Pai me conta uma história
A magia do ato de se contar uma história não se resume à história contada, mas ao próprio ato. É o momento em que a imaginação de quem ouve – em geral seu filho – encontra na história contada um pouco das milhares de informações que a humanidade traz desde o seu aparecimento. Na maioria das vezes ações de cunho moral, de saber viver e de como resolver os problemas práticos e filosóficos da vida. Uma história banal de joãzinho e mariazinha carrega uma sabedoria de milênios e já navegou por todos os povos da Terra. Histórias transmitem segurança, conforto e trazem significado para nossas vidas. Por isso, por mais cansado que você esteja após um dia de trabalho, conte uma história para o seu filho. Se não puder inventar, leia. Mas não deixe de fazer isso nunca.
A tradição da narrativa oral, por mais paradoxal que possa parecer, começou a perder força com a invenção da imprensa por Gutemberg. Em vez de se contar e escutar causos em volta do fogo o homem passou a encontrar, a partir dos livros, as histórias escritas em papel. Ao mesmo tempo em que a escrita tirava a força da oralidade das histórias com o novo recurso da impressão elas se clonavam aos milhares. Foi-se a técnica da voz e da presença e entrou a possibilidade da leitura. E assim veio até os tempos mais recentes quando novas ferramentas entraram novamente em cena: rádio, televisão e o cinema. Este último tendo em Walt Disney a sua expressão maior. Foi ele o grande responsável pelo renascimento das velhas historias européias, árabes e orientais e com elas criou um repertório genial. Hoje, computadores produzem efeitos especiais e repetem, adaptadas à sua maneira, as mesmas histórias que os nossos antepassados contavam – Shreks, Galinhas e Nemos fazem o encantamento das crianças. Mas, o seu filho poderá fazer quantos replays quiser no DVD e assistir até a exaustão “A Era do Gelo” que nada vai se comparar ao ato de você, ao lado da cama, num momento de intimidade e aconchego contando um simples história “da baratinha”? Isto sim vai ficar na memória da criança para sempre. Da “babá-eletrônica” ele não vai se lembrar muito.
Foi na década de 70, em Londres, que uma emigrada afegã começou a contar histórias para seus amigos em sua casa após as reuniões de jantar. Estes começaram a trazer outros amigos para ouvir histórias, e o movimento dispersou. Breve a casa da mulher era pequena demais para tanta gente querendo ouvir antigas histórias. O curioso é que esse renascer da oralidade da contação de histórias é simultâneo ao surgimento dos efeitos especiais da computação. São as novas técnicas disputando com as velhas os mesmos ouvidos e corações. Da casa da afegã em Londres o processo se alastrou pelo mundo e há alguns anos chegou com força ao Brasil. Pessoas interessadas começaram a se reunir para recuperar o antigo modo da contação de histórias. Grupos, clubes e casas de contadores se espalharam e, aliados aos trabalhos voluntários prosperam a olhos vistos, ou melhor, a ouvidos escutados. Os primeiros a ouvirem as histórias foram os pacientes de asilos, albergues, hospitais, orfanatos e, é claro as escolas. Hoje já temos profissionais treinando técnicas de narrativa, voz e postura, e pesquisadores buscando e espalhando histórias pela Internet. A tradição da narrativa árabe e a Índia com suas 480 mil histórias catalogadas são o grande celeiro de inspiração.
Deixe a preguiça de lado e comece a contar histórias para os seus filhos, sobrinhos e netos. Se achar que vai ser difícil lembre-se das palavras de Cristo, um dos maiores contadores de histórias que o mundo conheceu – “Vá, que na hora aprazada sua boca falará por ti”.
Eloi Zanetti – publicitário – uns dos fundadores da Casa do Contador de Histórias de Curitiba – autor do livro infantil O Nó do Afeto, entre outros. [email protected]
Eu conto !
Marcus – Pai da Clara e da Sophie.