Pesquisa feita na UnB aponta que pelo menos 289 crianças, entre quatro meses e seis anos, residiam em presídios no Brasil em 2005 (foto: divulgação)
COMO GARANTIR o DIREITO ao ALEITAMENTO das
CRIANÇAS
FILHAS de PRESIDIÁRIAS?
Infância comprometida
Por Thiago Romero do Boletim da Agência FAPESP de 18/01/2007
Estabelecimentos penais destinados a mulheres devem ser dotados de berçários ou creches onde detentas que tenham filhos recém-nascidos possam amamentá-los. Mas as determinações, da Lei de Execução Penal e de outras matérias que asseguram os direitos de presidiárias e crianças deixam de ser respeitadas em mais da metade das unidades prisionais brasileiras.
A conclusão é da assistente social Rosângela Peixoto Santa Rita, coordenadora de ensino da Coordenação Geral de Reintegração Social e Ensino do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, em dissertação de mestrado apresentada no Instituto de Ciências Humanas (IHD) da Universidade de Brasília (UnB).
O trabalho analisou a situação de crianças que vivem em 79 presídios em todos os Estados, por meio de questionários enviados às secretarias de administração penitenciária e aos dirigentes de prisões, de outubro a dezembro de 2005.
Rosângela também entrevistou pessoalmente presidiárias no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. O levantamento, que inclui dados de 9.631 presidiárias, número que representa 75% do total de presas no país, aponta que 289 crianças com até 6 anos de idade eram atendidas nas unidades prisionais avaliadas no período.
O que mais chamou a atenção da pesquisadora foi a estrutura física para o aleitamento materno.
Mais da metade das crianças (59%) ficava em espaços classificados como “outros”, ou berços improvisados dentro das próprias celas das detentas, enquanto 21% estavam em berçários e 19% em creches construídas junto aos presídios.
“As crianças acabam, na prática, ficando presas também, com horários até para banho de sol e muitas vezes sem critérios que garantam o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas em processo de desenvolvimento, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente”, disse Rosângela à Agência FAPESP. “O foco da permanência dessas crianças junto às mães, que é a garantia do aleitamento materno, é comprometido devido ao ambiente insalubre das celas.”
Sem critérios para permanência
Outro dado importante levantado pelo estudo foi que em 63% das unidades prisionais o período de permanência das crianças variou de quatro meses e seis anos. As penitenciárias do estado de São Paulo foram as que registraram a média de período mais curto, enquanto as do Paraná apresentaram o tempo de permanência mais longo.
“São Paulo, que apresenta a maior população carcerária do país, não está de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde, que prevê o mínimo de seis meses para a amamentação segura”, lembra Rosângela. “Por outro lado, no Paraná as crianças ficam mais tempo, mas em creches separadas do ambiente carcerário. As mães passam parte do dia com os filhos e voltam para as celas.”
Para a pesquisadora, as diferenças no período de permanência demonstram a deficiência das políticas públicas em relação ao assunto. O resultado é que as penitenciárias adotam períodos diferentes, sem levar em conta políticas integradas de saúde e educação.
“Pela falta de políticas penitenciárias que padronizem o período de amamentação, a permanência das crianças passa a ser uma questão de interpretação da direção dos presídios. Infelizmente, essa temática ainda permanece totalmente invisível nas discussões envolvendo entidades governamentais e a comunidade acadêmica”, disse.
Para ressaltar a falta de comprometimento com as particularidades das mães presas, o estudo mostra que quase metade das penitenciárias femininas (47%) funciona junto aos presídios masculinos. “Essas unidades prisionais mistas vão desde celas adaptadas próximas às dos homens até alas exclusivas para as mulheres dentro de complexos masculinos”, conta Rosângela.
A dissertação Mães e crianças atrás das grades: em questão o princípio da dignidade da pessoa humana, defendida em julho de 2006 com orientação da professora Maria Auxiliadora César, teve como referência a Lei de Execução Penal e as Regras Mínimas para Tratamento do Preso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Política de Atenção à Saúde da Mulher e o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário.