Pela ampliação da licença-paternidade
EUA persistem sendo o único país desenvolvido em que a licença-maternidade compreende 12 semanas, sendo não necessariamente paga
Flávia Piovesan
Em 4 de agosto, a empresa Netflix anunciou a extensão da licença-maternidade e paternidade para até um ano de afastamento remunerado, sem distinção de gênero. A inédita iniciativa alcança também as hipóteses de adoção. A política é justificada para atrair talentos e, sobretudo, para evitar a perda de talentos. (“Permisos de paternidade para retener el talento”, El Pais, 07/08/2015).
A empresa Google acaba de adotar política similar, assegurando 18 semanas de licença remunerada às mães e até 12 semanas remuneradas aos pais. Na mesma direção, o Facebook contempla licença-paternidade remunerada de quatro meses aos pais. As inovações ocorrem no chamado Vale do Silício, nos EUA, uma espécie de terra prometida para jovens — a empresa Google, por exemplo, permanece há seis anos consecutivos como a empresa mais desejada para se trabalhar, segundo a revista “Fortune”. Atente-se que os EUA persistem sendo o único país desenvolvido em que a licença-maternidade compreende 12 semanas, sendo não necessariamente paga.
No Brasil, a Constituição garante o direito à licença-maternidade, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias, sendo a licença-paternidade fixada por lei por um período de apenas cinco dias. Em 2014, Niterói aprovou 30 dias de afastamento para os novos pais, sendo a medida somente aplicável a funcionários públicos. Na região latino-americana, o Uruguai se destaca como o país que assegura o maior período para a licença-paternidade: 12 semanas pagas pelo governo. Em geral, na América Latina o direito à licença-paternidade compreende de dois a oito dias. Segundo a BBC — em levantamento sobre os países que oferecem as maiores e as menores períodos de afastamento —, a licença-paternidade na Eslovênia é de 90 dias; na Islândia é também de 90; na Suécia, de 70; na Finlândia, 54. Na maior parte dos países, contudo, a licença-paternidade oscila entre dez e 15 dias.
A “Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia” enuncia a proteção da família nas esferas jurídica, econômica e social, bem como o direito de conciliar a vida familiar e a vida profissional, mediante a proteção contra demissão baseada na maternidade, bem como o direito à licença-maternidade e à licença-paternidade (artigo 33). Há uma sólida jurisprudência protetiva do direito ao respeito à vida familiar, consagrado no artigo 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, bem como uma consistente jurisprudência a respeito da proteção à maternidade e à gravidez. No entanto, ainda incipiente mostra-se a efetiva proteção à licença-paternidade, com a necessária ampliação do período de licença remunerada — louvável tendência a despontar no Vale do Silício.
Seis argumentos se somam na defesa da expansão do período da licença-paternidade:
1) propiciar um maior equilíbrio entre a vida familiar e profissional (fortalecendo o direito a conciliar a vida familiar e a vida profissional);
2) democratizar as esferas pública e privada, para que, em igualdade de condições, homens e mulheres participem da vida pública e privada (fomentando transformações na cultura ainda sexista e patriarcal);
3) assegurar maior proteção aos direitos da criança, especialmente nos primeiros meses de vida (concretizando o princípio da absoluta prioridade à infância);
4) estimular a maior participação de homens na “ética do cuidado” (deixando de concentrar quase que exclusivamente na mulher a responsabilidade de cuidar dos filhos);
5) intensificar o vínculo e a convivência entre pais e filhos/as (importando em extraordinários ganhos existenciais a ambos);
6) garantir condições de maior bem-estar aos trabalhadores (revertendo, inclusive, em maior rendimento profissional e lucros às empresas. Pesquisa realizada em 22 países revela que ter mais tempo com a família é fundamental aos trabalhadores, adicionando que, entre os benefícios mais desejados pelos trabalhadores brasileiros, está a demanda por horários de trabalho flexíveis).
Que a extraordinária iniciativa do Vale do Silício possa inspirar outros tantos avanços em prol do direito a conciliar a vida profissional com a vida familiar, contribuindo para a formação de famílias mais democráticas e igualitárias, radicadas na maternidade e na paternidade responsáveis, em defesa dos direitos dos novos pais, das novas mães e, sobretudo, dos(as) filhos(as) das novas gerações, sob a perspectiva de relações equitativas de gênero.
Flávia Piovesan é procuradora do Estado de São Paulo e professora da PUC-SP
Fonte: O Jornal O Globo
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