De: Coordenação Nacional ReHuNa
Para: CREMERJ, com cópia para os demais CRMs, Ministério Público, Mídia Local Regional e Nacional
Assunto: Esclarecimentos (presta)
Exmo. Presidente do CREMERJ
A Rede pela Humanização do Parto e Nascimento – ReHuNa – foi fundada em 17/10/1993 com o objetivo de:
1 – Mostrar os riscos para a saúde das mães e bebês das praticas
obstétricas inadequadamente intervencionistas.
2 – Resgatar o momento do nascimento como evento existencial e sócio-cultural crítico com profundas e extensas conseqüências pessoais.
3 – Revalorizar as posturas e condutas face ao nascimento de uma nova vida humanizando o significado do parto e do nascimento
4 – Incentivar as mulheres a se reapropriarem de suas vidas, aumentando sua autonomia e decisão sobre seus corpos e seus partos.
5 – Aliadas ao conhecimento técnico- científico sistematizado e
comprovado, resgatar práticas humanizadas tradicionais de assistência ao parto e nascimento.
(Vide “Carta de Campinas” em Anexo)
Contamos atualmente com cerca de 290 filiados, entre indivíduos e
instituições, espalhados por diversos estados brasileiros e outros
países, mantendo conexões institucionais de aperfeiçoamento e
intercâmbio com outras nações.
Fomos informados que o JORNAL DO CREMERJ – nov/2003, em matéria de CAPA noticiava: “CASAS DE PARTO: DESRESPEITO À GESTANTE E AO ATO MÉDICO”.
Seguem abaixo alguns trechos que mais nos impactaram:
“A prefeitura do Rio de Janeiro pretende inaugurar brevemente duas Casas de parto na zona oeste de nossa cidade com o objetivo de oferecer às gestantes de baixo risco do município a opção de um parto fisiológico, com maior autonomia da mulher…O conselho regional de medicina do Estado do Rio de Janeiro, preocupado com a qualidade da assistência prestada à parturiente eao seu filho, vem combatendo este projeto, por entender que expõe a riscos absolutamente desnecessários as mulheres da nossa cidade…Qualquer médico e também enfermeira obstetriz sabe que a evolução de um parto é imprevisível…A suposta “humanização do parto, que tal proposta insere, é lastimável, pois não achamos que a
assistência prestada pelos médicos seja desumana e, se problemas houver, sempre estivemos e estaremos prontos a equacioná-los e resolvê-los.
E outras afirmações do mesmo jaez. Daí decorre que o CREMERJ está propondo que o Município não abra as casas de parto, acionando a Secretaria Municipal de Saúde judicialmente.
Antecipando-se a um amplo processo de articulação interinstitucional e de provimento às usuárias de informações baseadas em evidências científicas bem como dos elevados e vergonhosos índices de morbi-mortalidade materna e perinatal do modelo hospitalocêntrico e tecnocrático; em 29/11/2003 reuniu-se uma comissão tirada de uma plenária do XIII Encontro de Gestação e Parto Conscientes, XII Plenária da ReHuNa e II Encontro Nacional de Doulas, com a finalidade de redigir alguns documentos que registrem nossa posição frente a fatos semelhantes que evocam “reticências e resistências psicológicas “ às mudanças exigidas pelos novos paradigmas da prática obstétrica orientados “pelas bases psicológicas e fisiológicas do manejo humanizado do parto natural”. (BARCIA, Caldeyro-1977)
Devemos salientar, para iniciar esta interlocução interinstitucional,
algumas críticas aos termos veiculados na notícia do citado jornal do CREMERJ e data vênia, ressaltar que não estão sendo consideradas pelo CREMERJ as evidências cientificas que constam da biblioteca OMS de Saúde reprodutiva e que orientam a nossa práxis também apoiada nas recomendações da OMS, FIGO, Febrasgo e portaria 09/99/MS, que trata da adesão dos municípios ao Programa de Humanização da Atenção Perinatal do Ministério da Saúde.
Renovada vênia, observamos que a interpretação tendenciosa, para não dizer falsa, noticiada pelo CREMERJ sobre as Casas de Parto pode até sugerir, se confrontada com as evidências científicas que apontam o fracasso do modelo hospitalocêntrico e afirmam os resultados positivos surpreendentes das experiências semelhantes no Brasil e em diversos países; que o CREMERJ, ao colocar-se de forma tão explícita contra as entidades de reconhecimento internacional que afirmam o contrário do que o CREMERJ noticia (como a OMS – CLAP – Ministério da Saúde), desconhece que segundo as evidências científicas , não existem justificativas para limitar-se o livre arbítrio, o protagonismo, o respeito ao tempo e ao ritmo próprio do processo fisiológico de cada parto, que deve-se respeitar o direito à privacidade da mulher particularmente no momento de estabelecimento de “vínculos protetores mãe – filho”. Estas constatações também são endossadas pela biblioteca Cochrane, autoridade internacional de medicina baseada em evidências, vinculada à Universidade de Oxford – Inglaterra.
Data Máxima vênia informamos que inclusive nos sentiremos no direito de supor se não seriam outros os objetivos que não o benefício das usuárias ou a verdade dos fatos que estejam impulsionando a citada publicação do egrégio Conselho. Apenas citando duas vertentes da literatura que se ocupam, uma das questões de parto e nascimento e a outra do fenômeno “da violência de gênero e geração” (LACRI-IP-USP-1998); ambas sugerindo a necessidade e estabelecimento de políticas públicas de gênero – geração centradas no modelo do empoderamento (empowerment) ou do protagonismo social de mulheres, crianças e adolescentes; é público e notório que as menores taxas de mortalidade materna e perinatal encontram-se em países onde o parto é visto como processo fisiológico e natural, onde inclusive metade dos partos acontece fora do hospital.
Ademais se o egrégio Conselho postula aos seus filiados, que as usuárias têm o sagrado direito de exercer a “Escolha Informada”, estabelece, nesta publicação, uma contradição quando trabalha para restringir-lhes as opções. Há dados da literatura internacional que revelam pesquisas de opinião de usuárias, onde as Casas de Partos são apontadas como um espaço que proporciona uma vivência que nitidamente fortalece as mulheres, lhes dá crédito e contribui para reverter a cultura do medo/dor no parto natural, melhor dito, simultaneamente dá forças ao movimento pela humanização do nascimento e ao do empoderamento (empowerment) feminino, numa estratégia de gênero/geração.
Cabe lembrar que tanto o modelo das Casas de Parto, do século XIX na França, pertencentes às SAGES FEMMES, Obstetrizes Médicas quanto o modelo do Midwifeary Americano, originariamente conduzidas por ENFERMEIRAS; são modelos hospitalo- cêntricos, de formação Higienista.
Curiosamente estes modelos se constituíram em instrumentos que
instituiram, conforme o racionalismo positivista, elementos de
impregnação abrahâmico – patriarcal – ocidental na cultura ocidental, ou seja; contribuiram para estabelecer a ciência médica e a atenção hospitalocêntrica no parto, uma cultura predatória, que busca exercer simultaneamente o controle sobre o corpo, a sexualidade, a corporeidade, a mulher e o vínculo com a criança no imaginário social.
Com base na HISTORIA DAS MULHERES NA CIENCIA há muito o que se pesquisar e ainda não estamos no momento, face à crise universal da hegemonia das ciências, enquanto ciência, seja qual for a categoria profissional envolvida direta ou indiretamente com a questão da condução do parto, sejam os médicos ou as enfermeiras; em posição de arriscar atitudes de impacto epidemiológico que na verdade sejam de iniciativa e/ou benefícios unilaterais, de orientação autoritária.
Devemos sim, unir esforços para rever ambos os modelos de atenção, norteados pelos princípios da homanização. Na perspectiva isenta da ReHuNa, que por representar várias categorias profissionais que se articulam pela humanização; a questão não se polarizaria mais entre o espaço dos médicos ou das enfermeiras; a polaridade agora se dará entre o que seja e o que não seja melhor para o binômio materno- infantil, com reflexos indiscutíveis no bem estar das equipes multiprofissionais, porque sem a obrigatoriedade de intervir trabalham com menos stress; para a família, porque participa do momento do nascimento; para a sociedade porque se beneficiará de receber de forma não violenta as próximas gerações e ainda lhes garantir vínculos protetores mãe- bebê.
Finalmente, deve-se observar que como medida de cautela, é realizada uma triagem e somente grávidas comprovadamente de baixo risco são atendidas em Casas de Parto. O ambiente é acolhedor e desmedicalizado. Nas Casas pratica-se o parto humanizado, ou seja, a mulher é participante ativa das decisões, escolhe a posição do parto, utiliza a água morna como mecanismo não farmacológico de alívio da dor , caminha segundo a sua necessidade contribuindo com a posição vertical para facilitar a dinâmica da rotação e da descida do bebê, é massageada se desejar e faz exercícios assistida por alguém treinado para oferecer as orientações que se fizerem necessárias. A presença de acompanhantes não só é possível, como é incentivada. Nos estados de São Paulo, Espírito Santo e Santa Catarina já existem leis que regulamentam e garantem à parturiente a presença de um acompanhante durante o trabalho de parto e no parto.
Temos bons exemplos do excelente funcionamento das Casas de Parto como alternativa aos partos eutócicos em ambiente hospitalar em São Paulo, como a Casa de Parto de Sapopemba e a Casa de Maria, onde todos os partos normais ocorrem sem intervenções desnecessárias de rotina.
Funcionando em sistema de referência e contra- referência, com
orientação de fluxo entre os ambulatórios onde se realiza o pré-natal e os hospitais que atendem as distócias; segundo normatização do Ministério da Saúde; as enfermeiras encaminham para o hospital a parturiente ao menor sinal de distócia. Em média acontecem 2 remoções por mês para o hospital, e mesmo assim geralmente os partos acabam sendo normais sem nenhum tipo de intervenção. O Dr. João Batista Marinho de Castro Lima pode apresentar os números das intervenções da Casa de Parto que funciona acoplada ao Hospital Sophia Feldman, referência em humanização, Hospital Amigo da Criança e agraciado pelo prêmio Galba Araújo.
Enquanto isto o Rio de janeiro exibe índices absurdos de cesáreas.
Algumas maternidades particulares chegam a atingir 98% de cesáreas. Nas Casas de Parto temos esses mesmo índice de partos normais e naturais.
Sabemos que as cesarianas desnecessárias ou cesarianas por motivo fútil acrescem de 10 vezes as taxas de mortalidade de recém-natos e em 4 vezes a mortalidade materna, resultado de uma ritualística de atenção ao parto natural centrada numa sucessão de procedimentos ” desnecessários, caros, arriscados e dolorosos”, segundo a literatura da medicina baseada em evidências científicas, quais sejam: tricotomia, enteroclisma, indução com ocitócitos sintéticos e episiotomia de rotina.
Ao contrário, países como o Japão e a Holanda, em que os partos de baixo risco são desmedicalizados, isentos de intervenções desnecessárias; as taxas de mortalidade são as menores do mundo.
As bases da atuação ética profissional, mormente dos médicos, conforme princípios estabelecidos nacional e internacionalmente, são a autonomia, beneficência, não maleficência, justiça e eqüidade. No nosso entender, as casas de partos contemplam esse princípios, assim como os direitos sexuais e reprodutivos.
Vale lembrar que é direito e dever estatutário desta nossa instituição, que luta pelo processo de humanização do nascimento no nosso país, questionar publicamente quaisquer outros interesses que estiverem envolvidos na formulação de estratégias semelhantes à matéria veiculada sob a responsabilidade do CREMERJ quanto aos motivos de omissão de detalhes relevantes. No nosso entender, outras motivações preponderaram, fazendo com que evidências
científicas e avaliações de resolutividade-produtividade do modelo
hospitalocêntrico tenham sido descartadas, resultando numa acusação precipitada baseada em interpretações tendenciosas e opiniões despregadas das realidades científicas.
Sendo o que se apresenta para o momento e certos da presteza de sua atenção para as questões do elevado espírito do exercício da medicina, agradecemos antecipadamente reiterando protestos de elevada estima e consideração.
Atenciosamente
Pela coordenação
Daphne Rattner- CRM-SP:
Ricardo Herbet Jones- CRM-RGS:
Silvia Almeida de Oliveira Costa Martinez- CRM-MG: 260495