Um ano de Licença Maternidade para o Brasil
PELA APROVAÇÃO DA EMENDA No 12
DO PROJETO DE LEI 6.998/13
“Leio centenas de relatos todos os dias em uma comunidade de mães no Facebook sobre os dilemas, dúvidas, angústias e culpas de milhares de mães que precisam interromper a sua licença maternidade porque não existe uma lei digna que as ampare. Temos de uma lado, o Ministério da Saúde incentivando que as mães amamentem exclusivamente seus bebês nos primeiros seis meses de vida, e no outro, o Ministério do Trabalho que autoriza (principalmente no setor privado) a licença maternidade de 4 meses. É uma contradição que tem prejudicado milhares de bebês todos os anos, e privado o direito da qualidade do cuidados nos primeiros Mil Dias, essencial para o seu desenvolvimento e crescimento, em especial, sua formação afetiva. Se desejamos uma sociedade menos violenta, com indivíduos mais saudáveis e crianças felizes, equilibradas e saudáveis, temos de protegê-las, e isso significa, proteger e garantir a qualidade deste cuidado nos primeiros anos de sua vida, que são fundamentais. Em alguns países nórdicos, a Licença Maternidade é de até 3 anos. A Licença do Brasil de 1 ano significará mulheres mais produtivas no trabalho, menos incidência de doenças da primeira infância e economia para o país. Todos saem ganhando!”
Simone De Carvalho – Fundadora da AMS Brasil
Um sonho possível
Dr. José Martins Filho*
O Projeto de Lei 6.998/2013 proposto pelo deputado Osmar Terra (RS) pretende aumentar para 1 (um) ano a Licença Maternidade do Brasil e para 1(um) mês a Licença Paternidade. Não se trata de um gasto a mais para as empresas, sei que esta é primeira ideia que vem à mente, mas um grande esforço e investimento para prevenir muitos problemas futuros na vida de uma criança, que visa não só o benefício para a família, mas também para toda a sociedade. Sai muito mais barato investir em um projeto de licença maternidade, do que em mais creches de período integral. Estou convencido disto.
O programa “Empresa Cidadã” do Governo Federal, que hoje contempla o pagamento de 2 (dois) meses além dos 4 meses obrigatórios estipulados por Lei 11.770/2008 para o setor privado pagos através da redução do IR das empresas cadastradas no programa, é um esforço de manter os seis meses de aleitamento exclusivo que infelizmente, ainda alcança uma pequena parcela da população brasileira. Penso que se for possível ampliar este benefício para mais seis meses e desburocratizar o acesso das empresas à esta maravilhosa iniciativa, chegaremos mais perto desta realidade que pretendemos lutar muito e mudar a realidade que vivemos hoje.
Sobre o ponto de vista imunológico, as crianças são imaturas e as chances de contraírem doenças principalmente respiratórias em razão do desmame precoce (muitas vezes forçado pela volta prematura da mãe ao trabalho, muitas delas no primeiro mês de vida do bebê) e pelas consequências emocionais de uma separação precoce, contribuem para o chamado estresse tóxico, tema muito debatido nos dias atuais.
Os novos conhecimentos que temos hoje em pediatria são revolucionários e fazem uma grande reviravolta em tudo que sabíamos sobre a vida emocional dos bebês não só intra útero, mas durante toda a primeira infância, principalmente no período que vai dos zero aos 6 anos de idade, pois é nesse período que as imensas modificações cerebrais, caracterizadas por um processo rapidíssimo de divisão celular cerebral que começa a acontecer já no primeiro ano de vida, os neurônios se multiplicam indo de bilhões de células para trilhões e mesmo quatrilhões de sinapses. Nesses locais é que, à medida que a criança entra em contato como meio ambiente e recebe os primeiros impulsos e informações, se armazenam todo o conhecimento que elas irão usar e utilizar praticamente por todo o resto da vida. Há quem diga que o que se aprende nesse período curto de vida, até os 6 anos, mas particularmente nos primeiros dois anos, é muito maior do que tudo que você vai aprender no resto da sua vida, mesmo que seja um gênio matemático ou filósofo ou grande catedrático de qualquer matéria intelectual.
Mas dentro dessa especificidade impressionante deste período, é preciso conhecer alguns outros fenômenos que é além das questões dos primeiros mil dias e das janelas de oportunidade, que é o feito do ESTRESSE nas crianças pequenas e mesmo nos lactentes e que muitas vezes passam totalmente desapercebidos pela família e pela sociedade.
Hoje um novo conceito chamado de ETP (estresse tóxico precoce) está sendo muito estudado e seguido e que tem a ver com esses primeiros mil dias, com as janelas e com o desenvolvimento do sistema nervoso central das crianças, com sérias repercussões para o resto da vida, às vezes, com dificuldades escolares, violência, déficit de atenção e mesmo transtornos de hiperatividade e agressividade.
Os cientistas estão chamando de ESTRESSE TÓXICO PRECOCE, o fenômeno, infelizmente muito comum em crianças terceirizadas (e neste caso, quanto menos a licença maternidade, maior são as chances desta prática ocorrer, crianças submetidas às longas horas em creches e berçários em razão da rotina exaustiva da mãe). Sabemos que essas crianças submetidas a esse tipo de prática tem uma tendência a se manterem sempre em “alerta máximo” corporal e emocional, com a liberação de vários hormônios provenientes do cérebro e estímulos principalmente que vem do hipocampo cerebral e das amídalas cerebrais e que estimulam constantemente as glândulas supra reinais a liberarem a adrenalina e principalmente hormônios (ACTH) que são responsáveis por manter os corpos de todos os mamíferos, e claro, das crianças também em constante alerta, para reagir a alguma agressão. Esse estado de alerta é o responsável por respostas imediatas de reação frente ao perigo. Pois bem, o pior é que esse contínuo ” banho” dessas substâncias acaba por ser lesivo para o cérebro e os trabalhos mostram que crianças que sofrem esse estresse tóxico precoce (ou separação precoce de sua mãe, principalmente antes dos seis meses de vida), são muitas vezes lesadas, com dificuldades neuronais, com perda de neurônios e destruição das sinapses.
Família e Sociedade muitas vezes ainda não tem ideia da importância de atender prontamente crianças que choram, que devem ser acolhidas, cuidadas com afeto e com muito carinho e atenção. Porque se uma criança tem uma família que não há deixa chorar, que atende seus anseios, seus medos e intranquilidades e ela é prontamente recebida por um adulto acolhedor, o organismo, sente o medo, sofre o stress, mas ele não é tóxico, porque ao ser atendido o organismo não desencadeie essa resposta nessa via hipotalâmica adrenal (ou via do stress tóxico) e os danos e as lesões cerebrais podem ser evitados ou minimizados.
Claro que é preciso saber que as crianças têm uma resposta diferente a esses estímulos estressantes e muitas delas, tem desenvolvido a Resiliência, que é a capacidade de resistir ou neutralizar esses fenômenos e que, também agora, podemos, através de exames muito modernos, como Ressonância Magnética Cerebral ou até mesmo pela medida da concentração de cortisol na saliva, sabermos o grau de stress que uma criança está tendo e o que podemos fazer para ajudá-la e minimizar seus efeitos danosos.
Enfim… estes estudos estão sendo hoje desenvolvidos em algumas Universidades Internacionais, uma delas é na Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, e cada vez mais, pediatras como eu que sempre lutamos contra a terceirização infantil e os danos causados por ela contra o abandono, a ida precoce para as creches, podemos documentar claramente os efeitos danosos de atitudes inadequadas para com nossas crianças… Na verdade crianças que vão para creches em idades de 1,3 ou 4 meses, estão sendo submetidas a um estresse duplo, emocional e físico. Emocional porque são afastadas de suas mães num período muito precoce e ainda nem sabem direito que nasceram, porque até 6 meses de idade, aproximadamente, as crianças pensam que são parte do corpo da mãe. A interrupção abrupta dessa relação e a colocação em creches é um estresse emocional que não pode e não deve se transformar em stress tóxico com a permanência num período pequeno, com a mãe indo visitar sempre que possível a crianças e sempre que houver qualquer problema físico…é preciso cuidar da criança… estar presente… dar atenção… isso é importante para o resto da vida dessa criança. O melhor lugar para uma criança até os dois anos, é sem dúvida ao lado da mãe e com sua família.
Bem sei que essas colocações as vezes criam problemas no mundo moderno porque nossas mães, que precisam trabalhar, ficam divididas e sofrem… É por isso que tenho insistido que sairia muito mais barato para nosso país, lutar por uma licença maior, no mínimo de um ano e se possível de dois anos como em alguns países… melhor do que propor creches em tempo integral, protegendo também o aleitamento materno, que é padrão ouro de nutrição infantil em todo mundo e mais do que incontestável a sua importância no primeiro ano de vida de um bebê. Uma criança só tem imunidade adequada para se defender das agressões físicas e psicológicas a partir de dois anos de idade e a imunidade de uma criança antes disso é pequena e é por isso que entram nas creches e começam a ter os problemas…
É um desafio que deixo claro para que as pessoas que concordarem me ajudarem a mudar essa realidade. É preciso focar qualidade do início da vida e como esta qualidade será responsável por este indivíduo social, a criança. Os Primeiros Mil Dias de uma criança irão determinar toda a sua vida nos aspectos físicos, emocionais, nutricionais e de sua saúde. Um pré-natal bem orientado, um parto bem assistido, uma amamentação bem apoiada e, principalmente, a proteção do cuida doe do vínculo no primeiro ano de vida do bebê, são fatores fundamentais para o crescimento saudável.
Acho que trouxe aqui argumentos mais do que convincentes para que possamos encabeçar de vez essa ideia da importância de uma luta por Uma Licença Maternidade de um ano em nosso país para as mães e de um mês para os pais. Nossos bebês merecerem e nossa sociedade anseia por um futuro de indivíduos mais saudáveis, equilibrados emocionalmente e principalmente afetuosos.
* Dr. José Martins Filho
Professor titular, Emérito de Pediatria da UNICAMP
Escritor e Conferencista sobre assuntos de Desenvolvimento Infantil
Presidente da Academia Brasileira de Pediatria