Humanização é realidade no Hospital Sofia Feldman,
em Belo Horizonte
Um detalhe chama a atenção de quem circula por qualquer um dos dois Centros de Parto Normal do Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte: os quartos foram batizados com nomes de personalidades femininas importantes da história mineira e nacional, como Dona Beija, Chica da Silva e Adélia Prado. A homenagem é coerente com a filosofia de atendimento humanizado dessa maternidade de grande porte, em que se incentiva o protagonismo da mulher no parto.
Por várias razões, a experiência desse hospital na atenção ao parto e nascimento é referência nacional em atenção humanizada e boas práticas. Muitas das características da ambiência hospitalar e da dinâmica de trabalho aparecem como recomendações do programa Rede Cegonha do Ministério da Saúde. O recém-inaugurado Centro de Parto Normal Helena Greco (nas dependências do prédio principal) conta com cinco quartos espaçosos e iluminados e três com banheiras para parto na água. E o Centro de Parto Normal David Capistrano da Costa Filho (com entrada independente), criado em 2001 e conhecido como Casa de Parto, conta também com cinco quartos, um com banheira.
Mesmo sendo referência para alta complexidade em todo o estado de Minas Gerais, a taxa de cesariana no Sofia Feldman é de cerca de 25%, menor do que a da rede pública como um todo. O hospital apresenta também as menores taxas de mortalidade materna e neonatal de Belo Horizonte, segundo informações da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde. Dos mais de 7 mil bebês que nascem ali, cerca de 10% nascem na Casa de Parto.
Os partos feitos ali são assistidos por enfermeiras obstétricas, como Nágela Cristine Pinheiro Santos, que está há 16 anos no Sofia Feldman e ajudou a elaborar o projeto do espaço e a desenvolver dispositivos para dar mais conforto à mulher, como um arco de metal adaptado à cama, que facilita a posição de cócoras. “A Casa de Parto Normal dá à mulher poder de decidir o que quer na hora do parto, como em que posição ficar”, diz Nágela, que esteve em maternidades da região Nordeste e da Amazônia Legal para difundir suas experiências por meio do Programa de Qualificação das Maternidades (PQM) e, em fevereiro, participou de um seminário de humanização no Camboja. “Medidas simples como um chuveiro quente ou uma cortina separando leitos em uma enfermaria conjunta dão resultado imediato de mais conforto e privacidade”, conta. Ela lembra, porém, que a humanização é mais do que o ambiente confortável. “A instituição como um todo precisa entender e incorporar a humanização”.
O diretor administrativo do hospital, Ivo Oliveira Lopes, concorda. “Alguns direitos, para serem garantidos, não demandam recursos. Nós, gestores, temos o dever de preservá-los. O parto é da mulher, não um ato médico. Assistir o parto não é tomar o lugar da mulher, e o enfermeiro obstétrico, ao lado de todos os outros profissionais, é fundamental”, considera. “A tecnologia que chega é muito bem-vinda, mas para quem tem necessidade real, não por uma necessidade mercantilista”, reforça o médico, que destaca o reconhecimento obtido pelo Sofia como Hospital Amigo da Criança, conferido pelo Unicef, e o Prêmio Maternidade Segura, recebido da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
Segundo ele, os bons resultados são devidos principalmente à participação da comunidade. “A gestão participativa determina os rumos da humanização”, explica ele, acrescentando que esse aspecto esteve presente no hospital desde o início de sua história. Construído em sistema de mutirão por voluntários da comunidade a partir da doação de um lote para uma sociedade beneficente, o Sofia Feldman foi inaugurado, ainda como ambulatório, em 1977, passando a atender como hospital em 1982.
Em 1988, a entidade mantenedora passou a ser a Fundação de Assistência Integral à Saúde (Fais). Hoje, é uma instituição pública, não governamental, que atende exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). As questões administrativas do hospital são definidas e decididas pelo colegiado diretor, composto por 16 pessoas de diferentes perfis profissionais.
Todos os dias, são promovidas reuniões com parturientes e acompanhantes para avaliar o atendimento. “Queremos entender a singularidade de cada ser humano e da sua rede social. Oferecer atendimento baseado em evidências científicas é o mínimo”, explica Ivo, para quem a humanização passa também pelas relações entre trabalhadores e gestores. “Mulheres são 80% das nossas trabalhadoras, por isso as questões de gênero estão ainda mais presentes”, diz. O Sofia dispõe de academia e creche para as funcionárias, e promove ações de comunicação e eventos de integração entre a família do trabalhador e o hospital.
Há ainda o Núcleo de Terapias Integrativas e Complementares, que atende tanto funcionários quanto gestantes e mães com bebês internados, com práticas da medicina tradicional, como escalda-pés e auriculoterapia. A enfermeira Lília Coelho Lopes está à frente do núcleo e trabalha com uma equipe de voluntárias. “O objetivo é estimular os processos de cura internos. É um trabalho coadjuvante ao da alopatia, que representa o acolhimento e diminui a ansiedade das gestantes”, diz Lília.
Manejo conservador
Com 40% da mulheres provenientes do interior do estado, o Sofia precisou desenvolver iniciativas criativas para atendê-las, que foram incorporadas ao modelo de gestão do hospital. A Casa da Gestante Zilda Arns recebe gestantes com agravos em um espaço próximo ao hospital, evitando viagens desgastantes de ida e volta para casa para aqueles que moram distante do hospital, e até partos antecipados. Já a Casa de Sofias acolhe mães que vêm de longe e têm filhos internados na UTI neonatal. Criadas por iniciativa dos gestores, passaram a ser financiadas pelo Ministério da Saúde através da adesão ao programa Rede Cegonha.
“Para um prematuro, ficar quatro semanas a mais dentro do útero significa viver ou morrer”, explica a pediatra Raquel Aparecida Lima de Paula, responsável pela área de neonatologia do hospital, que reforça a importância do manejo conservador das gestações de risco. “A política pública mais eficaz consegue reduzir os gastos com atenção terciária. De modo geral, a família tem excesso de confiança na tecnologia, mas a melhor incubadora é o útero da mãe. Historicamente há uma inversão, com muitos recursos para a atenção terciária, como construção de UTIs neonatais. Os equipamentos são caros e não resolvem a questão principal”, comenta a médica.
Raquel aponta como um dos pontos positivos do Rede Cegonha a correção das distorções da tabela de procedimentos obstétricos e neonatais.
Ela acredita que o programa pode representar uma inflexão no modelo de assistência e “começa a inverter essa lógica de assistência da obstetrícia e da neonatologia. É como se o que nós idealizamos aqui pudéssemos ver no Brasil inteiro”.
Dia 8 de agosto na Maternidade Escola da UFRJ as 10h teremos uma conferência de abertura do Curso AISMI sobre o “Sofia Feldman” e seu modelo de atenção.
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