QUANDO PERDEMOS UM ENTE QUERIDO
Recomeçando a vida
Uma parábola muito conhecida fala de uma mulher que vai até Buda com o filho morto nos braços e suplica que o faça reviver. Buda diz que, para trazer de volta a vida do menino, ela precisa encontrar alguns grãos de mostarda que devem ser de uma casa onde nunca tivesse morrido alguém. A mãe vai de casa em casa, mas não encontra nenhuma livre de perdas.
Sem dúvida, isso mostra a maior e também a mais difícil certeza da vida: a morte, principalmente a de alguém a quem amamos. Não fomos treinados para enfrentar perdas, embora nossa vida seja plena delas. Enfrentamos esse sentimento desde o início de nossa existência: no momento em que fomos desmamados do seio de nossa mãe, no instante em que nosso corpo se transformou na adolescência e até quando mudamos de lugares, nos distanciando das pessoas e assim por diante. Mas nada se compara à perda de uma pessoa extremamente importante em nossa vida.
Nesse momento, temos dois caminhos a seguir. O primeiro é nos afogarmos nessa dor, guardando eternamente sentimentos de raiva, indignação e culpa, questionando a justiça dos homens e a de Deus. E o segundo caminho nos permite seguir a vida, enfrentando a dor e as etapas seguintes. Embora essa via seja mais dolorosa, é a mais saudável, porque se não expressarmos e vivenciarmos esse momento, certamente o conservaremos dentro de nós (luto crônico) e estaremos, futuramente, vulneráveis aos sofrimentos emocionais e físicos.
A primeira sensação é a de que não se sobrevive à dor da perda, pois ela é muito mais forte do que se pode imaginar. Temos a impressão, às vezes, de que ela nunca irá passar. Toda perda gera um luto e esse processo exige tempo. As palavras “o tempo cura”, que ouvimos em diversos momentos, são verdadeiras como também é real a necessidade de enfrentarmos as etapas posteriores.
É preciso ressaltar que nem todas as pessoas de uma mesma família vivenciam ou expressam a mesma intensidade de dor, mas é impossível alguém passar por uma perda e não sofrer. Algumas características determinam a duração e a intensidade desses sentimentos, tais como a forma como a pessoa morreu, a sua representação emocional, a qualidade do funcionamento (relacionamento) familiar, o suporte psicossocial que a família recebe, a estrutura psíquica de cada pessoa, o histórico de perdas anteriores e os problemas psicológicos próprios que podem nos incapacitar para o enfrentamento.
Nesse período, vale lembrar que a psicoterapia auxilia a pessoa enlutada a elaborar esse processo, de forma que não carregue eternamente a dor, capacitando-a a reorganizar-se e a desenvolver recursos próprios para superar a falta.
Faz muito bem à família e aos amigos conversarem sobre a pessoa que morreu, olhar fotografias e chorar por sentir saudade. Na medida em que há diálogo, vamos nos transformando e ganhando força para retomar o dia-a-dia. Infelizmente, aprendemos mais com a dor do que com a felicidade. A dor nos faz rever os nossos valores, crescer, amadurecer e, assim, valorizamos mais a vida e as relações com as pessoas ao nosso redor.
Mesmo para as pessoas que hoje vivenciam uma doença na família, não se pode afastar a realidade da perda gradual. É válido procurar viver ao máximo cada momento, resolver as questões pendentes, agradecer, perdoar e ser perdoado, falar de sentimentos e até da saudade que sentirá. Um tempo necessário, que não é permitido para as pessoas vítimas da violência. Quando a morte é súbita e inesperada, a dor é infinitamente maior e a elaboração da perda é lenta e sofrida. No entanto, a dor é a mesma quando se perde alguém importante na vida.
Mas a vida continua. Devemos desenvolver a capacidade de enfrentar momentos difíceis e de nos ajustarmos às situações de perda, que acontecem na vida. O restabelecimento emocional é importante para seguirmos adiante, até porque a distância física não é o fator determinante, que irá romper os laços afetivos.
Despedir-se não é pôr um fim a uma história, é encontrar um lugar para a pessoa que perdemos no cantinho da saudade e das lembranças boas. Daí, seremos capazes de reinvestir nosso amor e esperança nas pessoas que ficaram e que, certamente, precisam muito de nós. Como já diz Herbert Vianna “cuide bem do seu amor” — letra de música que toca profundamente, refletindo a angústia da experiência da perda e, ao mesmo tempo, um hino de reconstrução para a vida.
* KATYA KITAJIMA é psicóloga e coordenadora do Serviço de Psicologia Hospitalar da Clínica São Vicente.
Jornal da Família, 25 de janeiro de 2004 – O Globo