Pode ser o Ricardinho…
O nascimento de uma criança produz uma mudança na estrutura familiar que se reflete na intimidade do casal
Carmita Abdo* – Jornal O Globo
Uma pesquisa brasileira, desenvolvida na Universidade de São Paulo, foi publicada recentemente, numa importante revista especializada em medicina sexual, a “Journal of Sexual Medicine”.
Esta pesquisa reuniu 831 mães e as acompanhou por um período de quase dois anos, após o parto e respectivo nascimento de seus bebês. A ideia era avaliar e comparar a vida sexual dessas mulheres, de seis a 18 meses após o parto, para saber se haveria diferença entre as que passaram por cesárea e as submetidas a parto normal.
O estudo revelou não haver, nesse aspecto, diferença entre esses dois grupos de mulheres. O dado surpreendente é aquele que se refere ao interesse sexual, referido como preservado por 87% das mulheres, após seis meses do parto, independentemente do tipo de procedimento aplicado (cesárea ou não). Com a ressalva de ser um desejo menos intenso do que aquele de antes da gravidez, para 21% delas.
Vale ressaltar que, apesar de aparentemente não haver diferença entre a repercussão do parto normal e da cesariana sobre a sexualidade das mulheres, o mesmo não se pode dizer sobre o impacto da gravidez e da maternidade.
Melhor explicando: a pesquisa evidenciou que significativa parcela das mulheres não mais recupera o interesse sexual após se restabelecer das influências próprias da gestação e do parto sobre seus corpos.
Portanto, algo se modifica na forma e na intensidade com que este interesse passa a se manifestar (ou não se manifestar). E tudo indica que não são apenas as alterações hormonais próprias da gravidez ou os procedimentos utilizados para atender ao parto os fatores que importam.
O nascimento de uma criança produz, inevitavelmente, uma mudança na estrutura familiar, mudança essa que se reflete sobre a intimidade do casal, reduzindo-a de forma drástica e repentina. Para se avaliar a relevância dessa mudança, o espaço sexual de casais sem filhos é toda a casa, mas se restringe ao quarto, a partir do nascimento do primeiro filho. O relacionamento sexual, que podia ocorrer a qualquer hora, passa a ser possível nos horários em que o bebê permite.
Além disso, a mulher se percebe muito mais disposta a dedicar o melhor do seu afeto para aquele ser frágil e indefeso, do que desperdiçar essa energia libidinal com um marmanjo carente e enciumado.
Este é o segundo evento que modifica a disposição sexual da mulher para com seu parceiro, modificando, consequentemente, o relacionamento do casal. O primeiro é a estabilidade conjugal. Ou seja: quem pode negar que a atividade sexual exuberante do namoro não se sustenta a partir da união estável, para a maioria dos casais?
Submetido à rotina e à convivência diária, o sexo padece de excesso de intimidade e falta de criatividade? Não é bem isso. Na verdade, submetido à ideia de conquista consumada e garantida, o sexo padece de falta de empenho. Sem empenho, padece o desempenho.
Como evitar esses dois golpes cruéis sobre o sexo dos namorados? Não se case e não tenha filhos, responderiam os mais imediatistas.
Muito melhor que isso é admitir que não existe conquista definitiva. Sem dar assistência, abre-se espaço à concorrência. Não necessariamente ao Ricardão. Pode ser o Ricardinho.
Foto: Miranda Kerr Makes Breastfeeding Sexy
*Carmita Abdo (Estado de São Paulo, 1949) é uma psiquiatra e sexóloga brasileira. Doutora e livre-docente em psiquiatria, é fundadora e coordenadora geral do ProSex – Projeto de Sexualidade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.