O MICROBIOMA HUMANO
na GESTAÇÃO, PARTO & AMAMENTAÇÃO
Por Rodrigo Santos*, de Toronto, Canadá exclusivo para o portal aleitamento.com
O microbioma – um conjunto imenso de microrganismos que vivem no corpo humano está em alta no mundo científico no momento. O Projeto do Microbioma Humano do NIH (http://www.hmpdacc.org/) foi criado para explorar correlações entre estados de saúde ou doença e a microbiota. Até hoje o microbioma humano já foi associado com, entre outras coisas, obesidade, câncer, doenças mentais, asma e autismo. Nesse artigo, não vamos trazer uma extensa revisão da literatura, pois isso já foi feito em textos científicos1, 2. Vamos focar nas implicações para a gravidez, o parto e a maternidade.
O que é o microbioma humano?
O conjunto de todos os microorganismos que vivem no nosso corpo é chamado de microbioma humano. Populações de vários de microrganismos ocupam diferentes partes do nosso corpo, principalmente a nossa pele, e mucosas genitais, do trato respiratório e do trato gastrointestinal. Essas são áreas de contato entre o nosso organismo e o ambiente exterior e são naturalmente colonizados por certos tipos de organismos. Tais microorganismos não causam doenças em situações normais e vivem em “harmonia” com nosso corpo. Ao longo de milênios, nossa espécie desenvolveu mecanismos para controlar e interagir com estes “inquilinos” e sua presença muitas vezes é benéfica. No entanto, uma alteração do perfil dos tipos de microorganismos ou da localização destes pode ser prejudicial para algumas pessoas.
Consideração para gestantes e obstetras:
Os comentários a seguir são recomendações de pesquisas científicas que estão em andamento e devem ser reconsideradas com o desenvolvimento do nosso conhecimento sobre o microbioma humano.
◇ Gravidez:
O conceito que o bebê dentro do útero está em um ambiente estéril (enquanto as membranas estão intactas) em geral era amplamente aceito, porém isso vem sendo questionado. Pesquisas sugerem que bactérias intestinais podem alcançar a placenta e o bebê através da corrente sanguínea 1,3,4,5,6. A microbiota intestinal da mulher muda durante a gravidez e isso tem efeitos no metabolismo materno 4,7. Logo, idealmente as mulheres deveriam entrar na gravidez com um microbioma saudável e mantê-lo. Infelizmente nosso estilo de vida moderno não é muito apropriado para alguns microorganismos e vários de nós desenvolve uma disbiose (desequilíbrio da flora intestinal). Disbiose e um aumento de certas bactérias já foi correlacionado com ruptura prematura de membranas e parto prematuro 4,8,9.
Sugestões:
– Você é o que você come… e você é as bactérias que você alimenta! Coma alimentos que “ajudam” seu microbioma: fibras fermentáveis (vegetais ricos em amido como batata doce) que são fonte de energia para a flora intestinal; alimentos fermentados (como iogurtes e alimentos em conserva) que são probióticos. Probióticos também podem contribuir para balancear a microbiota vaginal 5,10.
– Minimize estresse. Estresse altera sua flora intestinal e a mãe pode transmitir essa alteração para o bebê11.
– Evite o uso excessivo de produtos antimicrobianos (como sabonetes e desinfetantes, que podem alterar a microbiota da pele).
– Evite o uso desnecessário de antibióticos12 e outros fármacos13. Não tome medicamentos sem orientação médica.
– Pare de fumar antes de engravidar. Pesquisas mostram que parar de fumar altera positivamente a composição da flora intestinal14.
◇ Parto:
Existe uma diferença entre o microbioma de um bebê nascido de parto vaginal comparado àqueles nascidos por cesariana 4,15,16. Durante o parto vaginal o bebê tem um contato mais intenso com a microbiota vaginal da mãe e é colonizado por ela. Bactérias encontradas nesses recém-nascidos são predominantemente dos gêneros Lactobacillus, Prevotella e Sneathia.
Já os bebês nascidos por cesariana são colonizados pelas bactérias do ambiente hospitalar e da microbiota da pele da mãe – predominantemente do gênero Staphylococcus e a espécie Clostridium difficile. Além disso, eles têm níveis significativamente menores de representantes do gênero Bifidobacterium e uma diversidade bacteriana menor do que os bebês nascidos de parto vaginal. Tais diferenças no microbioma inicial podem influenciar no maior risco a longo-prazo associado aos nascidos por cesariana.
Parto domiciliar e amamentação exclusiva
O ambiente no qual o bebê nasce também influencia na sua colonização inicial. Um estudo16 mostrou que bebês nascidos por parto vaginal, em casa e receberam aleitamento materno exclusivo tinham a “melhor” microbiota. É provável que esses bebês tiveram contato somente com a microbiota de sua própria família durante o período chave para colonização de seu microbioma. Ainda não existem pesquisas sobre a influência de parto na água no microbioma.
É sabido que exposição a antibióticos altera o microbioma nos adultos e que quando mulheres recebem antibióticos durante o parto, seus bebês também acabam recebendo. Uma revisão17 de 2006 levantou preocupação sobre uso de antibióticos profiláticos em partos. Um estudo18 de 2011 mostrou que antibiótico durante o parto aumentava a incidência de importantes infecções bacterianas tardiamente em crianças. É necessário maior investigação a respeito considerando o número de mães/bebê que recebem antibióticos no parto (devido à ruptura precoce das membranas).
Sugestões:
– Parto vaginal proporciona contato com a microbiota da mãe e promove uma “melhor” colonização bebê16.
– O contato dos profissionais de saúde com a região vaginal e perineal da mãe deve ser o menor possível durante o parto.
– Evite o uso desnecessário de antibióticos durante o parto. Se for necessário o uso de antibióticos, considere o uso de probióticos para a mãe e o bebê.
– Se o bebê nascer por cirurgia cesariana, pode se considerar swabs vaginais (transferência da microbiota vaginal através do uso de uma gaze embebida de solução fisiológica estéril). Além disso, é importante encorajar o aleitamento materno o mais rápido possível, já que essa é uma maneira de favorecer a colonização (ver a seguir).
◇ Pós-natal:
Após o nascimento, o bebê continua a adquirir sua microbiota através do aleitamento e do contato com o ambiente. Existem diferenças significativas15, 19 na microbiota de bebês que receberam aleitamento materno exclusivo em comparação com aqueles que receberam fórmulas. Bactérias benéficas são transportadas diretamente para o trato intestinal do bebê pela amamentação, além do fato que os oligossacarídeos do leite humano permitirem o crescimento dessas bactérias. A diferença da microbiota de bebês que recebem fórmula pode estar relacionada, por exemplo, com uma maior incidência de cólica infantil (devido a níveis elevados de proteobactérias).
Sugestões:
– Logo após o parto, nos primeiros dias, o bebê deve passar muito tempo no colo materno, preferencialmente em contato pele-a-pele.
– Evite o banho nas primeiras 24 horas e use apenas água nas primeiras 4 semanas.24
– Se estiver em hospitais, use sua própria roupa de cama para o bebê.
– Evite o contato pele-a-pele prolongado do recém-nascido com pessoas de fora da família durante a primeira semana.
– Aleitamento materno exclusivo. Se não for possível, considere uso de probióticos.
◇ Conclusão:
Conforme nosso entendimento sobre a microbiota progride se torna claro o quanto ela é fundamental para nossa saúde. Durante a gravidez, parto e amamentação o bebê é colonizado com o microbioma materno/familiar e isso pode afetar sua saúde a longo prazo. Mais estudos são necessários para explorar as melhores alternativas para colonização e suporte ideal para esse período chave.
Referências Bibliográficas:
1. Metamoros S et al. Development of intestinal microbiota in infants and its impact on health. Trends Microbiol 2013.
2. Collado MC et al. Microbial ecology and host-microbiota interactions during early life stages. Gut Microbes 2012.
3. Jimenez E et al. Is meconium from healthy newborns actually sterile? Res Microbiol 2008.
4. Prince AL et al. The microbiome and development: a mother’s perspective. Semin Reprod Med 2014.
5. Rautava S et al. Probiotics Modulate Host-Microbe Interaction in the Placenta and Fetal Gut: A Randomized, Double-Blind, Placebo-Controlled Trial. Neonatology 2012.
6. Zimmer C. Human Microbiome May Be Seeded Before Birth. The New York Times 2013.
7. Koren O et al. Host Remodeling of the Gut Microbiome and Metabolic Changes during Pregnancy. Cell 2012.
8. Fortner KB et al. Bacteria Localization and Chorion Thinning among Preterm Premature Rupture of Membranes. PLOS One 2014.
9. Mysorekar IU and Cao B. Microbiome in parturition and preterm birth. Semin Reprod Med 2014.
10. Hantoushzadeh S et al. Comparative efficacy of probiotic yoghurt and clindamycin in treatment of bacterial vaginosis in pregnant women: A randomized clinical trial. J Matern Fetal Neonatal Med 2012.
11. Bailey MT et al. Exposure to a social stressor alters the structure of the intestinal microbiota: implications for stressor-induced immunomodulation. Brain Behav Immun 2011.
12. Bengmark S. Gut microbiota, immune development and function. Pharmacol Res 2013.
13. Cotter PD et al. The impact of antibiotics on the gut microbiota as revealed by high throughput DNA sequencing. Discov Med 2012.
14. Biedermann L et al. Smoking Cessation Induces Profound Changes in the Composition of the Intestinal Microbiota in Humans. PLOS One 2013.
15. Azad MB et al. Gut microbiota of healthy Canadian infants: profiles by mode of delivery and infant diet at 4 months. CMAJ 2013.
16. Penders J et al. Factors Influencing the Composition of the Intestinal Microbiota in Early Infancy. Pediatrics 2006.
17. Ledger WJ. Prophylactic antibiotics in obstetrics–gynecology: a current asset, a future liability? Expert Rev Ant Infect Ther 2006.
18. Ashkenazi-Hoffnung L et al. The Association of Intrapartum Antibiotic Exposure With the Incidence and Antibiotic Resistance of Infantile Late-Onset Serious Bacterial Infections. Clin Pediatr (Phila) 2011.
19. Guaraldi F and Salvatori G. Effect of Breast and Formula Feeding on Gut Microbiota Shaping in Newborns. Front Cell Infect Microbiol 2012.
20. Tollin M et al. Vernix caseosa as a multi-component defence system based on polypeptides, lipids, and their interactions. Cell Mol Life Sci 2005.
* Vídeo da NPR (National Public Radio) ilustra a interação do nosso organismo com a microbiota (áudio em Inglês): http://www.youtube.com/watch?v=5DTrENdWvvM#t=41
Fonte: www.midwifethinking.com
Rodrigo Santos é estudante de Medicina da UFRJ, colaborador do aleitamento.com e atualmente está com uma bolsa do programa Ciências sem Fronteiras.
Texto revisado por Marcus Renato de Carvalho.