Relação como alimento para os bebês
Adriana Tanese Nogueira*
Outro dia no parque, num lindo dia de sol, passei ao lado de um carrinho com um bebê de uns 8/9 meses. Era uma bebê, mamava de uma mamadeira. Na verdade, eu primeiro vi o pai. Ele estava ao lado do carrinho, de costas olhando para sua frente e bebendo de um daqueles grandes copos de refrigerantes. Com a mão direita ele segurava seu copo e com a esquerda ele mantinha a mamadeira posicionada à altura da boca de sua filha. Ambos bebiam, fitando o vazio em direções opostas.
Num relance vi o olhar da bebê enquanto sugava sua mamadeira. Num relâmpago de segundo lembrei-me das longas mamadas de minha filha, que durante dois anos e meio teve meio peito à disposição. Aquele olhar me tocou. Ela não sabia de nada, mas eu sabia. Eu tinha consciência de que aquela bebê estava sozinha.
A grande invenção do aleitamento materno consiste em dois pilares: alimento de qualidade e ecológico, saudável e gostoso mais relação, contato, conforto, abraço, olhar, intimidade. O alimento está inserido numa relação significativa, essencial, promissora de vida e de felicidade. Alimento bom que sacia a fome e olhar amoroso que envolve. O que será receber uma mamadeira sem ninguém para olhar, sozinha, com o vazio na frente? Ter somente uma mão de suporte, que poderia ser um pequeno pedestal mecânico, pois o elemento humano não está lá?
Ela não sabe. Ela quiça sugará com mais força aquele leite artificial, na esperança mágica de que repentinamente algo surja de maravilhoso, pelo simples fato de ingerir leite. Quiça talvez seu pai faça o mesmo, enquanto bebe litros de refrigerante ou de cerveja. O ato de sugar poderia estar instintivamente associado à delícia do abraço materno amoroso e poderia estimular o reflexo condicionado de que se o amor não está lá, palpável no corpo quente do outro, é porque não sugamos ou bebemos o suficiente… Conjecturas, claro, pensamentos sem compromisso que brotam espontâneos.
Quando uma mãe amamenta seu ou sua bebê ela não está a olhá-lo/a carinhosamente o tempo todo, mas está presente. É possível sentir seu corpo, ouvir sua voz e vê-la. Quando se tem um bebê no colo, mesmo quando se fazem outras coisas além de amamentar (porque afinal somos mulheres ocupadas!), é natural baixar os olhos de vez em quando. O que se está construindo chama-se relação. É este o alicerce para o desenvolvimento da criança: sem a relação com a mãe ou com um adulto amoroso, provedor e presente, o equilíbrio bio-psíquico da criança está ameaçado.
Estar em relação não é sempre simples, pois demanda uma disponibilidade que muitas vezes gostaríamos de omitir por mil razões, muitas das quais corriqueiras e comuns. Porém é preciso compreender que maternidade e paternidade é primeiramente relação: cuidar, amamentar, vestir e lavar são “desculpas” para relacionar-se com o/a próprio/a filho/a, conhecê-lo/a, estar junto. Quando eles são bebês se está juntos amamentando, amanhã segurando a mão para o passo ficar firme, depois andando de bicicleta juntos, e depois batendo papo, finalmente trocando idéias sobre a vida e o viver.
Ser mãe e ser pai é também ser amigo do próprio filho, amigos responsáveis. Lembrarmos que fomos crianças também, que não nascemos sabendo tudo e que não somos necessariamente melhores do que eles. É estar ao seu lado em todas suas etapas de vida. Para um bebê o melhor que você pode lhe dar é seu peito e seu olhar, sua presença física serena e segura. Para um adolescente é seu afastamento tranquilo e sua presença firme invisível com a qual ele possa contar com certeza. Para o adulto, é o respeito pela sua diferença. Tudo isso é relação. E começa logo bem cedo. Portanto, esteja com seu filho, olhe para ele ou ela. Doe-lhe seu olhar e seu tempo.
*Adriana Tanese Nogueira é coordenadora da ONG Amigas do Parto, São Paulo, SP