Paternidade tem atenção de governos e comunidade
Nos Estados Unidos e na Europa, os governos, algumas empresas e várias ONGs formadas, principalmente, por homens passaram a investir na implementação de programas em favor de um exercício mais saudável e justo da paternidade.
Fundada em 1994, a ONG americana National Fatherhood Initiative (www.fatherhood.org) é uma delas, aliás uma das pioneiras, que promove encontros, divulga informações sobre os direitos dos pais e possui uma série de publicações sobre o assunto.
No âmbito governamental, a iniciativa do Reino Unido é exemplar. No ano passado, o governo lançou um plano que incentiva pais e mães de crianças menores de seis anos a negociarem com os empregadores flexibilidade de horário de trabalho com o objetivo de ganhar mais tempo ao lado da prole.
Lá, a discussão existe há pelo menos 30 anos. Segundo a Equal Opportunities Commission, ONG britânica de defesa dos direitos trabalhistas, nos anos 70, os pais não gastavam mais do que 15 minutos com seus filhos em um dia da semana; nos anos 90, esse número havia subido para duas horas.
No Brasil, as políticas públicas estão longe de favorecer a figura paterna, diz o psicólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de livros sobre direitos dos homens Sócrates Nolasco. “Em países da Europa, existe o que chamam de licença parental, que é concedida ao casal, e não ao homem ou a mulher. Isso permite que um ou outro possa se afastar do trabalho e cuidar dos filhos pós-nascimento.”
Por aqui, a licença-paternidade é direito apenas do pai biológico e dura somente cinco dias, com a exceção dos pais que são funcionários públicos estaduais e federais.
Segundo Gabriela Schreiner, diretora-executiva da ONG Cecif (Centro de Capacitação e Incentivo à Formação), que trabalha em prol da convivência familiar, há um projeto de lei em tramitação no Congresso que prevê pelo menos dois meses de licença para os homens solteiros que adotam uma criança.
“Hoje esses homens, sem a figura feminina presente, não têm direito a nada. As pessoas se esquecem de que esse direito é da criança, que necessita desses meses para conhecer melhor essa pessoa”, defende a advogada.
Pai moderno exige ser mais do que provedor
KARINA KLINGER
free-lance para a Folha
Elas foram atrás de igualdade de direitos, venceram boas batalhas e ainda deixaram um presente especial para o sexo oposto: a chance de eles exercerem a paternidade em pé de igualdade. E os que aproveitam essa deixa vivenciam uma masculinidade diferenciada. O conceito da nova paternidade exclui comportamentos padronizados e ditatoriais, como ter de freqüentar todas as reuniões da escola ou de participar de todos os momentos importantes da vida da prole. Esse pai assumido é sensível e presente, mas também sabe impor a autoridade, por exemplo.
A nova paternidade reforça a masculinidade e dá mais segurança ao homem. Permite a ele que melhore sua relação com o mundo. “Além de ajudar a quebrar defesas, o filho retira o homem da introspeção”, diz o psiquiatra Luiz Cuschnir, que está formando, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP), um grupo de discussão com pais e mães a respeito dos respectivos papéis. “Em todos os níveis sociais, os homens mostram-se mais preocupados em chegar a uma via de acesso aos filhos.”
Apesar de escassas, as pesquisas indicam que o desejo de ser pai e também de exercer a paternidade de forma menos convencional está cada vez mais evidente. Entrevistas feitas pela terapeuta familiar Sandra Fedullo Colombo, com 120 homens e mulheres, evidenciaram que a maioria deles questionam o fato de não passarem de meros provedores. “Eles não querem perder a chance de exercer a paternidade. Querem morar com os filhos, acompanhar o crescimento deles de perto”, diz Colombo, que, em junho, lança um livro sobre o assunto (“Ainda Existe a Cadeira do Papai?”, ed. Vetor).
Reconhecendo que o assunto tem relevância, alguns governos e algumas empresas na Europa e nos Estados Unidos dispõem de políticas que possibilitam que os trabalhadores fiquem mais tempo com os filhos.
Um estudo realizado em 2000 pelo instituto de pesquisa americano Harris mostrou que 70% dos homens até abdicariam facilmente de um salário mais alto em troca de mais tempo com a prole – entre as mulheres, essa resposta foi dada por 63%.
O gerente de recursos humanos Fabio Paranhos, 40 anos, é um exemplo reforçado desse “novo” pai. Na falta de uma companheira e futura mãe dos seus filhos, após vários relacionamentos, ele partiu para a adoção. “Sempre tive vontade e, em 1999, inscrevi-me em um programa de adoção. Em outubro, conheci a Sofia, na época com três anos. No começo foi difícil. Quando a peguei para sair pela primeira vez, ela não parou de chorar até chegarmos em casa. Fiquei me sentindo um monstro. Lembro que, em um dos encontros, ela se encantou com a minha mãe, logo passou a chamá-la de vó. Mas não conseguia dizer pai.”
Hoje a relação vai muito bem – tanto que o nome de Paranhos já figura em uma segunda lista de adoção. Ele quer uma irmã para Sofia, agora com oito anos. A realidade do pai solteiro surpreende e o obriga a deparar-se com perguntas tolas, como: “É você que a leva ao cabeleireiro?” ou “Você sabe quanto ela calça?”, feitas pela vendedora da loja que não encontra uma mulher ao lado do pai e da filha.
“Isso aprendi a levar numa boa. Só fico chateado, às vezes, por não ter com quem dividir as decisões, como escolher um colégio bacana.” No campo profissional, ele negociou a redução da carga horária dentro da empresa em troca de levar trabalho para casa.
O novo conceito de paternidade abrange, além de desejos e atitudes antes exclusivos de mães, as armadilhas enfrentadas por elas. Não saber separar o papel de pai do papel de homem e sofrer na hora de encarar novos relacionamentos é uma delas. “Eles acabam se escondendo atrás da figura do pai, tornam-se reféns dos filhos e, quando se separam, têm dificuldade para se envolverem novamente”, diz Cushnir. O publicitário Milthon Cury, por exemplo, esperava mais de um ano para apresentar a namorada nova aos filhos, Natália e Gustavo. “Ficava com receio da reação deles. Além disso, precisava encontrar alguém que os aceitasse, pois eram pequenos, a mais velha tinha cinco anos.” Afinal, há de se levar em conta o variado gosto feminino.
Há aquelas que valorizam os homens que assumem a responsabilidade paterna, mas há as que fogem de homens separados da mulher, mas não dos filhos. Aliás, nesse quesito, pais e mães costumam fazer muita confusão. É difícil compreenderem que a separação do casal, quando ocorre, é dentro do casamento, e não na relação com os filhos.
Para o psicólogo Ailton Amélio, do Departamento de Psicologia Experimental da USP, hoje se vive em um mundo de representações, no qual predomina a ditadura do afeto, ou seja, é preciso demonstrar o amor por meio de atos e práticas. Por isso essa relação dos homens com os filhos se complica um pouco. “Cada um demonstra afeto de uma maneira, não é preciso dar todas as refeições e ficar todos os dias ao lado dos filhos para amá-los. Estar presente e ligado é muito mais do que realizar as tarefas domésticas.”
Aliás, o desejo exacerbado de estar sempre presente na vida do filho pode até criar uma competição entre os progenitores. O casal Eliane e Roberto Kreisler admitem, especialmente ele, que, durante um tempo, viveram essa competição bem-intencionada. Ambos queriam participar de absolutamente tudo na vida do casal de filhos. Das idas ao médico até o transporte diário para a escola! Ele conta que teve um pai superprotetor e acreditava que o bom pai era desse gênero: hiperparticipativo. Com o tempo, aprendeu a relaxar e dividir as funções com a mulher.
São os mais jovens que melhor assimilam essa nova paternidade. Mas há vovôs indo atrás do tempo perdido, como Walter Teister, 70. “No meu tempo, o pai era aquele que trazia dinheiro para a comida e para a escola dos filhos. Como eu trabalhava no interior, tinha pouco tempo para ficar com as quatro crianças. Ficava amargurado por não ter dinheiro suficiente, hoje eu me arrependo de não ter aproveitado a infância deles, então faço isso com meu bisneto”, diz o mecânico aposentado, que troca fralda, dá comida, conversa, brinca e chora com Vitor Hugo, 2. “Não preciso ser aquele homem durão. No começo dá medo, mas todo homem deve viver o gostinho da paternidade para ver como é bom.”
Veja como a mulher pode colaborar com o pai moderno
Para o homem exercer a paternidade, a colaboração da mulher –ou ex-mulher — é quase sempre indispensável. Primeiro, ela deve ter em mente que o homem, em geral, não sabe desempenhar o papel de cuidador e precisa passar por um processo de aprendizagem, já que essas informações não costumam ser transmitidas a eles. Aliás, em muitas situações, a mulher é a fonte de inspiração ou o modelo a ser seguido por ele.
“Ela deve ajudar o companheiro a lidar com essa nova masculinidade, em que a demonstração de sentimentos é uma necessidade. Ela pode e deve até incentivar esse tipo de comportamento”, diz a psicóloga Vera Lúcia Senatro, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP).
Ajudar o homem a desempenhar o papel de pai, em tese, livraria a mulher de tarefas que ela sempre teve de assumir sozinha. Mas, apesar de árduas, nem sempre a mulher abre mão de exercê-las.
“O processo é tão complexo que hoje a disputa por essas funções têm sido comum tanto em casais que estão juntos como em ambientes onde o casamento acabou. Isso pode acontecer de forma inconsciente, como uma competição de quem pode mais. Mas nada muito grave”, diz a terapeuta familiar Sandra Fedullo Colombo. Na verdade, um não é mais importante do que o outro; pai e mãe se complementam.
E a boa notícia para eles: esse parceiro mais sensível e aberto a experiências tem atraído o interesse das mulheres, diz o psiquiatra Luiz Cushnir.
Conheça as atitudes próprias de pai moderno
– Exercita a paternidade antes mesmo de o rebento vir ao mundo. A mulher, que carrega o bebê, tem um elo de ligação mais forte, claro. Mas o homem pode e deve intensificar essa proximidade com a criança e com a vida dela, acompanhando a mulher nas consultas médicas, por exemplo, ou nas compras do enxoval.
– Respeita as opiniões da mãe no convívio com os filhos, uma das regras fundamentais para o exercício saudável da paternidade. Assim, a criança cresce em um ambiente onde o respeito é uma atitude valorizada.
– Mostra sentimentos de toda sorte, não apenas os valorizados pela sociedade, mas também os sentimentos de fraqueza, tristeza e incerteza. Nenhum pai encarna o ser humano perfeito, portanto deve ser visto como um modelo real que também comete erros.
– Demonstra o afeto de uma forma individualizada, própria, e não padronizada. Sabe que não é preciso trocar todas as fraldas do bebê ou se sentir culpado porque faltou às reuniões de pais e mestres da escola para ser um pai participativo.
– Mostra-se sensível e presente, mas nem por isso abandona a função de educador, impondo, por exemplo, limites e outras ações disciplinares.
– Conquista e preserva o hábito de estar em constante diálogo com os filhos, o que significa saber também ouvi-los.
– Não pede licença para exercer a paternidade quando o casamento acaba. Com a separação do casal, o distanciamento que ocorre é em relação à ex-mulher, e não aos filhos. A tarefa pode ser árdua no início, mas é indispensável para garantir a harmonia no relacionamento com a prole –e mesmo com a ex.
– Exerce a paternidade durante toda a vida, pois ela não acaba nunca. Os filhos crescem, mas o papel do pai na vida deles é sempre fundamental.
Fontes: Luiz Cuschnir, psiquiatra; Sandra Fedullo Colombo, terapeuta familiar; Malcom Montgomery, ginecologista; Alice Maria Dellitte e Maria Tereza Maldonado, psicólogas
www.aleitamento.com – em defesa da paternidade