UNIDADE Entrevista
Dr. Marcus Renato de Carvalho, especialista em amamentação e editor do site www.aleitamento.com
O pediatra Marcus Renato de Carvalho é especialista em amamentação. Defensor da amamentação exclusiva até o sexto mês de vida do bebê, ele foi um dos mais entusiasmados ativistas pela aprovação da lei que instituiu licença-maternidade ampliada de 180 dias.
No site Aleitamento.com ele e sua equipe oferecem às mães, pais e profissionais da área informações variadas sobre as vantagens da amamentação, eventos, legislação específica existente e projetos de lei que ainda estão em tramitação nas casas parlamentares. O Dr. Marcus apresenta o painel
“Amamentação e ampliação da licença maternidade”
no auditório do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro hoje, dia 11, às 18h. Ele conversou com o UNIDADE e falou um pouco sobre a amamentação e sua relação com o mundo do trabalho e a sociedade como um todo.
Por que algumas mulheres resistem a amamentar seus bebês?
Há muita competição no mercado de trabalho, as mulheres trabalham muito, há um mundo voltado para o consumo e para a competição e infelizmente as mulheres entram nisso muitas vezes de forma agressiva. Para amamentar é preciso pedir licença do mundo do trabalho e do mundo profissional.
Para se ter um filho é preciso uma disponibilidade física e emocional de estar com ele. Hoje conseguimos a licença-maternidade de 6 meses, mas este prazo já foi de 3, passou para 4 com a Constituição de 88. A vida profissional de uma mulher dura cerca de 30 anos. O que são 6 meses em 30 anos? Recomendamos que a mulher dedique estes meses a amamentar e cuidar de seu bebê. Esta fase é um tempo que não se recupera, vale a pena este investimento da mulher com o filho, coisa que o homem não pode fazer.
Quais as principais vantagens da amamentação?
O leite materno e a amamentação são muito benéficos para o bebê, inclusive para a vida futura. Antes se pensava que o pobre precisava amamentar para não morrer de infecção e que a classe média, que tem mais recursos, não precisava. Mas os bebês de classe media não vão morrer de infecção mas, no futuro, têm grande chance de sofrerem de doenças crônicos-degenerativas, como hipertensão e diabetes, além de obesidade, devido ao uso do leite de vaca, que não é apropriado para a espécie humana.
Mas a amamentação é muito benéfica para a mãe também. Vários estudos demonstram que a mulher perde mais peso, tem menos stress, tem seu metabolismo melhorado – sofre menos infarto porque o metabolismo de gordura é melhor – sofre menos osteoporose, tem menos câncer de útero, ovário e mama, o útero se contrai mais rapidamente. Amamentar não é um sacrifício, a mulher também tem muitas vantagens. Algumas pensam que os seios caem, o que não é verdade, cirurgiões plásticos relatam que não é amamentação que faz cair.
Do que uma mulher precisa para amamentar?
Às vezes as mulheres não amamentam por falta de apoio. A amamentação não é instintiva, é uma cultura, um conhecimento que tem que ser recuperado. Recebo aqui na clínica mulheres que nunca viram outra mulher amamentar. Este conhecimento se perdeu. Por isso é preciso recuperar esta cultura com cursos, palestras, sites, etc.
É possível apontar em que época a amamentação passou a ser desestimulada?
Nos anos 70, devido à publicidade forte dos leites em pó modificados, as fórmulas infantis, houve o auge do desmame precoce. Nos anos 80 houve a recuperação da amamentação. Já as amas sempre existiram, foi moda nas classes mais altas contratar amas de leite. Hoje, as mulheres com mais informação, de classes mais elevadas, são as que amamentam mais.
Nas classes mais baixas, além das mulheres terem pouco acesso à informação e a sistemas de apoio, muitas trabalham no mercado informal, que não garante a licença maternidade. Quem mais precisa é que está amamentando menos.
As mulheres precisam de muito apoio para amamentar, e as mulheres trabalhadoras, mais ainda. É preciso haver sala de apoio à amamentação. O leite não pode ser ordenhado no banheiro, que é um local muito contaminado.
Por que é tão comum as mulheres se sentirem incapazes de amamentar, por acharem que não produzem leite suficiente ou que seu leite não é bom? E por que os mitos sobre amamentação e a cultura de oferecer chá, água e sucos e de “engrossar” o leite são tão presentes?
Uma coisa que leva ao desmame é a falta de apoio, de orientação e de informação. Hoje se sabe que a amamentação exclusiva protege mais o bebê de infecções e que o leite materno sozinho faz com que o bebê se desenvolva até os seis meses de vida. O leite em 80% de água, não precisa dar mais água, e o chá aumenta o risco de infecções. Também não se devem oferecer outros líquidos porque eles são dados na chuquinha ou na mamadeira, o que causa uma disfunção motora oral, porque a forma de sucção é diferente. Recomenda-se que o bebê que mama no peito não tenha contato com outros bicos, porque ele perde o reflexo de sucção. A recomendação é que depois dos seis meses o bebê vá direto do peito para a papinha, que não seja introduzida a mamadeira.
Há situações em que a amamentação não deve ser exclusiva até o 6º mês?
Há casos especiais, mas, em geral, a amamentação exclusiva é o ideal para todos os bebês. Agora, com a campanha de vacinação contra a gripe H1N1, algumas mães vão tomar a vacina e não há problema. E a gripe não impede a amamentação, pelo contrário, a mãe passa anticorpos pelo leite. Potencialmente todas as mulheres são capazes de amamentar, porque até mães que não gestaram e não pariram amamentam. É o que chamamos de lactação adotiva ou indução à lactação, que faz com que mães adotivas possam produzir leite. Isso prova que quando a mulher deseja, é o desejo que determina a produção de leite. É claro que, no início, usamos sondas para o bebê sugar, usa-se medicação, mas toda mulher potencialmente é capaz.
O stress que a mãe vive no trabalho e no deslocamento casa-trabalho-casa pode prejudicar a amamentação?
Pode, porque o que faz produzir leite é o contato da mãe com o filho, é o bebê sugar o peito. Se ela passa muitas horas afastada, isso prejudica a lactação. E também porque o stress, a adrenalina produzida em situações de stress, inibe a produção de ocitocina, que é o hormônio que faz descer o leite, principalmente o leite posterior, que é mais amarelo, o segundo leite, que é mais gorduroso e mais nutritivo para o bebê. Por isso é importante que se dedique ao filho por estes seis meses.
Todas as mulheres podem ordenhar o leite para deixar para o bebê? Como devem ser as salas para coleta de leite nas empresas?
Todas as mulheres podem ordenhar o leite. Aqui na clínica de apoio à amamentação nós observamos a mamada e examinamos a mama da mãe. Toda mãe é capaz. Há um movimento que se faz com as mãos que torna inevitável a saída do leite. Toda mulher é capaz de ordenhar com a mão, mas algumas sentem aflição ou não se sentem à vontade e para isso há bombas adequadas. Nas salas de apoio há bombas. Ajudei a montar a sala de apoio à amamentação do Banco Real (o Realzão, na esquina de Presidente Vargas e Rio Branco) e lá tem a poltrona e a bomba, as mulheres ganham uma bolsa térmica com gelo reciclado e um vidro esterilizado para armazenar o leite. O BNDES também tem uma sala maravilhosa. a Petrobras inaugurou salas de amamentação. O Itaú tem também. Mas muitas empresas só oferecem salas de apoio à amamentação em São Paulo, que é onde ficam suas sedes.
Além das despesas com o leite artificial, que não é barato, quanto uma família pode economizar com medicamentos quando o bebê é amamentado no peito?
Não sei precisar, mas é uma economia compensadora, inclusive futura. Mas já foram feitos estudos sobre economia e amamentação. Há alguns anos saiu um estudo que dizia que a alimentação com formulas infantis consumia 40% de um salário mínimo. Há economia na compra de formulas infantis, na compra de medicamentos, nas visitas a médicos, na ida a terapia. Além disso, o bebê que é amamentado tem QI maior. Há um retorno muito grande neste investimento de amamentar o bebê.
A ampliação da licença pode mudar nossa maneira de encarar a maternidade?
Está acontecendo uma terceirização do cuidado infantil. A criança fica com a babá, a creche, o motorista, a empregada, menos com os pais. Mas a sociedade já está tomando providências. Antes de 88 havia a licença de 3 meses. Com a Constituição de 88, passou para 4 meses e foi criada também a licença para o pai. Está se percebendo que a mulher faz um trabalho para a sociedade, que é se reproduzir, e que ela precisa ser protegida e valorizada. Por isso sou a favor da equidade, não da igualdade. A mulher deveria ter uma carga de trabalho menor, deve ter um apoio para cuidar dos filhos. Os homens também deveriam poder dedicar mais tempo aos filhos, mas isto é fundamental para as mulheres, principalmente no período da amamentação.
Painel “Amamentação e ampliação da licença maternidade”
Dia 11 de março, às 18h
Auditório do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro
(Av. Presidente Vargas, 502, 21º andar)
O Espaço Social de Realização do Feminino
Por Rita da Costa Pereira *
Com as comemorações do dia oito de março sempre vem à reflexão das injustiças, ainda, praticadas contra nós mulheres. Violência física, moral, psicológica e sexual; desvalorização de nossa força de trabalho; preconceitos de cor, classe social e orientação sexual. Mas neste dia prefiro contabilizar nossas vitórias, conquistadas com a mobilização de homens e mulheres ao longo da história e que romperam com o papel social criado para nós.
A definição do papel social feminino começou a ser delineada no século XVIII. A consolidação da burguesia no poder trouxe uma nova visão de mundo e com ela transformações profundas no mundo do trabalho e consequentemente nos papéis sociais de homens e mulheres. Se antes o mundo do trabalho era basicamente rural, onde homens e mulheres trabalhavam lado a lado para o seu sustento, a industrialização trouxe uma profunda transformação.
Segundo Simone de Beauvoir (1) nós não nascemos homens ou mulheres, nascemos do ponto de vista fisiológico, machos ou fêmeas. Porém, nos tornamos em sociedade homens e mulheres, com funções e responsabilidades definidas socialmente em cada tempo histórico. No palco da vida “encenamos” nossos papéis criados de acordo com as necessidades de cada tempo, de cada sociedade, de cada cultura. Esses papéis são laboriosamente pensados e construídos e permanecerão até que o tempo devido os transforme.
Com a industrialização as cidades passaram a ser o centro das oportunidades, mas também da miséria, das doenças e de péssimas condições de vida. A necessidade de mão de obra para as fábricas deu início a exploração de mulheres e crianças – mão de obra mais barata e mais dócil – aumentando ainda mais as injustiças sociais.
Em Paris (2), berço da famosa Revolução Francesa, a grande mortalidade infantil começou a preocupar o governo. Vários foram os motivos que levaram a esses índices: má alimentação, grandes epidemias, falta de condições dignas para a sobrevivência e a cultura do período que fazia com que as mães entregassem, logo ao nascer, seus filhos para as chamadas amas mercenárias – mulheres pobres que amamentavam, além de seus filhos, os filhos de outras mulheres –, essa prática contribuía para o alto índice de mortalidade infantil.
O problema que parecia caso de saúde pública se transformou em problema de Estado. Como já alertava Diderot: um país se faz de braços fortes. Com tamanha mortalidade, nem braços fortes para a proteção do país, e menos braços fortes para a exploração do mundo do trabalho. E é nesse contexto que surge o papel social feminino. Das crianças, os olhos se voltaram para as mulheres. São elas as responsáveis pela gestação das novas vidas. Essa é sua única função social. Dentro dessa ideologia também é ela a responsável pelo alto índice de mortalidade já que as péssimas condições de vida a que essas crianças eram submetidas, quando entregues às amas, contribuíam com suas mortes. Assim nasce o “novo” conceito de mãe, aquela que deve abdicar de qualquer ambição pessoal para se dedicar exclusivamente à função para a qual foi criada. Quando era contestado este papel, caía sobre os ombros da infratora todo tipo de acusações.
Não sem contestação, esse “novo” papel foi aceito. E não foi contestado apenas pelas mulheres: Montesquieu, em meados do século XVIII, já alertava para o triste destino que se construía para as mulheres. Segundo ele, a negação da educação as mulheres as transformavam em seres sem expressão e sem ação.
Os apelos foram muitos e o discurso ideológico acabou por levar as mulheres ao espaço privado, nascidas para serem mães: era no lar que deveriam se realizar. Quanto mais dedicadas aos seus filhos e maridos, mais próximas do ideal de mulher. Através dos séculos e por todo o mundo podemos perceber o poder das ideologias.
Mas houve ao longo desses séculos mulheres que ousaram desafiar o papel pré-estabelecido para elas. Essas sofreram exclusão – por homens e mulheres – mas tornaram-se agentes históricos importantes no processo de rompimento com este papel. O Brasil, no período anterior a 1930 (3), não era muito diferente da organização social de um país não industrializado. Éramos um país basicamente agrícola, com nosso povo vivendo do trabalho no campo.
A crise que abalou o mundo em 1929 desestabilizou ainda mais nossa economia agro-exportadora e milhares de famílias migraram para os grandes centros em busca de trabalho. O golpe de 1930 não trouxe grandes transformações ao panorama político brasileiro. Continuamos a ser dirigidos pelas grandes oligarquias – Getúlio Vargas pertencia a uma grande família oligárquica do Rio Grande do Sul – mas trouxe a emergência de dar respostas a uma multidão de desvalidos, miseráveis e analfabetos que migravam cada vez mais para as cidades com a falência do sistema econômico vigente. Essa classe, identificada na época como “massa”, ou seja, sem forma e sem destino, passou a ser um tormento na vida dos governantes. Sua atenção a elas foi muito mais por medo do que por interesse. É a partir deste período que surgem os sindicatos – com total controle do Estado –, as principais empresas estatais, as grandes fábricas, que vão impulsionar o Brasil para o desenvolvimento.
As mulheres por aqui não tinham perspectivas diferentes das de outros países e continuavam a ser criadas para o casamento e a maternidade. Mas houve quem contestasse isso. A luta pelo sufrágio feminino era a principal bandeira das feministas da época.
No Brasil a liderança feminina tem nome e sobrenome: Bertha Lutz (4). Lutz fundou, em 1922, a FBPF – Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que, entre outros objetivos, pretendia promover a educação e a profissionalização das mulheres. Funcionária do Museu Nacional, Lutz dedicou sua vida profissional à causa da emancipação feminina. Graduou-se em Ciências Naturais pela universidade de Sorbonne, em Paris, em 1918. Sua trajetória de luta acabou dando a ela uma cadeira na Câmara dos Deputados, que foi perdida quando do fechamento do Congresso Nacional em 1937. Diferente de suas contemporâneas, Lutz teve a oportunidade de estudar e sua luta acabou levando o Brasil a sair na frente de outros países do continente americano na conquista do sufrágio feminino. As brasileiras garantiram o direito ao voto em 1932 e em 1934 conquistaram o direito a serem eleitas. Com exceção dos Estados Unidos, onde alguns estados adotaram o voto feminino a partir de 1896, na Argentina e no México esse direito só foi conquistado em 1946. Mas surpreende muito que o mesmo só tenha acontecido na França em 1944.
A certeza de que as mulheres estavam insatisfeitas com sua condição social fica visível na própria eleição de Lutz para o congresso. Era o início do rompimento da ideia de que o espaço privado era o único possível para a realização do feminino. Esses movimentos lentos, mais constantes, foram pouco a pouco levando as mulheres para fora do espaço privado.
No mercado de trabalho, as profissões tinham um caráter bipolar, ou seja, profissões masculinas ou femininas. As profissões femininas tinham uma “marca” ligada à característica do seu papel social. Assim, profissões como a de professora, secretária, costureira, eram vistas como extensões das atribuições femininas no lar e, por isso, aceitas pela sociedade, pois não comprometiam a imagem feminina e eram condizentes com suas atribuições no lar. Mas mesmo não comprometendo seu papel social, essas profissões acabaram por abrir o espaço público às mulheres e essa abertura proporcionou o vislumbre de outras possibilidades, não mais somente o de esposa e mãe.
Essas mulheres souberam aproveitar a oportunidade para traçarem alternativas diferentes para as gerações futuras. As décadas seguintes foram de muitas lutas. Muitos preconceitos foram superados e hoje, graças a essas mulheres, somos advogadas, bancárias, engenheiras, historiadoras, jornalistas, juízas, médicas, ministras, motoristas, lugares antes ocupados somente pelos homens. Recentemente conquistamos em nosso país, pela luta incansável dos movimentos sociais e da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, a punição para a maior de todas as violências contra a mulher: a violência física que esconde outros tipos de violências igualmente intoleráveis: a moral e a psicológica. A Lei nº 11.340/06, que ficou conhecida, com mérito, por Lei Maria da Penha, é fruto mais uma vez da coragem de mulheres que nunca aceitaram o desrespeito e as injustiças impostas pelo papel social para nós estabelecido.
Trabalhadoras nós sempre fomos, em casa ou na rua. Mas hoje temos o direito de nos realizarmos no espaço que nos tornam mais felizes, e não naquele que as instituições, junto com outros setores sociais, construíram para nós.
Neste oito de março minha homenagem a todas as mulheres que constroem no seu dia a dia o caminho da sua realização. E a todas que antes de nós dedicaram suas vidas para que hoje tenhamos o direito de escolha.
* Historiadora e funcionária da secretaria geral da FEEB RJ/ES
(1) BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2ª ed, 2009.
(2) BADINTER, Elisabeth. Um amo conquistado, o Mito do Amor Materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
(3) MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado e Economia no Brasil: Opções de desenvolvimento. 3ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
(4) SOUSA, Lia Gomes Pinto, SOMBRIO, Mariana Moraes de Oliveira, LOPES, Maria Margaret. Publicado no Caderno Pagu, nº 24. Campinas: 2005. Disponível na página www.scielo.br/scielo.php, consultado no dia 20/09/2009, às 17h28min.