MINISTÉRIO da SAÚDE ADVERTE: Altos índices de CESÁREAS colocam em risco MÃES e BEBÊS
Prezados(as),
O recém empossado Presidente da FENAM, Paulo de Argollo Mendes, em entrevista para o Correio Braziliense em 14 de agosto de 2008, fez declarações sobre o parto normal em discordância com as diretrizes do Ministério da Saúde.
Afirma não haverem razões para as mulheres passarem pela dor de um parto normal, que o Governo Federal demoniza a cesariana, que a oferta de leitos privativos para parturientes (garantida recentemente com a publicação da RDC nº 36 da ANVISA) não seria honesta devido às “filas de espera” para atendimento na rede. Afirmou, ainda, que as mulheres que passam pelo parto normal têm a musculatura do assoalho pélvico esgarçada de modo irreversível, tem incontinência urinária e o ovário rebaixado. O parto normal e seus benefícios, segundo o Dr. Argollo Mendes, seria uma coisa mítica e natureba.
O Ministério da Saúde não é contra a cesariana, cirurgia necessária em casos de risco para a mãe e o bebê, mas contra a sua aplicação sem indicação fundamentada no conhecimento técnico-científico.
Encaminhamos abaixo Nota Técnica que explicita o posicionamento do Ministério da Saúde sobre o parto cesáreo no Brasil.
Departamento de Ações Programáticas Estratégicas
Secretaria de Atenção à Saúde
Ministério da Saúde
NOTA TÉCNICA
A QUESTÃO DA CESÁREA NO BRASIL
A assistência obstétrica no Brasil inicialmente tinha um forte componente de nascimentos domiciliares, com marcante presença de Obstetrizes como prestadoras de assistência perinatal.
A partir da década de 40 tem início o processo de institucionalização do parto. A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (1), realizada em 1996, demonstrou que 91,7% dos partos foram institucionais, com variações regionais, sendo a menor proporção na região norte.
Reflexo dessa tendência foi o crescimento das taxas de cesárea, que alcançaram valores altos em muitos estados brasileiros já na década de oitenta.
No Brasil se configuram duas situações:
– A primeira no SUS, onde são atendidos cerca de 80% dos partos, com as taxas de 28,6% em 2005 e 30,1%: em 2006;
– No setor de saúde suplementar a taxa foi 77,5% em 2005 e 80,7% em 2006.
As taxas no SUS e no sistema privado compõem uma taxa nacional de 43,2% em 2005 e 44,4% em 2006[1].
As taxas de cesárea tanto no SUS como na Saúde Suplementar vem aumentando progressivamente desde 1999. Essas taxas estão muito acima do preconizado pela Organização Mundial da Saúde (15%) (2). Há evidências de que, quanto mais as taxas se distanciam dos 15%, seja para mais ou para menos, mais forte fica sua associação com a mortalidade materna e com a mortalidade neonatal (3).
As taxas de cesáreas do Brasil das últimas décadas têm colocado o país na posição de campeão ou vice-campeão mundial de operações cesarianas.
Suas complicações potenciais para a mãe incluem lacerações acidentais, hemorragias, infecções puerperais, embolia pulmonar, íleo paralítico, e reações indesejáveis à anestesia. Já há trabalhos científicos mostrando sua associação com problemas em gestações futuras, como placenta acreta (4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12).
A publicação Saúde Brasil 2005 (13) refere à página 69; “… Um fato que chama bastante atenção é que as regiões sudeste, sul e centro-oeste, que apresentaram maiores proporções de nascidos por parto cesáreo, são as mesmas regiões que apresentaram os maiores percentuais de nascidos prematuros e com baixo peso….” reconhecendo que essa associação merece melhor investigação.
Estudo realizado no município do Rio de Janeiro por Maria do Carmo Leal et al (14), envolvendo 10.072 mulheres de 47 hospitais públicos e privados e conveniados com o SUS, identificou uma taxa de prematuridade mais elevada em hospitais privados, que detém as maiores taxas de cesárea. Esse resultado foi considerado inesperado, uma vez que a taxa prematuridade dos hospitais privados se assemelha à do SUS, sendo que as mães atendidas em hospitais privados têm a mais elevada cobertura de atendimento pré-natal e, portanto, têm maior probabilidade de fazer diagnósticos de patologias ocorridas durante a gestação.
Outrossim, o estudo “The challenge of reducing neonatal mortality in middle-income countries: findings from three Brazilian birth cohorts in 1982, 1993, and 2004”, realizado por Fernando Barros, Cesar Victora et al., publicado na Lancet, 365(9462): 847-54, 2005 (15) referente a Pelotas no estado do Rio Grande do Sul, mostrou importante incremento nas taxas de cesárea e de prematuridade: na coorte de nascidos vivos de 1982, a taxa de cesáreas foi de 28% e a proporção de prematuros era 6,3%. Já em 2004, quando 43% dos nascidos vivos de Pelotas o foram por cirurgia cesariana, a taxa de prematuridade alcançou 16,2%.
O estudo “Caesarean Delivery Rates and Pregnancy Outcomes: the 2005 WHO Global Survey on Maternal and Perinatal Health in Latin América” realizado por José Villar et all, para a Organização Mundial de Saúde, publicado no Lancet 2006; 367: 1819–29 (16) evidenciou uma associação entre os índices de cesárea e a morbidade e mortalidade materna severa, bem como com o aumento de mortalidade fetal e um maior número de bebês encaminhados para UTI neonatal por 7 ou mais dias; também foi observado que havia um incremento progressivo de nascimentos prematuros e da mortalidade neonatal quando os índices de parto cesáreo atingiam valores acima de 10%. Os autores interpretam seus achados avaliando que altos índices de parto cesáreo não indicam melhor cuidado perinatal e pode ser associado com danos para a parturiente e para o recém-nascido.
Além disso, por implicar em uma rotina de separação da mãe e filho no pós-parto imediato, com as cesáreas há um retardo no contato entre mãe e filho, e isso interfere com o estabelecimento do vínculo mãe-filho e com a instalação precoce e bem-sucedida da amamentação (12).
Desde o lançamento do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, em 1984, o Ministério da Saúde tem desenvolvido ações com a finalidade de enfrentar esta problemática. Em 1992, 2002 e 2005 foram realizados seminários com a participação de representantes das universidades federais em que se delineou os fatores determinantes das altas taxas de cesárea, definindo as estratégias para sua redução.
Em 1997 o Ministério da Saúde em parceria com FEBRASGO, movimento de mulheres e Conselho Federal de Medicina lançou a campanha,
“Natural é Parto Normal”.
Em 2006, lançou em parceria com a Agência Nacional de Saúde Suplementar a campanha pelo “Parto Normal Humanizado e Redução das Cesáreas Desnecessárias”
A partir de maio de 1998, foram editadas várias portarias ministeriais, com vistas à redução das taxas de cesárea nos hospitais do Sistema Único de Saúde:
· portaria 2.816 de 29/05/1998, que implantou a crítica visando o pagamento de percentual máximo de cesarianas em relação ao total de partos por hospital (com redução semestral gradativa da taxa de cesárea, visando atingir 30% no primeiro semestre de 2000);
· portaria 94 de 16/07/1998, que alterou a sistemática de apresentação de AIHs caso o total de cesarianas ultrapassasse o limite previsto na portaria 2816;
· portaria 865 de 03/07/1999, que re-definiu o item 1 da portaria 2816, estendendo o prazo para alcançar o percentual de 30% para o segundo semestre de 2000;
· portaria 466 de 14/06/2000 (retificada em 30/06/2000), que instituiu o Pacto para Redução das Taxas de Cesarianas a ser firmado entre estados/DF com o Ministério da Saúde até final de junho de 2000. Estabelecia para cada Estado e DF limite percentual máximo com redução gradativa de cesarianas desde 2000 a 2007, para alcançar 25%, e dava outras providências;
· portaria 462 de 04/04/2001 – definiu para DF e estados que não aderiram ao Pacto proposto na portaria 466 limites totais de taxas de cesárea para 2001;
· portaria 2080 de 13/11/2001 – revoga o artigo da portaria 466 que limita o prazo para adesão ao Pacto pela Redução das Taxas de Cesárea;
· portaria 179 de 29/01/2002 – define para as UFs que não aderiram ao Pacto o limite de 27% por hospital para o primeiro semestre de 2002.
As medidas adotadas até o presente visando coibir a prática abusiva surtiram efeito limitado, apontando a necessidade de incluir estratégias para redução das práticas abusivas de cesáreas nos hospitais privados e de convênios.
Reconhecendo que a questão das altas taxas de cesárea no Brasil é determinada por múltiplos fatores-históricos, estruturais, conjunturais, se constituindo como um problema de saúde pública a ser enfrentado pelos diferentes atores sociais, a redução das taxas de cesáreas desnecessárias foi incorporada como ação estratégica do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal que tem como parceiro atuante a ANS, e no Pacto de Gestão.
REFERÊNCIAS
1- SOCIEDADE CIVIL DE BEM-ESTAR FAMILIAR NO BRASIL. Pesquisa nacional sobre demografia e saúde, 1996. Rio de Janeiro, Benfam, 1997
2- WORLD HEALTH ORGANIZATION. Appropriate technology for birth. Lancet, 2: 436-7, 1985.
3- BETRAN A., MERIALDI M. ET AL. Rates of caesarean section: analysis of global, regional and national estimates. Paediatric Perinatal Epidemiology, 21(2): 98-113, 2007
4- BURT RD et al. Evaluating the risks of cesarean section: low apgar score in repeat C-section and vaginal deliveries. Am J Public Health, 78: 1312-4, 1988.
5- FAUNDES A et al. A operação cesárea no Brasil: incidência, tendências, causas, conseqüências e propostas de ação. Cad Saúde Pública, 7: 150-73, 1991.
6- HANSEN A K et al. Risk of respiratory morbidity in term infants delivered by elective caesarean section. BMJ, 336: 85-87, 2008.
7- KRANTZ ME et al. Epidemiological analysis of the increased risk of disturbed respiratory adaptation after cesarean section. Acta Paediatric Scand, 75: 832-9, 1986.
8- NIELSEN T et al. Cesarean section and intraoperative surgical complications. Acta Obstet Gynecol Scand. 149: 431-5, 1984.
9- OTAMIRI G et al. Delayed neurological adaptation in infants delivered by elective cesarean secton and the relation to catecholamine levels. Early Human Dev. 26: 51-60, 1991.
10- PETTITI DB et al. In hospital maternal mortality in the United States: time trends and relation to method of delivery. Obstet Gynecol,.59: 6-12, 1982.
11- PETTITI DB. Maternal mortality and morbidity in cesarean section. Clin Obstet Gynecol, 28: 763-9, 1985
12- RATTNER D. Sobre a hipótese de estabilização das taxas de cesárea do Estado de São Paulo, Brasil. Re. Saúde Pública, 30(1): 19-33, 1996.
13- MINISTÉRIO DA SAÚDE. Saúde Brasil 2005. Uma análise da situação de Saúde. Brasília, 2005.
14- LEAL et al. Fatores associados à morbi-mortalidade perinatal em uma amostra de maternidades públicas e privadas do Município do Rio de Janeiro, 1999-2001. Cad. Saude Publica 20, Sup 1: S20-S33, 2004
15 – BARROS F, VICTORA C et al. The challenge of reducing neonatal mortality in middle-income countries: findings from three Brazilian birth cohorts in 1982, 1993, and 2004” , Lancet, 365(9462): 847-54, 2005
16 – VILLAR et al. Rates and Pregnancy outcomes: the 2005 WHO global survey on maternal and perinatal health in Latin América. Lancet 2006; 367: 1819–29.
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Leia mais aqui no aleitamento.com várias matérias sobre o tema:
2/12/2003
“Epidemia de CESAREANAS” prejudica mães e bebês
19/9/2006
NASCER por CESÁREA: MAIS RISCO de MORRER
2/1/2008
CESARINA FAZ MAL TAMBÉM PARA O BEBÊ, mesmo sendo a “NATURAL”
3/12/2003
Mulheres precisam retomar a condução do nascimento
27/6/2007
PARTO NORMAL: objeto de PRÊMIO de MEDICINA & JORNALISMO
…
[1] Dados preliminares.