GRAVIDEZ
O poder do parto
Autora de livro sobre a experiência de dar à luz, psicoterapeuta diz que as mulheres precisam retomar a condução do nascimento
ELIANE BRUM
ADRIANA NOGUEIRA
Denise Adams/ÉPOCA
Dados pessoais
Ítalo-brasileira, de 40 anos, viveu dos 5 aos 30 anos na Itália, hoje mora em São Paulo. Separada, uma filha, Beatriz, de 5 anos, nascida em casa, de parto natural
Trajetória pessoal
Formada em filosofia pela Universidade Estatal de Milão e em psicoterapia junguiana pela escola italiana de Silvia Montefoschi. Co-fundadora do site Amigas do Parto e presidente da ONG Amigas do Parto. Prepara a tese de mestrado na PUC-SP sobre a experiência do sagrado no parto
O livro é para mulheres e também para homens, para quem quer ter filhos, para quem não quer e para quem já tem. São 17 depoimentos, incluindo o das autoras, sobre a experiência feminina do parto. Algumas sublimes, outras traumáticas, outras ainda com um pouco de tudo. Em Mulheres Contam o Parto, livro de estréia da editora binacional Itália Nova, lançada em São Paulo na quarta-feira, a idéia é a retomada do parto – hoje mais entregue aos profissionais de saúde do que às mães. Engajadas nas fileiras da luta pela humanização do nascimento, as autoras Adriana Tanese Nogueira e Ciça Lessa não pretendem impor nenhum novo modelo, não ditam regras nem pregam uma volta ao passado. Querem apenas que, do jeito de cada uma, as mulheres recuperem o poder de parir. E só escolham a cesariana quando ela for mesmo necessária. Adriana deu a seguinte entrevista a ÉPOCA.
ÉPOCA – Por que o parto deixou de ser natural?
Adriana Tanese Nogueira – Porque a vida escapa ao controle e, nesta sociedade racional, temos medo. Quanto mais máquinas, mais tecnologia, maior é a ilusão de controle. Com relação aos médicos, há um problema emocional que não está sendo levado em conta na formação. Eles se sentem controladores da vida e fracassados quando o parto não segue um percurso previsível. O que a cesariana proporciona ao obstetra é o sentimento de segurança. Uma fantasia, já que as pesquisas mostram que o parto cesáreo é dez vezes mais arriscado para o bebê e quatro para a mãe. Esse fato científico é omitido pelos médicos quando marcam uma cesariana em nome da segurança. Segurança de quem?
ÉPOCA – É comum entre as mulheres de classe média e alta marcar a cesariana para não sofrer nem ter a vagina deformada. Como você interpreta?
Adriana – Nossa cultura é racional e teme tudo o que não é. As mulheres perderam a confiança no próprio corpo. Quando uma mulher urbana engravida, ela não consegue se conectar. Precisa da ultra-sonografia para saber se o bebê está lá. Parto é muito parecido com sexo. Precisa de concentração, intimidade, entrega. Não vai funcionar se tiver pressão, script para seguir, julgamento. É um momento de poder. E as mulheres têm muito medo do poder. Tiveram inserção política, entraram no mercado de trabalho, mas tudo isso foi conquistado no campo masculino. O feminino está abafado. Hoje os corpos femininos estão expostos o tempo todo, mas não se sabe o que realmente acontece com eles. Para nós, o natural se tornou extraordinário. Como pode um bebê sair por uma vagina?
TÍTULO
Mulheres Contam o Parto
AUTORAS
Adriana Tanese Nogueira e Ciça Lessa
EDITORA
Itália Nova
PREÇO/PÁGINAS
R$ 25/176
ÉPOCA – Ao mesmo tempo temos uma intervenção inédita no corpo, com as cirurgias plásticas, a malhação etc. Que dicotomia é essa?
Adriana – Isso começou quando Descartes (filósofo francês, 1596-1650) legitimou a visão de que o corpo não tem alma. O que é sagrado para nós é o que a gente pensa. Mesmo que seja uma viagem na maionese. Por isso se modela o corpo como se fosse de argila. Como confiar, então, num corpo sem inteligência, como confiar em sentimentos? Ficamos grávidas no corpo, não na cabeça. A mulher tem medo. Seu corpo não pode mudar, sua vida não pode mudar. Entra um novo ser e não pode transformar. Então, entra para quê? Por isso a mulher grávida se sente em terra estrangeira com esse corpo que se transforma à revelia. E por isso se torna cúmplice da prática médica. Entrega ao médico e se omite.
ÉPOCA – Qual é o papel da dor?
Adriana – É um rito de passagem. Não há transformação sem dor. E a dor não é necessariamente ruim. Cada mulher tem sua dor e seu parto. O parto é o espelho de cada uma. É delicado porque revela coisas profundas. Mas há uma diferença grande entre dor e sofrimento. A dor é física. Você está ajudando seu filho a nascer e dói porque ele está empurrando. Quanto mais amparada emocionalmente, menor será a dor. O sofrimento é mais complexo. É se sentir uma pobre coitada, sozinha, diante de algo que lhe parece enorme, diante do qual você se sente incompetente. Acho que o problema das mulheres é se sentir incompetentes.
Revista Época – 30.11.03