flávio defendeu que uma política pública que garanta o desenvolvimento humano e social deve passar necessariamente por um bom pré-natal, pela promoção da saúde de toda a população e por uma atenção especial à saúde das mulheres.
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Programas de incentivo e promoção do aleitamento materno ainda não são suficientes
Daniele Próspero
A discussão sobre a importância do aleitamento materno parece vir ganhando cada vez mais espaço e adeptos não somente entre os técnicos do assunto. O envolvimento maior da comunidade é evidente. Mas será que realmente ações concretas estão sendo desenvolvidas? Diversos especialistas garantem que avanços foram dados, mas diversos desafios ainda estão pela frente. Prova disso é que, a cada ano três milhões de crianças menores de seis meses de idade morrem por problemas de nutrição. Sendo que 20% das mortes de crianças menores de cinco anos poderiam ser prevenidas com o aleitamento materno.
O Brasil conta com uma Política de Alimentação e Nutrição, formulada em 1999, em interface com a Política de Promoção da Saúde e o Programa Fome Zero. No entanto, o que se percebe na população é uma deficiência de nutrientes, infecções, obesidade, presença ainda de desnutrição, com patamar baixo de redução e o aumento da anemia. Segundo dados apresentados pela nutricionista Ana Beatriz Vasconcelos, do Ministério da Saúde, apenas 5% da população brasileira têm um estado nutricional ótimo, com dieta diversificada. 60% estão com obesidade, diabetes, hipertensão, resultado de um excesso de quantidade, mas baixa qualidade dos alimentos. Outros 30% têm deficiências nutricionais moderadas (quantidade insuficiente de alimentos, devido à pobreza). E 5% com deficiências nutricionais graves, insuficiente de qualidade e quantidade. E isso piora na mesma proporção que a renda caí.
Há algumas ações, como o Protocolo de Atenção à Criança com Desnutrição Grave em Nível Hospitalar, lançado recentemente pelo governo federal; o Programa Nacional de Suplementação Vitamina A, na região do semi-árido, atendendo cerca de 650 mil crianças neste ano; além do guia alimentar para crianças menores de 2 anos, com o estabelecimento de 10 passos para uma alimentação saudável. O desafio é a adoção do material agora pela rede de saúde, pré-escolas e creches.
Na Bahia, por exemplo, em que 97,3% dos municípios apresentam alto risco ou muito alto de desnutrição, diversas ações foram implementadas. Em 2000, foi lançado o Projeto Emergencial de Atendimento às Crianças Desnutridas, em 200 municípios, distribuindo um kit alimentar, não com leite como o previsto inicialmente, a fim de incentivar o aleitamento materno. Em fevereiro de 2003, novo projeto: o Mais Vida, com complementação alimentar para crianças de seis meses a seis anos em risco nutricional e gestantes de 100 municípios mais pobres. O projeto ainda está sendo implantado. Até agora, 59 municípios fazem parte da iniciativa.
“A nutrição é a peça fundamental para o desenvolvimento econômico. Isso porque, quando trabalhamos desde cedo estas questões vemos que, com a amamentação, as pessoas vão ganhar em desenvolvimento, qualidade de vida e de trabalho. Ou seja, dentre todas as medidas e metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, propostas pela ONU, a alimentação e a nutrição contribuem para que todos os outros sejam alcançados”, acredita Jane Andrade Santos, oficial de projetos do Unicef em Recife.
A especialista explica que a estratégia global para este problema é a construção de uma política com enfoque multisetorial, com os seguintes objetivos: aleitamento materno exclusivo até seis meses; apoio sobre alimentação em situações difíceis; fomento à alimentação complementar adequada; entre outros. Ela garante que houve um progresso do aleitamento materno no mundo, principalmente no Leste da África e no Pacífico, sendo a região que mais cresceu em Hospitais Amigos da Criança (HAC). No total, são hoje 19.350 HAC no mundo. Além disso, teve um aumento grande destes hospitais até o final da década, mas agora se estabilizou.
Segundo Jane, portanto, não há muito ainda a comemorar. Dados de 2003 mostraram que o pior país em relação ao aleitamento materno exclusivo até seis meses era a Nigéria: apenas 1% das crianças que nasciam recebiam o leite materno. O Brasil também estava entre os piores. Somente 9,7% das crianças são amamentadas exclusivamente até os seis meses. O melhor país é o Sri Lanka, com 84% dos bebês.
Dados do Ministério da Saúde de 1999, mostraram que no estado do Ceará, as crianças brasileiras são amamentadas até 64 dias. O pior estado é Mato Grosso, com apenas cinco dias. A outros números ainda que não é motivo de orgulho para o Brasil. Apesar de ter criado a partir de 1992, os HAC, hoje, os 328 hospitais que existem com estes 10 critérios e 10 passos necessários para ser considerado um HAC, representam apenas 7,3% do numero total de hospitais do país.
Sonia Salviano, coordenadora da Política Nacional de Aleitamento Materno, lembra, no entanto, todos os obstáculos já superados pelos profissionais que buscam a melhoria da qualidade de vida das crianças e das mães. O Programa de Aleitamento Materno no país, por exemplo, foi lançado no país em 1981. No entanto, deixou de ser programa em 1997 durante um ano, funcionando como ações de aleitamento sem definição até julho de 1998, quando a sociedade pressionou o governo a tomar uma atitude a partir do I Congresso Brasileiro de Bancos de Leite Humano.
O Ministério da Saúde assumiu então dentro da área da saúde da criança. Em 2003, constituiu-se a Política Nacional de Aleitamento Materno, integrada às ações de cuidado à saúde da mulher e da criança, e voltado para o aumento da prevalência do aleitamento materno. O Brasil ajudou também a criar, em maio deste ano, a Rede Latino Americana de Bancos de Leite Humano. De acordo com os especialistas, é preciso agora avançar. Os desafios seriam garantir os direitos das mulheres trabalhadoras; ter uma abordagem integrada; apoio às famílias; discurso coerente; melhorar a qualidade das práticas; e capacitar profissionais.
Apoio acima de tudo
No entanto, frente a uma sociedade que exige cada vez mais de todos, parece se tornar mais difícil para as mulheres oferecerem toda a atenção necessária aos seus filhos. As duplas jornadas – trabalho dentro e fora de casa – podem colocar em risco o aleitamento materno, tão necessário principalmente nos seis primeiros meses de vida do bebê. Hoje, 24,9% das mulheres brasileiras são responsáveis pelo lar, sendo que 93,6% são profissionais com trabalhos externos e ainda precisam cumprir afazeres domésticos.
Por isso, na opinião, de Rosimar Macedo Teykal, coordenadora do grupo Amigas do Peito do Rio de Janeiro, o sucesso da amamentação é formado por um tripé: desejo, informação correta e apoio. É preciso, em sua opinião, que a informação correta já comece na gravidez, durante o pré-natal, e até mesmo com uma visita à maternidade, depois passando pelo pós-parto, em que deve haver um estimulo já na sala de parto, e, por fim, na própria maternidade, com os profissionais. No entanto, ela acredita que o apoio é o mais importante de todo este processo.
Para as mulheres com carteira assinada, esse apoio pode ficar mais evidente pelas leis, como a estabilidade no trabalho durante a gravidez, a licença maternidade, o salário maternidade e o auxílio creche. Algumas empresas favorecem também a promoção do aleitamento materno, oferecendo espaço para que as trabalhadoras possam retirar o leite durante o expediente e levar depois para seus bebês. No entanto, são poucas ainda as mulheres que têm trabalho formal, o que dificulta ainda mais este processo.
Outro apoio que não pode faltar, garante o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Marcus Renato de Carvalho, é o do homem, que deve estar presente na gestação, no parto e na amamentação. Marcus lembra que a presença do pai, que tem todo um jeito próprio de lidar, é essencial para a formação psíquica da criança. Caso ele não seja convidado a estabelecer este vínculo, o homem pode se sentir excluído, o que ocasionará até mesmo uma depressão.
Mas, não são todos os que estão dispostos a assumir este papel. Dados de uma pesquisa de 2003, mostraram que apenas 5% dos homens dão banho nos filhos; 5% comida; e 5% acompanham em atividades escolares. Para mudar este quadro, foi lançada, por exemplo, a Campanha de Valorização do Cuidado Paterno, com diversas ações para mudar essa cultura que ainda prevalece.
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Amamentação traz benefícios para o desenvolvimento físico e psicossocial da criança e da mulher, além de facilitar o orçamento familiar
Laura Giannecchini
Sete mulheres foram convidadas para falar com uma platéia quase que exclusivamente feminina sobre a “Amamentação: padrão ouro na alimentação infantil”, no primeiro dia de debates do I Encontro Nacional sobre Segurança Alimentar na Primeira Infância (ENSAPI), que aconteceu entre os dias 14 e 16 de setembro, no Senac Consolação. Zuleika Thomson, professora da Universidade Estadual de Londrina, foi a responsável por “colocar ordem na casa”, coordenando a mesa e garantindo que a discussão permanecesse focada no tema proposto.
Importância do aleitamento materno
O debate começou com a pediatra Dolores Fernandez, discutindo a importância do aleitamento materno. A médica explicou que o leite materno a Sociedade Brasileira de Pediatria aconselha o aleitamento exclusivo até os seis meses de idade, e até os dois anos, de forma contínua.
Isso porque o leite materno é um ótimo alimento, de fácil absorção e digestão para o bebê. Ele contém proteínas, gorduras, açúcares, sais minerais, vitaminas, fatores de crescimento, endorfinas nas proporções adequadas ao bom desenvolvimento do bebê. E fatores de proteção contra diversas doenças e alergias. Também contribui para o desenvolvimento neuromotor, cognitivo e psicoemocinal da criança, já que a amamentação promove a sedimentação do apego entre mãe e filho.
Para a mãe, a amamentação também traz vantagens, já que garante um espaçamento entre as gestações, uma involução do útero e o retorno ao peso normal da mulher mais rapidamente. Também evita o câncer de mama e reduz as chances de depressão pós-parto. E, do ponto de vista econômico, reduz em 30% os gastos que a família tem com a chegada na nova criança. Aliás, a pediatra pontuou que, se todas as crianças brasileiras fossem amamentadas exclusivamente até os seis meses de idade, 300 milhões de reais seriam economizados anualmente.
Por outro lado, a amamentação contribui com a preservação do meio ambiente, pois é uma produção limpa, que ainda diminui a demanda da comercialização de alimentos para lactentes e crianças na primeira infância, além de bicos, chupetas e mamadeiras. Assim, diminui a produção de embalagens e rótulos de produtos para bebês e conseqüentemente seu descarte no meio ambiente.
A pediatra ainda lembrou que é fundamental incentivar a mãe a amamentar seu filho na primeira hora de vida, pois isso, além estabelece importantes vínculos entre a mulher e a criança.
Funcionamento da amamentação
A enfermeira e coordenadora da 1ª regional de saúde da Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, Celina Valderez Feijó Kholer falou sobre como funciona a amamentação do ponto de vista fisiológico.
Ela lembrou que o leite produzido pela fêmea de cada espécie mamífera contém os nutrientes necessários ao bom desenvolvimento de cada filhote. Assim, ponderou que a quantidade de gordura presente, por exemplo, no leite da vaca muito superior do que a presente no leite humano porque isso varia em função do tempo necessário para que o filhote ganhe autonomia. Quanto menor o tempo da autonomia, maior o índice de gordura do leite. E dessa forma concluiu que o leite humano é muito mais adequado para amamentar os bebês do que o leite de vaca, ainda que diluído.
De acordo com a enfermeira, a quantidade de leite produzida pela mulher não tem relação alguma com o tamanho de seu seio. As mulheres, normalmente, produzem leite na quantidade necessária para alimentar seu filho. A dificuldade é que, nos seres humanos, a produção de leite é influenciada pelas condições emocionais da mulher.
Por isso, é fundamental que ela receba apoio de seu companheiro, familiares e amigos após o parto, mas sem que fiquem dando muitos conselhos sobre como amamentar. Ela disse que é preciso que essas pessoas apenas manifestem carinho, contribuam na arrumação da casa, de vez em quando cozinhem, mas sem interferir na relação mãe e filho.
Alimentação artificial
A nutricionista e professora da Universidade Federal de Ouro Preto, Maria Cristina Passos, expôs os riscos da alimentação artificial. Antes de começar seu discurso, Maria Cristina apresentou à platéia uma foto muito impressionante, tirada em 1939, que mostrava uma mãe de gêmeos com duas crianças com tamanhos muito diferentes.
A criança com desenvolvimento físico normal era um menino, que havia sido alimentado no peito da mulher. A outra, muito pequena, era uma menina, que fora alimentada com mamadeira, e que alguns dias depois da imagem ter sido tirada, veio a falecer. A fotografia provava, portanto, que o leite materno é o alimento mais adequado ao desenvolvimento da criança
A nutricionista destacou também que, como o leite de vaca tem que ser diluído para ser dado à criança e, nesse processo, nem sempre é utilizada uma água de boa qualidade e os utensílios não são esterilizados corretamente, o que aumenta o risco de contaminação do alimento e, por conseqüência, os riscos de doenças nas crianças, que já têm baixa proteção imunológica (por não receberem os anticorpos da mães via leite materno).
Rotinas hospitalares
A médica anestesista Raquel Pereira comentou em sua fala sobre os efeitos das rotinas hospitalares. Para Raquel, a promoção do aleitamento materno exclusivo deve fazer parte do “DNA da instituição hospitalar”. Nesse sentido, insistiu que todos os funcionários dos hospitais deveriam estar conscientes da importância da amamentação e prontos para conversarem com as mães nas maternidades sobre o assunto.
Raquel avaliou como positiva a mudança de paradigma que ocorreu com a amamentação entre 1975 e 2000. Ela destacou que, na década de 70, uma em cada duas mulheres amamentava seu filho exclusivamente até os 3 meses de idade. Hoje, uma em cada duas mulheres amamenta seus filhos até os dez meses.
A anestesista ainda traçou comentários sobre a Iniciativa do Hospital Amigo da Criança (IHAC), ressaltando que a iniciativa recebeu o apoio de portarias e normas, e sobretudo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Para ela, o passo dois da IHAC (treinar e capacitar a equipe para implementar as normas da IHAC), o passo 4 (ajudar as mães a iniciarem a amamentação na primeira hora após o parto), o passo 7 (do alojamento conjunto), o passo 9 (de evitar dar bicos artificiais ou chupetas às crianças) e o passo 10 (encaminhar a mãe, na hora da alta hospitalar, para grupos de apoio ao aleitamento materno, na comunidade ou em serviços de saúde) foram e são muito importantes para a promoção aleitamento materno.
Bicos artificiais
A fonoaudióloga da prefeitura de Jandira, no interior de São Paulo, Lílian C. Cotrim comentou os efeitos dos bicos artificiais no desenvolvimento sensorial, respiratório e odontológico da criança.
Segundo a fonoaudióloga, o uso de bicos artificiais antecipa o desmame precoce. Isso é preocupante porque o bebê deixa de ser estimulado sensorialmente (a sucção estimula o tato, o olfato, a visão, o paladar), além de ficar mais vulnerável a doenças.
Ainda que se usem chupetas ortopédicas, de acordo com Lílian, os bicos artificiais também não permitem uma respiração e deglutição correta, o que gera problemas no sistema fonoaudiólogo. Por isso devem ser evitados.
Dimensão econômica
Nazaré Nery, membro da IBFAN em Curitiba, fechou o seminário, apontando os custos da alimentação artificial. Ela disse que uma das principais causas do pedido de crédito na população de baixa renda é para suprimento da alimentação das crianças na primeira infância.
A terapeuta incentivou o aleitamento materno desde a primeira hora de vida do bebê e se mostrou contra a industrialização, inclusive do leite humano, não só porque a amamentação reduz os custos no orçamento familiar, porque diminui os problemas ambientais, mas porque ele é, sobretudo, um ato de amor, que garante o bom desenvolvimento psicossocial da criança.
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Conheça experiências de promoção de aleitamento materno que dão certo
Daniele Próspero
No Brasil, algumas experiências positivas vêm sendo desenvolvidas a fim de promover o aleitamento materno, como o Programa Senac de Promoção da Amamentação, lançado em 2001, com o objetivo de fomentar o aumento da amamentação e colaborar para a diminuição da mortalidade infantil. As primeiras iniciativas para este programa surgiram em 1996, com a participação do Senac na Semana Mundial de Amamentação, promovendo a distribuição de cartilhas.
De acordo com Jorge Silveira Duarte, coordenador da área de Desenvolvimento Social do Senac, a instituição percebeu que somente a distribuição de cartilhas não era suficiente, surgindo assim o programa, reunindo organizações para pensar que forma trabalhar esta questão, já que havia falta de informação sobre o assunto.
O programa então decidiu trabalhar com a formação de redes, a fim de definir objetivos em comum e realizar ações em conjunto, otimizando recursos e potencializando resultados. O programa inclui ainda a capacitação de multiplicadores, em parceria com Instituto de Saúde, e também a realização da Semana Mundial. São 120 organizações trabalhando em rede, com a estimativa de ter capacitado, entre 2002 e 2005, mais de 18.500 multiplicadores e ter atingido cerca de 620 mil pessoas.
Atualmente, a redes de promoção do aleitamento estão em Campinas, São Paulo, Santos, Bauru, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto. A Rede de Bauru, por exemplo, criou o Grupo de Apoio ao Aleitamento Materno Exclusivo, a fim de conseguir sustentabilidade para suas ações. Segundo Jorge Duarte, a idéia é justamente esta, que, ao longo do tempo, a própria comunidade assuma o projeto e desenvolva as ações que achar melhor com os instrumentos que dispuser.
A proposta do Senac é, até 2010, não trabalhar mais redes temáticas, mas sim que este assunto faça parte do dia-a-dia de redes locais, estas baseadas no desenvolvimento local. O desafio para 2005/2006 nesta área de fomento à amamentação é o estabelecimento de parcerias com outras redes e com governos e identificar as necessidades locais e desenvolver ações com metas e indicadores de impacto social.
Amamentação na prisão
Atualmente no país existem 36 unidades femininas, em 21 estados, com cerca de sete mil presas. Elas têm o direito de amamentar e permanecer com os filhos pelo menos até os seis meses de vida. Hoje, os estados que realizam o pré-natal e falam sobre a importância da amamentação são: Distrito Federal, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Em cada local, no entanto, varia a forma de atendimento e atenção dispensada a estas mulheres e seus filhos.
No Distrito Federal, por exemplo, há orientações e atendimento por equipe de saúde tanto para a mãe quanto para a criança e as presas ficam seus filhos no berçário até os seis meses. Já no Mato Grosso, as mulheres ficam com os bebês na creche durante o dia e à noite vão para as celas individuais com eles. E, em Minas Gerais, as presas têm possibilidade de amamentarem na creche por tempo indeterminado.
Já em São Paulo, foi criado em 2000 o Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa, com capacidade para 80 detentas. Atualmente, estão no espaço 65 mães com bebês. No entanto, elas têm a possibilidade de ficarem com as crianças apenas até os quatro meses de idade. Depois disso, os bebês são afastados e vão para a família ou instituições. Segundo Sandra Gianelo, pediatra do Hospital Estadual Mário Covas, essa atitude pode deixar seqüelas irreversíveis, sendo uma separação muito dramática.
Já para as adolescentes, foi criada, em fevereiro de 2004, uma Unidade Feminina da Febem (Fundação do Bem-Estar do Menor) da Mooca, conhecida como Casa das Meninas-Mãe. Toda a equipe que atua no local recebeu treinamento sobre aleitamento materno e as meninas são aconselhadas a amamentar exclusivamente até os seus meses de vida do bebê. De acordo com Sandra, os resultados têm sido positivos, sendo possível perceber a mudança de comportamento das adolescentes a partir desse apoio, o que gera, em muitos casos, a redução no tempo de internação.
Apoio aos indígenas
Não é somente no Brasil que o apoio ao aleitamento materno se faz presente na América Latina. No México, há 20 anos há um trabalho com indígenas da região de Chiapas, que tem 119 municípios, sendo que 34% deles apresentam alto índice de marginalidade entre a população. Em 1983, teve início o Programa Integrado de Apoio à Nutrição e, em 1990, criou-se as Casas de Saúde da Mulher, com promotores de saúde e parteiras, além de um centro de apoio nutricional. A partir de 1998, o grupo começou a atuar com um modelo de consultas coletivas e grupos focais, a partir da atenção integral para a saúde das mulheres e das crianças e prevenir a desnutrição.
Os grupos são divididos em gestantes; mulheres com crianças de zero a seis meses; depois de seis a nove meses; e de 10 a 24 meses. Segundo Marcus Arana Cedeño, um dos coordenadores da ação, a proposta destes grupos é oferecer apoio e oportunidade para que as mulheres possam falar sobre suas necessidades, tirar duvidas e, acima de tudo, aprender com a sua e a experiência das outras mulheres, reconhecendo seus direitos e descobrindo sua capacidade de decisão.
Em 2003, foi criado o Programa Vida Melhor, a fim de atender 270 microregiões dos piores municípios, com maiores taxas de desnutrição e mortalidade infantil e materna, em que se encontram grande parte da população indígena. Já foi estabelecido um sistema de prevenção, com a criação de um fundo comunitário, a fim de disponibilizar recursos para casos de transporte de emergência das mulheres grávidas, assim como um sistema de rádio e de comunicação, também para estes casos.
Além dos grupos, que contam com promotores de saúde locais capacitados para trabalhar com esta metodologia, os profissionais fazem visitas semanais nas casas das crianças entre seis e nove meses, além de distribuir materiais educativos, como vídeos, sobre saúde da mulher e a importância do aleitamento. Os modelos realizados em cada comunidade são distintos e as mulheres decidem como se reunir e discutir estas questões da melhor forma.
Fonte: O SENAC no 3 setor
Fotos do Grupo Origem – aleitamento.org.br