Cadê a mãe dessa criança? Está trabalhando doze horas por dia, para ‘salvar’ o país
POR RITA LISAUSKAS do Blog “Ser Mãe é Padecer na Internet” – Estadão
Aperte os cintos: a vida da mãe que trabalha vai piorar. E muito!
Você se descobre grávida. Que alegria, né não? Mas na fábrica nem todos compartilham deste seu sentimento. Seu chefe decidiu que você pode continuar trabalhando naquela câmara frigorífica com temperaturas abaixo de zero ou na linha de montagem barulhenta que você e seus colegas só conseguem suportar graças aos protetores auriculares (já inventaram equipamentos de proteção para bebês? Não, né?).
Mas ele pode me obrigar a continuar lá, mesmo grávida?
Sim, parece que sim, e ainda essa semana. Bastará apenas um atestado médico dizendo que você pode trabalhar naquele ambiente com seu barrigão e você vai passar nove meses naquelas condições. O dono da empresa sempre consegue tudo o que quer, né? Esse atestado vai ser moleza, logo, logo estará em suas mãos – ou nem passará por elas, mas estará junto aos seus documentos no RH, tenha certeza.
A CLT, que já previa a transferência de mulheres que trabalhavam em atividades perigosas ou insalubres (e que garante ainda a retomada às funções anteriores depois do parto) está prestes a não ter mais valor e as grávidas como você, assim como aquelas mulheres que decidirem ter filhos depois de você, vão ter que enfrentar isso e muito mais. E vai ser logo, logo, nesta quarta-feira, segundo li nos jornais.
Se você sonhava amamentar seu filho até os dois anos, como aconselha o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde, esqueça.
A duração da licença-maternidade continuará a mesma, quatro meses, embora vários países já tenham comprovado os benefícios para a sociedade de uma licença parental ampliada. Mas a duração do seu almoço, ah, essa vai mudar! E para menos. A ideia é que você tenha apenas meia hora para se alimentar.
E se planejava usar a outra meia hora para tirar leite e levar mais tarde para alimentar seu filho, temo que não irá dar tempo, viu?
Não, não, nas novas regras não haverá nada que obrigue as empresas a criar um cantinho sossegado e limpinho para que as mães que amamentam possam tirar seu leite com paz e tranquilidade, nada disso. Para tirar leite abra mão do seu almoço, tranque-se no banheiro, sente na privada e alivie seus seios cheios de leite, que cismam em vazar como se chorassem de saudades do seu bebê.
E por falar em saudade, ela vai aumentar, viu? Essas novas regras querem ampliar a jornada de trabalho de todos, a sua e a do pai do seu filho, basta você e seu chefe “negociarem”. O dono da fábrica sempre consegue tudo o que quer, lembra? Se você trabalhava oito horas e perdia mais duas para ir e duas para voltar do trabalho, agora pode ter de trabalhar doze. Faça a conta: você pode ter de ficar cerca de dezesseis horas longe do seu bebê.
Continuar a amamentar vai ser quase impossível – mas esse será o menor dos seus problemas, veja só.
Terceirização da infância
Quem vai cuidar do seu filho enquanto você passa mais da metade do seu dia na rua? Como fazer se não há vaga na creche perto da sua casa e, mesmo que ela apareça, nenhuma instituição, nem as particulares, fica dezesseis horas com uma criança, nem que você tenha dinheiro para pagar. Consegue imaginar seu bebezinho dezesseis horas dentro de uma instituição? Não? Nem eu! Mas vai rolar, parece que ainda essa semana.
Você passará a vida trabalhando, enquanto seu filho será criado sabe-se lá por quem. Se tudo der errado (bata na madeira, mas é uma possibilidade) a culpa será sua, claro. Cadê a mãe dessa criança que não a educou direito? Estava lá trabalhando, para salvar a economia do país, dizem os jornais. A economia vai continuar ruim, porque muitos estudiosos garantem que massacrar o trabalhador não é o caminho para recuperação. Mas agora sua família parece que vai falir também.
“A gestação, o parto, a amamentação, os primeiros cuidados da mãe como o seu bebê é um trabalho da MULHER para toda a SOCIEDADE e deveria ser reverenciado, promovido e protegido pelo Estado”
Não aceitaremos perdas de direitos!
Prof. Marcus Renato de Carvalho