Médicos desaprendem o parto normal
Milhares de brasileiras todos os dias passam pela mesma situação da bancária Cláudia Carneiro. Deixam a maternidade com o filho no colo, aumentando as estatísticas que tornam o Brasil um dos países que mais fazem cesarianas no mundo.
“Tem hospitais privados que tem 90%, 98% de partos cesáreas”, afirma Maria José Araújo, coordenadora Área de Saúde da Mulher no Ministério da Saúde.
“Meu filho nasceu com 3,230 quilos. Minha médica me falou que com esse peso era muito grande para fazer um parto norma”, conta Cláudia.
“Um peso de 3,2 quilos, somente pelo peso, não justificaria uma intervenção cirúrgica, não justificaria uma cesariana”, afirma o obstetra Laudelino Lopes.
“No primeiro mês de gravidez o médico falou que normalmente é feito cesárea. Que é mais seguro, e que ele trabalha com cesárea. Eu falei que se estivesse em condições normais de parto, por que não? Ele respondeu que é melhor para a mãe e para o bebê”, conta uma grávida. “Aí eu troquei de médico”, diz.
O governo vem implantando há alguns anos uma política na tentativa de diminuir o número de cesarianas nos hospitais públicos do país. Hoje, os hospitais, para receber do Sistema Único de Saúde (SUS), podem fazer 25% de cesarianas, no máximo. O restante tem que ser parto normal. Mas será que isso acontece?
“Eu não conheço nenhum hospital que tenha restringido a cesariana porque não vai receber”, comenta Ricardo Oliveira e Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia no Rio de Janeiro.
“Em geral, houve uma redução da cesárea no Brasil nos hospitais conveniados com o Sistema Único de Saúde dos hospitais públicos”, afirma Maria José Araújo.
Mas afinal, por que no Brasil se faz tantas cesáreas? Uns dizem que é o medo de um processo judicial. Os obstetras são, hoje, os médicos mais processados por complicações em partos normais.
“É um número preocupante e pressiona também a taxa de cesariana, isso de uma maneira universal, não é só no Brasil”, comenta Ricardo Oliveira.
E o fator financeiro, também pesa na decisão da cesárea?
“O médico está aviltado, sobrecarregado. Ele precisa trabalhar em quatro, cinco lugares e, freqüentemente não tem a disponibilidade de passar oito horas, dez horas ou doze horas para receber o que uma seguradora de saúde paga hoje em dia”, ressalta Laudelino.
Os convênios pagam cerca de R$ 450 reais, independente do tipo de parto. Assim, muitos médicos preferem fazer uma cesariana, com a segurança de dia e hora marcados, do que um parto normal, onde eles estariam sujeitos a trabalhar por um número imprevisível de horas pela mesma remuneração.
Mas um motivo em especial está preocupando bastante aqueles que querem ver reduzido o número de cesarianas no país. Os médicos estariam perdendo a habilidade para fazer um parto normal.
“É verdade. Esse treinamento infelizmente está terminando, está acabando. Ou os médicos não sabem, ou praticam pouco, ou desaprendem”, afirma Laudelino
A parteira americana Aina Graskin já rodou o mundo em defesa do parto normal. Esta semana, esteve no Brasil para divulgar técnicas que criou e que hoje fazem parte da literatura médica obstetrícia americana.
Graskin acha que parteiras experientes devem ajudar na formação dos médicos, dentro das faculdades, ensinando as técnicas do parto natural.
“Eu e muita gente não está apta para fazer um parto normal que tenha complicações”, assume José Resende Filho, obstetra da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Mas isso vários médicos não confessam para as gestantes quando “sugerem” a cesariana. Preferem destacar as vantagens.
“Foi criada no Brasil uma cultura de que o parto cesáreo é melhor, dói menos, que não elastece a vagina, que a mulher vai continuar jovem para a relação sexual”, destaca Maria José.
E as desvantagens? “As mulheres e crianças que nascem de parto cesárea têm muito maior possibilidade de complicações e as mulheres também, de infecção, de hemorragia, e de outro problema. As crianças podem nascer prematuras, com o pulmão prematuro, com problemas respiratórios”, ressalta Maria José.
“Existem vantagens e desvantagens nas duas vias de parto”, afirma Marcelo Zugay, obstetra da Universidade de São Paulo (USP).
Existe também muita desinformação. Por isso, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia está lutando para tornar obrigatória a assinatura, por parte das gestantes, do “consentimento informado”, um formulário que relaciona os riscos dos dois procedimentos.
Informações como esta, por exemplo: “Para as crianças com menos de 39 semanas de idade gestacional, o parto vaginal seria melhor”, orienta Zugay. “Eu não sabia disso”, conta Cláudia Carneiro.
O consentimento autorizado, evitaria isso? “Pelo menos não vamos ter respostas como: Eu não sabia disso.”
Este foi um dos vários temas debatidos no
XIII ENCONTRO DE GESTAÇÃO E PARTO NATURAL CONSCIENTES
XII Plenária da ReHuNa
nos quais estivemos presentes.
Prof. Marcus Renato de Carvalho