Família e revolução virtual
José Inacio Parente
é Pai, Psicanalista, Fotógrafo, Amigo…
e “inspirador” do slogam da
Campanha de Valorização do Cuidado Paterno de 2006.
As novas tecnologias ajudam revolucionariamente as famílias neste momento de grandes transições. Primeiro ajudam a criança e o adolescente, no seu desenvolvimento mental e social. O mundo se condensou de tal forma que cabe na tela de um computador, e uma viagem pode ser feita com um click. Os amigos são acessados a qualquer momento e em qualquer lugar por um simples botão.
O virtual vai ser visto um dia como a mais radical revolução, comparável ao invento da imprensa por Gutenberg, no século XV. Sou um grande entusiasta desta revolução. Jean Piaget, o maior psicólogo e pedagogo, afirmava que a inteligência das crianças é feita com as mãos. A manipulação com os objetos concretos em formatos e aspectos deferentes, todos sujeitos à gravidade, os movimentos e a força despendida para vencer a gravidade dão à criança a noção de peso, tamanho, inércia, forma e força. Se uma pedra mede X e pesa 1 quilo, uma pedra que mede 2 X pesará certamente 2 quilos. Se arremesso essa pedra a 1 metro de distância, uso uma força X, e se quero arremessar a 2 metros, devo usar uma força de 2 X. Assim por diante. Esse romântico mundo onde nasceram nossos pais, idealizado por muitos como propiciando maior contato com a natureza etc., era extremamente limitado e rígido, pois era todo regido pela famosa regra de 3 da nossa antiga Aritmética e formatado pela lei de causa e efeito. Por isso a cabeça dos nossos mais velhos, costuma ser muito limitada para o entendimento de um computador, de um tocador de DVD e até de pequenos aparelhos domésticos. A dificuldade de pessoas mais velhas com o computador decorre de que suas cabeças foram feitas com a manipulação concreta do mundo regido pela gravidade, pela aparência material dos objetos, pela regra de 3 e pela lei de causa e efeito. Essa dificuldade não está apenas na compreensão do mundo dos objetos eletrônicos (onde a lógica nasce da manipulação do mundo virtual), mas também na compreensão da vida familiar, de suas relações e do universo humano. É o que dizemos quando afirmamos que certas pessoas mais velhas são cabeças duras.
A criança que nasce no mundo de hoje, constrói sua inteligência, não mais com a romântica brincadeira no fundo um quintal, com pedras e areia, mas com a manipulação das imagens, com objetos cujo relacionamento “causal” é inteiramente novo, baseado em outra lógica nova, mais flexível e aberto ao inesperado, onde o erro é apenas uma nova forma de aparecer, onde o fenômeno é plástico e mutante. Apertar um botão uma vez pode fazer aparecer um dragão, apertar duas vezes pode transformá-lo numa pessoa, por exemplo. Apertando num outro botão o dragão cresce, muda de cor, se movimenta, desaparece, fala todas as línguas. É o mundo virtual, sem peso, sem gravidade, sem volume nem formas rígidas, sem erros nem acertos, com a fascinante magia, transportabilidade e transformabilidade das imagens. Não é com as mãos nem com as pedras que a criança constrói sua cabeça, mas com as imagens e com os olhos.
Disso nascem seres diferentes, capazes de, por exemplo, fazer múltiplas tarefas simultaneamente (como os multi-processadores dos computadores) coisa que deixam os pais admirados e intranqüilos. Falam no celular enquanto se contatam com amigos pelo MSN, ouvem um jogo de futebol no rádio e fazem um dever de casa de geografia, tudo ao mesmo tempo. São mentes mais rápidas, mais inteligentes, mais plásticas.
O acesso à informação os dispensa de aprender ou decorar coisas, capitais dos países do mundo, como aprendíamos antigamente, e os libera para aprender e criar lógicas, formas de acesso e acesso mais lúdico à informação. Cinco minutos de tentativas, deixa qualquer criança com acesso pleno ao Google Earth, transportando a imagem do planeta Terra para dentro do monitor. As informações da antiga geografia, enfiadas em nosso cérebro, foram felizmente por ele expelidas gradativamente, para ceder lugar à lógica virtual de como obter informações e não mais precisar guardá-las.
Felizes os pais que podem acompanhar as crianças e os adolescentes neste novo universo da lógica plástica e das comunicações sem distâncias e em tempo real.
A presença física do pai, dificultada pela revolução urbana pode ser compensada por uma conversa no MSN, a ausência por uma viagem ricamente compensada pelas imagens e fotografias trocadas pela internet. A admiração dos fenômenos naturais e mesmo sobrenaturais se complementa com a admiração que pode unir pais e filhos, pelo milagre que os homens puderam fazer acontecer no mundo moderno. Fico horas aprendendo e me deliciando com meus filhos com esses milagres. Posso baixar mais de 50 orquestras tocando a Suíte em Lá Menor de Bach, sem saber de onde veio, quem generosamente disponibilizou sua coleção, quem me emprestou aquele “disco” que não preciso devolver, pois é virtual, é imaterial.
É uma espécie de espiritualização do Homem. Dizer que isso pode tirar tempo para o desfruto do mundo ao ar livre é uma posição de resistência ao movimento inevitável das coisas. Ao contrário, se não é preciso decorar todas as capitais do mundo, a criança pode ter mais tempo livre para jogar e brincar com seus pais. Pode brincar com eles em casa mesmo, porque nesse mundo virtual, não é preciso tomar dois ônibus para chegar até um museu ou ver uma exposição de fotografias em Paris.
Se os pais acompanham este mundo novo dos adolescentes, o mundo pode entrar em nossas casas, nossas casas podem crescer e ficar mais diversas, mais ecumênicas e universais.
NOTA:
Escrevi de um sopro só, pela pressa, mas isso tudo dá um bom e longo artigo ou nova entrevista, que não precisa ser face a face, porque já estamos no mundo virtual. Um segundo e um apontar para o botão SEND me economizará tempo que perderia para escrever uma carta, pôr num envelope, passar o selo na língua, ir até o correio e enviar este e-mail/carta que chegaria ao jornal daqui a quatro dias. Aproveito este tempo que sobra para estar com meus filhos ou ir curtir a natureza neste dia de sol e céu azul…
(matéria preparada para o jornal O Globo em 9/8/2006)