CUIDADO COM A PRIMEIRA INFÂNCIA
Promete ser um dos grandes temas brasileiros em 2006. A Sociedade Brasileira de Pediatria lidera uma campanha, com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, para que a licença-maternidade passe de quatro para seis meses. Os argumentos são poderosos: cada vez mais as pesquisas da neurociência demonstram que a primeira infância é o período no qual construímos as bases de nossas redes neuronais e nossa estrutura psíquica. São seis meses que determinam a vida toda. E neles a presença da mãe ao lado do bebê é tão essencial quanto na gravidez. A matéria de capa, assinada por Tatiana Clébicar, revela que a campanha por uma primeira infância assistida em todas as classes sociais é uma imensa aposta no futuro, num país onde a violência e o abandono ainda deixam marcas indeléveis em crianças e adolescentes. Uma aposta que precisa do apoio de todos os que dão trabalho e emprego neste país, dos grandes empresários às donas de casas que têm empregadas domésticas.
Feliz Natal!
Marília Martins, editora. Revista O Globo
MAIS TEMPO PARA SER MÃE
Entidades civis farão de 2006 o ano da campanha nacional para cuidado materno na primeira infância, mobilizando a sociedade para estender o direito a mulheres de todas as classes sociais
Por Tatiana Clébicar
SE ELES JÁ SOUBESSEM CANTAR,
“Comida”, dos Titãs, seria o hit dos berçários. Estudos mostram que bebês até 1 ano de vida — mas os de 6 meses, especialmente — não querem só comida. Querem leite, estímulos e colo de mãe. Baseada nas pesquisas de neuropediatria que apontam um novo conceito na relação mãe-filho — a “sensação de pertencimento” — a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), com apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de outras entidades civis, quer fazer de 2006 um ano voltado para o cuidado com a primeira infância. As entidades organizam uma campanha para mudar a lei, aumentando a licença-maternidade de quatro para seis meses e mobilizando a classe média e o empresariado a fim de estender este direito a todas, das funcionárias de empresas até as empregadas domésticas.
Mesmo antes de ser votado, o projeto de lei 281/2005, apresentado pela senadora Patrícia Saboya (PSB), já deu frutos: a Câmara de Vereadores de Beberibe, no Ceará, aprovou na última terça-feira a extensão do benefício para as servidoras do município.
— Assegurar o aleitamento exclusivo até o sexto mês de vida, como recomenda a Organização Mundial de Saúde, é apenas um dos fatores envolvidos na campanha. Queremos fortalecer os vínculos entre mãe e filho porque já sabemos que dessa maneira estaremos prevenindo desde síndrome metabólica até comportamento agressivos — explica o presidente da SBP, Dioclécio Campos Jr.
Essa foi a justificativa do obstetra Marcos Queiroz, prefeito de Beberibe, ao enviar mensagem à Câmara da cidade, que tem taxa de mortalidade infantil de 16 para mil nascidos:
— As despesas com a reposição das funcionárias será menor do que gastamos com internações. A amamentação e o contato com a mãe são vacina para a criança.
Para angariar mais apoio à proposta, a apresentadora Maria Paula, mãe de Maria Luíza, juntou-se à operária Flávia Ramos, mãe de Ronald, na foto para a campanha.
— A partir dos 3 meses, a criança está se adaptando fora da barriga da mãe. Não podemos nos afastar nesse período. A criança perde amamentação e carinho — diz Flávia, que amamentou os dois primeiros filhos porque estava desempregada.
SEGUNDO CAMPOS JR, O SISTEMA NERVOSO CENTRAL CRESCE TRÊS GRAMAS POR DIA
SEGUNDO CAMPOS Jr, o sistema nervoso central cresce três gramas por dia no último trimestre da gestação e dois gramas por dia entre o nascimento e os 6 meses. — Depois disso, até os 2 anos, o ganho é de apenas alguns miligramas. Ou essas estruturas se desenvolvem no princípio da vida ou não se desenvolverão mais — diz o médico, acrescentando que o desenvolvimento não é apenas quantitativo. — As sinapses (as ligações neuronais) também ganham em qualidade se forem estimuladas nesta etapa da vida. E esses estímulos são o contato físico e visual com a mãe. A temperatura corporal é um dos exemplos. Ele explica que é cada vez mais forte a corrente que indica que doenças da idade adulta podem ser prevenidas na primeira infância:— Ainda se conhece pouco o papel dos glóbulos brancos presentes no leite materno na prevenção de doenças. Mas já sabemos que há uma diminuição dos riscos de diarréia, alergias e doenças respiratórias, além de diabetes, hipertensão arterial e obesidade, fatores da síndrome metabólica. Arrecadação x tratamento. Uma projeção concluída este mês pela SBP mostra que se todas as empresas do país aderissem à proposta — em caráter facultativo e mediante incentivos fiscais, como prevê o projeto de lei — a União deixaria de arrecadar em impostos perto de R$500 milhões. Esse é quase o valor gasto com tratamento hospitalar de pneumonia de crianças até 1 ano na rede pública. E é apenas um dos motivos pelos quais entidades civis pretendem fazer de 2006 o ano em que as mães vão poder dedicar mais tempo a seus rebentos. Além de audiências públicas no Senado, marcadas para a volta pós-recesso, os envolvidos estão organizando um ato no Dia Internacional da Mulher, em 8 de março.
A arquiteta Joana Hawker, de 29 anos, mãe da pequena Sophia, de 7 meses, diz que na próxima gravidez vai se organizar para ficar seis meses integralmente com a criança. Trabalhando como autônoma em seu escritório, ela e o marido tiveram que se planejar para que ela pudesse se afastar do trabalho por quatro meses. — No quinto e no sexto mês, tive que me dividir entre o trabalho e a amamentação. Minha renda caiu 60% nesse período todo, mas não me arrependo. Acho que foi o melhor que fiz pela minha filha. Sophia é uma criança saudável e extremamente feliz e confiante. Só agora me sinto à vontade para deixá-la na creche e dar meu vôo — diz ela, acrescentando que apóia a extensão da licença-maternidade e não teria problemas em oferecer o mesmo benefício a suas funcionárias: — Eu ofereceria essa opção tanto às pessoas que trabalham na minha casa quanto no escritório. Aumentaria um pouco meus custos? Provavelmente, mas depois de ter tido a Sophia vejo como é importante. Embora não seja necessária qualquer manifestação para o projeto ser votado no Congresso, só na sede da SBP no Rio há cerca de 200 mil adesões a um abaixo-assinado que começou a circular há pouco mais de três meses. Além da assinatura de médicos e aspirantes a mães — interessados diretos — empresas e entidades como a Bolsa de Valores de São Paulo e a Fundação Abrinq, que reúne 162 empresas do ramo de brinquedos, apóiam a proposta.Mas nem todos os empregadores estão completamente convencidos disso. Uma das mais importantes entidades patronais do país, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), está estudando o projeto internamente para evitar que ele dificulte o acesso das mulheres ao mercado de trabalho. — Não podemos desmerecer a competitividade. Mas ninguém é contra o projeto — afirma o assessor jurídico da presidência da Fiesp, Hélcio Honda, acrescentando que a legislação brasileira é bastante avançada em relação à de outros países. — Nossa preocupação é que, como está, a extensão da licença aumente o chamado custo Brasil. — O Brasil não pode andar para trás porque tem uma legislação boa. Esse é um modo de fazer a sociedade brasileira alcançar um patamar melhor — rebate a advogada Carmen Fontenelle, vice-presidente da OAB-RJ e representante da OAB federal neste debate. — É uma questão de saúde da pessoa jurídica, que terá a opção de aderir ou não à nova licença. E olha que nem sou mãe! Acesso ao mercado de trabalho Mas para algumas mulheres a alternativa pode ser mais um entrave à contratação feminina. Esse é o receio da analista de marketing Lilia Costa. Há dois meses, ela teve Paulo. Além da licença de quatro meses, vai somar 16 dias de férias de 2005. Os 30 dias de 2006 preferiu guardar, caso o filhote precise dela em outra ocasião. — É claro que eu adoraria passar os seis meses com meu filho. Queria passar a vida inteira. Mas tenho que ser racional: nós, mulheres, já sofremos um preconceito mascarado. Temo que, ao aumentar a licença, esse preconceito se torne mais forte.
MULHERES TRABALHADORAS NÃO SERÃO DISCRIMINADAS
O ARGUMENTO DE que mulheres em período reprodutivo possam ser discriminadas nas seleções para empresas não se sustentaria na opinião de quem defende o projeto. — Os empresários sabem que as mulheres estão capacitadas e preparadas e muitas vezes têm desempenho melhor do que os homens — afirma Carmen Fontenelle.Mas Patrícia Saboya lembra que, se for aprovada, a licença de seis meses será facultativa tanto para a empresa quanto para a mãe: — Sabemos que para algumas categorias profissionais, principalmente para aquelas que trabalham com comissão, isso poderia comprometer o orçamento familiar. Por isso, estamos tentando sensibilizar diferentes setores. É pelo convencimento que as leis são estabelecidas. Creche no trabalho não basta Essa é a preocupação da manicure Janice Souza, de 27 anos, mãe de Jane, de 3 meses. Apesar de trabalhar com carteira assinada, ela lamentou ainda estar de licença nesta época de festas de fim de ano. — Estou superfeliz de poder estar com a minha filhinha, mas essa é a época do ano que a gente mais trabalha e ganha mais. Até propus ao dono do salão onde trabalho para que eu voltasse antes de a licença vencer. Mas ele disse que o contador achou a proposta arriscada porque depois eu poderia processá-lo — diz ela, que não sabe se gostaria de tirar dois meses a mais de licença. — Ela vai ficar com a minha mãe. Então, sei que posso trabalhar tranqüila. Dependendo da época, dois meses sem comissão são um problemão.E para os que acham que uma creche no local de trabalho da mãe resolve o problema da ausência materna, os especialistas são taxativos: nada substitui o contato permanente com a criança. — Algumas empresas já adotam esse sistema. E, claro, é interessante. Facilita, por exemplo, a necessidade da amamentação. Mas não é o ideal. Não é recomendável que bebês com menos de 6 meses vão para a creche. Essa é apenas uma alternativa, já que as mães têm que voltar a trabalhar compulsoriamente — diz o presidente da SBP, Dioclécio Campos Jr. A designer Mariana Cavagnari, de 29 anos, não voltou. Após o vencimento da licença-maternidade, das férias e da licença-amamentação (que ela só conseguiu tirar depois de apresentar a lei ao empregador), abandonou o trabalho de carteira assinada e está recebendo trabalhos como autônoma para cuidar de Nino, que hoje está completando 10 meses — parabéns, Nino! — Como eu iria deixar esse neném pequenininho sozinho? Até tentei negociar um acordo na volta para trabalhar meio expediente por dois meses em vez de tirar férias. Mas não houve acordo. Entre pagar uma babá e ficar com ele, preferi estar com ele — diz ela, que já não sabe por quanto tempo poderá permanecer em casa. — É claro que a questão financeira pesa. Estamos tentando nos adaptar, mas se a carreira como autônoma não engrenar ele vai para a creche. Mas fico mais tranqüila porque agora já está mais independente. Para Mariana, a permanência com o rebento não é uma necessidade apenas do bebê. A mãe também sofre:— O peito dói. Você também quer e precisa amamentar e estar com seu filho. É um período de adaptação para as duas partes. A prestadora de serviços da prefeitura Joana Milliet já está sofrendo ao pensar na volta ao trabalho. Ela tirou os quatro meses de licença pelo INSS — não sem inúmeras idas ao posto da Previdência antes do parto e contar com o apoio do pai depois que Vicente nasceu — e em fevereiro volta à labuta. — Talvez eu tenha que parar de amamentar antes do que gostaria. Graças a Deus moro perto do trabalho e acho que conseguirei vir em casa na hora do almoço para amamentá-lo — conta ela, que deixou o autógrafo no abaixo-assinado que circulou pela sua turma de ioga para gestantes. — Fiz questão de assinar. Queria muito amamentá-lo exclusivamente até os 6 meses.
Incoerência do Governo
Para os defensores do projeto é uma incoerência do Estado. — O Ministério da Saúde investe em campanhas para incentivar o aleitamento, mas não oferece as condições para que as mães dêem apenas o peito conforme a orientação da OMS — diz Patrícia.
CONHEÇA O PROJETO 281/2005
O QUE DIZ. Cria o programa Empresa Cidadã. Recebem esse título as empresas que prorrogarem a licença-maternidade das funcionárias em 60 dias, em troca de incentivos fiscais.
PARA QUEM VALE. Para todas as funcionárias que requererem o benefício antes do fim do primeiro mês pós-parto.
REMUNERAÇÃO. Integral como nos outros meses de licença.
INCENTIVO FISCAL. As pessoas jurídicas poderão deduzir do imposto de renda integralmente o valor da remuneração da funcionária nesses 60 dias. Mas o valor da renúncia fiscal só será definido pelo governo 60 dias após a aprovação da lei.
DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. Durante a licença, a mãe não poderá exercer qualquer outra atividade remunerada nem deixar a criança em creches. Se a empresa constatar que a empregada está burlando a lei, ela perde o benefício imediatamente.
DIREITOS BÁSICOS
ENQUANTO PAÍSES
desenvolvidos, como França e Alemanha, lembraram a importância de se estender o tempo de licença-maternidade e fortalecer a responsabilidade paterna como forma de ajudar a família a cumprir seus objetivos, nações mais pobres reafirmaram a necessidade de se garantirem à família direitos básicos, como educação sexual e acesso a métodos anticoncepcionais.— Não é possível falar em igualdade de gêneros se a mulher não tiver o direito de decidir quantos filhos quer ter, se não puder planificar sua família. Para ter igualdade é preciso ter acesso à educação, à formação profissional, ao trabalho — reforçou Saida Agrebi, do Parlamento Pan-Africano. — Mas como cumprir esses papéis se ela tiver um filho atrás do outro? Foi o que aconteceu com Lubinês Aparecida dos Santos Souza, funcionária pública de 39 anos. Aos 14 anos ela morava na Bahia e cursava a 6ª . série do antigo primeiro grau quando engravidou. Teve que largar a escola e as expectativas de uma formação profissional para cuidar de Shirley.— Eu não tive nenhuma orientação sobre sexo, métodos anticoncepcionais, nada. E a gravidez interrompeu os meus sonhos — conta Lubinês, que teve ainda um segundo filho, Richard. — Voltei a estudar com vinte e poucos anos e completei meu segundo grau. E ainda vou fazer uma faculdade, pode apostar. Filha repetiu trajetória da mãe A força de vontade de Lubinês, que passou fome e viveu de bicos até conseguir um emprego melhor, foi o que garantiu que a filha Shirley não sofresse tanto ao repetir aquela mesma trajetória: aos 17 anos engravidou de Giulia Magna, hoje com 5 anos. Mas, com a ajuda da mãe, não parou de estudar e atualmente cursa a faculdade de pedagogia.— Não quero isso para a minha neta. Ela vai ter filhos quando achar que é hora e não por descuido — planeja Lubinês, que preside a Associação de Mulheres da Mangueira e faz, com o apoio do Centro de Promoção da Saúde (Cedaps), um trabalho comunitário de orientação e prevenção para que outras jovens não passem pelo mesmo que ela passou. Lubinês, em sua comunidade, é alguém que trabalha por um planeta melhor, bem no espírito do que propõe a Organização Mundial da Família a partir dos oito objetivos de desenvolvimento do milênio ditados pela ONU.
Tania Neves viajou a convite do Governo do estado de Sergipe.
COMO É A LICENÇA PELO MUNDO
ALEMANHA. 14 semanas com salário integral.
ARGENTINA. 13 semanas com 60% da remuneração.
ÁUSTRIA. 16 semanas com salário integral.
BÉLGICA. 15 semanas com 82% da remuneração.
BRASIL. 16 semanas com salário integral.
CANADÁ. 17 semanas com salário integral.
CHILE. 18 semanas com salário integral.
CUBA. 18 semanas com salário integral.
ESPANHA. 16 semanas com 75% da remuneração.
EUA. 12 semanas sem vencimentos.
FINLÂNDIA. 15 semanas 80% da remuneração.
FRANÇA. 16 semanas com 84% da remuneração.
HOLANDA. 16 semanas com salário integral.
ISRAEL. 12 semanas com 75% da remuneração.
ITÁLIA. 14 semanas com 80% da remuneração.
JAPÃO. 14 semanas com 60% da remuneração.
MÉXICO. 12 semanas com salário integral.
NORUEGA. 18 semanas com salário integral.
NOVA ZELÂNDIA. 14 semanas sem vencimentos.
PORTUGAL. 12 semanas com salário integral.
SUÉCIA. 68 semanas a serem divididas entre mãe e pai. O pai pode ceder 25 semanas para a mãe.
URUGUAI. 12 semanas com salário integral.
FONTE: Estudo “The World’s Women: Trends and Statistics” de 1995, da ONU
A OMS, UNICEF, IBFAN, Sociedade Brasileira de Pediatria, e o nosso site www.aleitamento.com recomendamos AMAMENTAÇÃO EXCLUSIVA até os 6 meses e continuada até 2 anos ou mais. Você não acha que é hora de ampliarmos a LICENÇA MATERNIDADE no BRASIL para:
7 meses (c/o funcionárias do RJ) (30,99%)
6 meses (54,68%)
5 meses (4,39%)
continuar como está para não haver discriminação no mercado de trabalho.
(9,94%)
Total de Votos: 342
O aleitamento.com sempre defendeu a ampliação das Licenças Maternidade e Paternidade. Esta enquete veiculada em 2004
é um dos exemplos de umas das iniciativas neste sentido.