Sonho de pais
Admar Branco
Jornalista
Vem por aí, se Deus (que é pai e mãe) quiser, a aprovação da lei que permitirá impor a guarda compartilhada ao genitor que nega ao filho o direito de convívio com ambos os pais.
Veremos então os ex-maridos, em coro de filme da Metro, exaltando a capacidade participativa de mães detentoras da guarda exclusiva dos filhos, movidos pelo desejo de convencer o juiz de que seria possível a guarda compartilhada via acordo. Haverá suspeita de cinismo; afinal o que se estará praticando corresponderá a uma advocacia tradicional às avessas, negando o vício da desqualificação da parte contrária, porque quem ama seu filho sabe que maravilha seria o pai e a mãe se entenderem.
Nessa nova ordem de gerenciamento dos compromissos com a verdade, diminuiriam tragicamente os lucros dos profissionais que vivem da desqualificação da parte contrária, desprezando o fato de que se trata do genitor do menor cujo interesse deveria nortear as ações. De outro lado, os advogados que seguem a ética da profissão, os que ainda se recusam a obstruir acordos apimentando os ânimos dos contendores para dali auferir mais honorários, esses vão se sentir mais orgulhosos de sua profissão. Ninguém que não prefira o acordo no interesse da criança merece ser advogado de família.
Na guarda compartilhada, que, já se comprovou na França, diminui sensivelmente os litígios entre ex-cônjuges, os pais dividem a responsabilidade legal sobre os filhos e pode ser evitado o vaivém das crianças, combinando-se que a guarda física caberá a um dos pais. As decisões, no entanto, são sempre partilhadas, o que não ocorre na presente guarda exclusiva que, segundo a estudiosa Sofia Miranda Rabelo, pode causar um afastamento entre genitor descontínuo e filhos, lento e gradual, até que esse relacionamento desapareça.
Com a nova lei, vem a esperança. E chegará um dia em que o lamento de Françoise Dolto, psicanalista que dedicou a vida a amenizar a dor de crianças, será apenas memória: Que dirá a solidão da criança cujos pais não se desejam, não se amam ou se odeiam?. É tempo de sonhar
Admar Branco é da Associação de Pais e Mães Separados do Rio de Janeiro.
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