Prof. GALBA DE ARAÚJO:
nossa HOMENAGEM e GRATIDÃO
O Ministério da Saúde, em um momento de muita felicidade e adequação, instituiu o Prêmio Galba de Araújo (1999), procurando reconhecer os esforços desenvolvidos pelos profissionais da saúde nas instituições públicas e privadas na luta constante pelo desenvolvimento de práticas inovadoras voltadas para a humanização da atenção à mulher e ao recém-nascido.
José Galba de Araújo nasceu em Sobral, Ceará, no dia 31 de maio de 1917. Filho de Leocádio Araujo Filho e Joaquina Bastos.
Estudou em Fortaleza, terminando o curso secundário no Colégio dos Maristas, hoje Colégio Cearense, foi para Salvador fazer seu curso de Medicina, colando grau em dezembro de 1941, pela Universidade Federal da Bahia.
Em seguida foi para os Estados Unidos fazer sua Residência médica e Especialização em Ginecologia e Obstetrícia:
– Internship no Illinois Central Hospital em Chicago – 1942
– Residência no Lake Forest Hospital em Battle Creek, Michigan 1943
– Residência no American Legion Hospital em Battle Creek, Michigan – 1944
Casou com Alice Lorene Wilkinson Dailey, nutricionista americana mãe de seus 6 filhos e colaboradora de sua obra e companheira de toda a sua vida.
Em 1945, chegando a Fortaleza e entusiasmado com os novos métodos que aprendera, pôs em prática sua aprendizagem, tornando-se assim, um Ginecologista e Obstetra famoso pelos seus métodos sofisticados e modernos.
Exerceu a pratica privada de Obstetrícia e Ginecologia, a docência e diversos cargos:
– Médico da Legião Brasileira de Assistência (LBA);
– Médico do IPEC;
– Diretor da Maternidade Dr. João Moreira (1945-1965);
– Presidente do Centro Médico Cearense (1959-1960);
– Professor-Titular da Cadeira de Ginecologia e Obstetrícia do Curso de
Medicina na Universidade Federal do Ceará – (1959 –1985);
– Membro da Academia Cearense de Medicina, Cadeira nº 40, tendo como
Patrono o Dr. João da Rocha Moreira;
– Presidente da Sociedade Cearense de Obstetrícia e Ginecologia (1973 –
1974);
– Presidente da Sociedade Cearense para Estudo da Reprodução
Humana (1976-1979);
– Consultor temporário da Organização Pan Americana de Saúde
(OPAS/OMS), para assuntos de Saúde Materno-Infantil, em Montevideo em 1978;
– Duas vezes administrou a Maternidade Dr. César Cals.
– Fundador e Diretor da Escola Johnson – 1962 – uma escola modelo de 1º
Grau, para filhos dos funcionários da Empresa Ceras Johnson do Brasil;
– Membro da Diretoria Executiva do IAMAHEN (Associação Internacional de
Saúde materna e Neonatal) com sede em Genebra, desde 1983;
– Membro da Comissão de Educação Médica em Obstetrícia e Ginecologia da FIGO (Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia) cuja sede passa ao país do presidente eleito para a próxima reunião. 1985 – Berlim; 1988 – Rio;
– Professor Convidado para participar como Membro-Examinador de Bancas de Concursos para Professores Titulares e Livre-Docentes em 12 Escolas e Universidades Federais;
– Diretor da Maternidade Escola Assis Chateaubriand, parte do complexo da Universidade Federal de Medicina do Estado do Ceará, desde 1964 até a sua morte;
– Professor Convidado para participar como Palestrante em inúmeros
Congressos e Workshops Nacionais e Internacionais
Escreveu vários artigos, capítulos de livros e livros, no país e no exterior, sobre assuntos de ginecologia, obstetrícia, cuidados primários de saúde, serviços de saúde da comunidade e profissionais não formais da área materno-infantil. Ficou assim, mundialmente, conhecido pelo seu trabalho desenvolvido na saúde pública, na medicina social e pelo seu pioneirismo em vários aspectos da medicina.
Introduziu no Ceará a forma natural de nascimento em 1960 e o primeiro método mecânico de contracepção, em 1945 (Diafragma).
Dotado de uma extraordinária força interna e determinação de realizar coisas modernas, inovadoras, diferentes e até contestadoras na medicina, ao regressar em 1945, após um período longo de residência e aperfeiçoamento em obstetrícia nos Estados Unidos, logo depois de sua formatura na Faculdade de Medicina da Bahia, passou a assumir uma posição de liderança em Fortaleza, justamente por essas suas qualidades. Nessa época estimulavam-lhe os avanços tecnológicos, a medicina mais avançada, o parto mais técnico e científico, a clínica do mais inovador e a dor mais perfeitamente sedada farmacologicamente.
Foi rápido e veloz no seu progresso como profissional trabalhador e muito capaz. Muito cedo transformou-se em um dos maiores obstetras da Capital e seu trabalho passou a ser conhecido em todo o país. A implantação do parto sem dor foi um grande êxito e suas demonstrações técnicas e científicas lhe asseguraram rapidamente um papel importante na obstetrícia nacional.
Como uma de suas características pessoais mais significativas ressalto o seu estilo de vida esportivo, sadio e extremamente vinculado com a natureza. Como um famoso pescador e caçador, verdadeiro descendente de índio que era, encontrava como passatempo predileto as viagens pelos interiores do Estado e do país, ocasiões em que estava sempre em contato com o povo pobre e necessitado. São deliciosas as estórias que contava de suas andanças e experiências com os caboclos, suas mulheres e seus partos.
Sua origem em uma estável e honrada família, sua descendência e sua formação, explicam, em parte, toda a sua personalidade de luta pela vida de uma maneira destemida e vigorosa. Galba não tinha medo de nada, pelo menos não das coisas que nós costumamos sentir.
Mas parecia que algo lhe faltava na sua vida profissional, apesar do sucesso econômico e grande repercussão no meio médico como um grande obstetra.
Foi quando, em 1975, então diretor da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC) e professor de obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, verificou que um grande número de parturientes do interior do Estado procurava a Maternidade para tratamento obstétrico, acompanhadas por parteiras empíricas ou tradicionais. Também comprovou que elas se mostravam muito preocupadas e interessadas por suas “amigas”, demonstrando um verdadeiro mecanismo psicológico de dependência e de relacionamento parteira-parturiente. E mais do que isso, comprovou a excepcional atitude de honestidade, interesse e dedicação, sem buscar vantagens financeiras e somente parecendo cumprir com as determinações sociais da comunidade ou, algumas vezes, desígnios superiores.
Preocupou-se então quando evidenciou que a maioria das mulheres que eram trazidas pelas parteiras, também chamadas de “curiosas”, apresentavam complicações obstétricas agravadas pela demora no deslocamento por falta de transporte ou pela inexistência de meios técnicos para uma assistência a nível local.
Não sabemos como o problema evoluiu na sua mente e também não sabemos como o processo de verdadeira “desdiferenciação” científica se processou. Como o seu “eu” tecnológico, científico e produto de uma sofisticação adquirida em grande centro médico americano, acrescida de sua condição como professor catedrático de uma Universidade e médico famoso das grã-finas da Capital, converteu-se em um médico do social, da comunidade desamparada, do pobre do interior, da medicina alternativa, do procedimento completamente adequado e tudo o mais que gerou-se a partir de então.
Não sabemos como o “bruxo” ou “feiticeiro” que existe dentro de cada um de nós, e muito mais dentro do Galba, apareceu e explodiu.
De repente, o homem-ciência conseguiu conviver com o homem-feiticeiro de uma maneira, nem sempre harmônica, mas muito produtiva.
E todo um enorme programa de atenção ao parto, uso adequado da tecnologia, estímulo aos medicamentos caseiros e respeito às tradições locais e manifestações religiosas, foi idealizado por ele e desenvolvido com a ajuda dos outros aprendizes de feiticeiros que acorreram em busca de algo que não sabiam muito bem o que era, no princípio da coisa.
E já em 1975 criava o famoso programa materno-infantil, denominado de Programa Comunitário de Saúde Familiar, com treinamento de parteiras empíricas, com o parto normal domiciliar e identificação das gestantes de alto risco, através de um trabalhoso e difícil mecanismo de convencimento ao público, aos políticos, autoridades e, principalmente, a classe médica.
Rapidamente começou a agir, a lutar e a tentar convencer a muitos, de suas verdades, de seus princípios e de suas intenções. Guaiuba e Lagoa-Redonda (vilas), ficaram famosas pelos excepcionais êxitos alcançados no início de suas atividades.
O sucesso do programa espalhou-se e autoridades e líderes locais de diferentes comunidades carentes passaram a procurar Galba no sentido de que fossem incorporados e, ao longo do tempo, dezenas de pequenas maternidades casas-de-parto, foram instaladas em consórcio com as comunidades e prefeituras locais. Centenas de parteiras empíricas foram então treinadas e capacitadas para o atendimento ao parto normal em casa. Era muito mais um treinamento no que elas “não deveriam fazer” do que propriamente “no que fazer”, uma vez que quase todas já desempenhavam suas atividades desde há muitos anos e já sabiam a arte e, mais importante, tinham o tempo, o carinho, a dedicação e amizade que, muitos de nós médicos já não dispomos mais para com os nossos pacientes.
E muita coisa mais o Galba desenvolveu no seu programa, indo desde a sua famosa mesa de parto para as parturientes realizarem os seus partos na posição sentada, à divulgação do chamado parto na residência e utilizando bancos de parto, conhecidos em toda uma parte de nosso interior mais primitivo, o desenvolvimento dos curandeiros e rezadores como agentes de saúde e a mobilização dos diferentes agentes de saúde das várias comunidades. Esta última estratégia serviu de modelo para o atual programa do Governo do Ceará que alcançou enorme êxito e reconhecimento mundial.
Em 1980 o Programa passa a chamar de PAPS (Programa de Atenção Primária de Saúde), consegue o financiamento da Fundação Kellogg, podendo então estender as diferentes atividades para outras áreas de uma maneira lenta, eficiente e constante.
Depois, mudaram-se as siglas do programa para PROAIS (Programa de Ações Integradas de Saúde), e outras estratégias foram incorporadas com repercussão internacional, até o ano de 1985, quando, inesperadamente, o grande lutador falece.
A sua morte colheu de surpresa sua família e seus amigos. O mais lamentável foi ter falecido poucos dias antes de receber a consagração que lhe seria tributada pela Organização Mundial de Saúde, pelo seu trabalho pioneiro.
Entretanto, a referida organização não deixou de prestar-lhe a homenagem póstuma realizando como fora programada, a Conferência sobre a Tecnologia Apropriada ao Parto Normal, encerrando no dia 26 de abril de 1985 as atividades. Compareceram cientistas vindo da América Latina, América do Norte, Europa e Ásia. Em nome dos companheiros da Organização Mundial de Saúde falou, muito comovido, o médico Roberto Caldeyro Barcia, representante da OMS na América Latina, exaltando a figura do homenageado, a sua capacidade de inovação e força para alcançar os seus objetivos. Dr. Caldeyro Barcia terminou seu discurso, desejando que o Dr. Galba estivesse em paz, pois o monumento que honra a sua memória estava construído.
O que Galba fez pela saúde materno-infantil deste país foi de enorme e transcendental valor e nós cremos que este prêmio e reverência à sua pessoa é uma demonstração do carinho e do agradecimento que todos temos por ele.
Mas seria injusto, se não deixássemos aqui a nossa palavra de engrandecimento e reconhecimento sobre a participação ativa e constante na vida e nas ações desenvolvidas por Galba, de sua esposa Lorena, talvez uma cearense maior do que muitas outras que aqui nasceram e existem, e que sempre ajudou e estimulou todos esses sonhos e realidades de seu querido marido médico-feiticeiro.
E mais ainda, seria injusto se não ressaltássemos, como de essencial importância, o papel desempenhado pela equipe que Galba conseguiu organizar e que, com uma força extraordinária tentou, lutou, sofreu e realizou durante e após a sua vida.
E para finalizar, em nome de todos os que trabalharam com ele nos seus diferentes programas de saúde materno-infantil e medicina social, aproveitando esta feliz oportunidade, queremos deixar a nossa gratidão pelo momento que temos de reconhecer o trabalho de um inovador, de um líder e de um simples agente da saúde: José Galba de Araújo.
Antero Coelho Neto, Médico e Ex-Coordenador do Programa PROAIS