Queremos um novo olhar jurídico sobre
o conceito de cuidado
Conferência de abertura de semestre letivo do Curso de Pós-graduação.
No dia 8 de agosto, acontece a conferência inaugural do curso de Pós-graduação Atenção Integral à Saúde Materno-Infantil, que discute o cuidado como valor e direito fundamental.
A Conferência conta com a participação de Tânia da Silva Pereira, representante da OAB/RJ no conselho de direito da criança e do adolescente. Os coordenadores do encontro são Marcus Renato de Carvalho, professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFRJ, e Marisa Schargel Maia, pesquisadora da Maternidade-Escola da UFRJ.
O evento ocorre no auditório nobre da Maternidade-Escola da UFRJ, na rua das Laranjeiras, 180. O horário de início é às 10h, e a entrada é franca.
Tânia da Silva Pereira
Herdeira de uma família com vasta tradição no direito civil – seu pai, o jurista Caio Mário da Silva Pereira, falecido em 2004, foi um dos mais notáveis civilistas brasileiros -, a advogada Tânia da Silva Pereira não nega as origens. Desde 1992, é incansável defensora dos direitos da criança, sua “paixão lúcida”, como costuma definir. E é em nome deste ideal que Tânia luta pela consagração de um novo paradigma na proteção especial para a população infanto-juvenil e idosa dentro do ordenamento jurídico: o cuidado. A idéia do cuidado, explica ela, abrange valores como responsabilidade, afeto e solidariedade, dentre outros não menos importantes. “Cuidar é assumir compromissos; é saber conviver com situações-limite; é ver nas diferenças uma conquista, e não ameaça; é trazer um olhar novo para a realidade da criança, do adolescente e do idoso”, conceitua Tânia, que acaba de lançar, pela Editora Renovar, o livro Direito da criança e do adolescente: Uma proposta interdisciplinar. A obra é, também, uma celebração aos 20 anos dos direitos fundamentais da criança e do adolescente – a partir da Constituição de 1988, esses direitos foram reconhecidos pela primeira vez. Em entrevista à TRIBUNA, Tânia – que é professora da UERJ, além de representante da OAB/RJ no Conselho de Direito da Criança e do Adolescente – fala deste e de outros projetos.
Renata Albinante
T.A: Como surgiu a idéia de trabalhar o cuidado como valor jurídico?
Tânia: A proposta de debater o cuidado nasceu de um encontro, no Rio, com o professor Guilherme de Oliveira, da Universidade de Coimbra, em 2005, quando ficou acertada a realização de um projeto de pesquisa conjunto, envolvendo a UERJ e o IBDFam, que recebeu o nome de Fórum de Estudos Brasil-Portugal: Infância, Juventude e Idoso. O cuidado foi o tema norteador. Há uma mobilização internacional em torno desse novo conceito. Não como expressão da relação maternal com a criança ou de enfermagem com o idoso, e sim numa dimensão de responsabilidade e compromisso. É preciso trazer para o Direito esta proposta, e incluí-la como paradigma no ordenamento jurídico. Hoje, já temos sete decisões do TJ/SP e duas do TJ /RJ neste sentido. Trata-se de um grande salto. No contato com os juízes de primeiro grau, observo que não só o princípio do melhor interesse da criança é levado em conta, mas considera-se também a idéia de que a relação familiar está marcada por compromissos muito maiores do que vencer uma rotina. Em São Paulo, ao julgar uma interdição, o juiz reconheceu o princípio do cuidado. É, sem dúvida, um novo olhar.
T.A: Seu livro Direito da Criança e do Adolescente: uma proposta interdisciplinar, de 1996, acaba de ser reeditado. Na nova edição, a senhora expõe as conquistas e dificuldades ocorridas na área ao longo destes anos. Fale um pouco sobre essas mudanças.
Tânia: Acrescentei nesta edição, além da adaptação ao novo Código Civil, os avanços da legislação e denunciei as dicotomias e controvérsias que envolvem a proteção da infância e juventude no Brasil. São reflexões sobre a liberdade, o respeito e a dignidade como direitos fundamentais infanto-juvenis. Há também considerações sobre dano moral à criança e ao adolescente; proteção do nascituro; direito à convivência familiar; colocação na família substituta e outras formas de acolhimento; delinqüência juvenil; entre outros. Como não poderia deixar de ser, o cuidado como valor jurídico também permeia boa parte do livro. O poder familiar é o cuidado compartilhado entre os pais e a vivência do direito-dever. Dentro deste universo, vale ressaltar a importância do carinho, do respeito à privacidade, da paciência, da compreensão das deficiências e do estímulo das capacidades. É preciso dar limites como forma de proteção e sentimento de segurança.
T.A: O que falta no ordenamento jurídico brasileiro para uma proteção mais eficaz de crianças, jovens e idosos?
Tânia: Em relação à infância, faltam investimentos nas equipes técnicas, que envolvem psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais. É preciso, também, que o Ministério Público assuma efetivamente suas atribuições estatutárias. O direito à convivência familiar e comunitária deve ser estendido tanto à família biológica como à substituta. Quanto ao adolescente infrator, ainda não temos um atendimento como proposta pedagógica. As medidas devem ter este cunho. Se os requisitos básicos previstos na lei forem observados, estaremos colocando em prática o princípio do cuidado. Em relação ao idoso, é fundamental que se criem núcleos de atendimento a essa população.
OAB/RJ – Av. Marechal Câmara, 150 – Rio de Janeiro – RJ