Pais adolescentes também merecem atenção
Engana-se quem pensa que o peso da gravidez na adolescência atinge apenas a mãe do bebê. Enquanto todo tipo de cuidado é direcionado para as mães ainda meninas, pouco se fala sobre as dificuldades enfrentadas pelo pai da criança, muitas vezes, também adolescente. Ao menino “grávido” resta assumir postura de adulto digna de um pai de família. Mudança considerada brusca pelos especialistas e que pode trazer conseqüências graves caso o futuro pai não receba a atenção que merece.
“Às vezes o garoto não é irresponsável, tem projetos de vida, só que tudo é interrompido devido a um encontro sexual não organizado. O impulso é igual a ambos, mas as políticas de saúde estão direcionadas apenas para a mulher”, alerta Socorro Gomes, médica da Fundação José Silveira, entidade cuja atividade social da semana foi dedicada à paternidade precoce.
O garoto fica tão apavorado quanto a menina. “Pensei que minha vida fosse acabar. Tive vontade de dormir e não acordar mais. Queria fugir, ir para outro mundo. Comecei a ver minha rotina totalmente alterada. Foi difícil encarar”, conta Sérgio Visconti de Mello, 17 anos, pai de Cauê há oito meses.
O choque se justifica devido à falta maturidade e planejamento. “Os dois são despreparados, têm desejo, mas não têm noção de que possuem um corpo com capacidade reprodutiva. O problema é que não há uma lógica de acolhimento público para o pai da criança. Tudo está voltado para a mãe e o garoto passa a ser o chefe, aquele que vai para rua trabalhar, o responsável por trazer dinheiro para sustentar o bebê”, explica Jorge Lyra, coordenador do Instituto Papai (Programa de Apoio ao Pai Jovem e Adolescente) em Recife. Isso quando a paternidade é assumida.
Grávidos – Incomodado com a situação, o jornalista Gilberto Amendola escreveu o livro Meninos grávidos – O drama de ser pai na adolescência, lançado na última segunda-feira em São Paulo. O interesse pelo assunto surgiu durante cobertura de um encontro sobre gravidez precoce. Mães de adolescentes grávidas teriam passe gratuito de ônibus para acompanhar as filhas nos exames pré-natais. “Perguntei se não haveria tal facilidade para os pais adolescentes, para que eles também acompanhassem suas parceiras. A pergunta foi tomada como pura idiotice. Fiquei com isso na cabeça e comecei a pensar em aprofundar esta indiferença”, conta Amendola.
Não há dados que dêem conta da quantidade de pais adolescentes no Brasil. Sabe-se apenas que nascem por ano cerca de 485 mil crianças filhas de mães com menos de 19 anos, informa o Ministério da Saúde. “É um muro de silêncio. Os homens nunca são ouvidos nas pesquisas”, ressalta Lyra.
Entre as conseqüências, a evasão escolar é o que mais preocupa. Segundo o Ministério da Educação, cerca de 25% dos garotos e garotas que abandonam a escola, no Brasil, tem como prioridade assumir as responsabilidades de ter um filho. “O número é elevado”, garante Socorro Gomes.
Aos 16 anos, Cristiano Mauro, teve que trocar o segundo grau na rede pública de ensino por uma vaga de balconista em uma lanchonete. “Fui homem pra fazer, agora tenho que correr atrás. Não sou mais sozinho no mundo, tenho uma boca para alimentar, um guri que depende de mim”, diz o rapaz com relação ao filho que vai nascer no final de dezembro.
O excesso de responsabilidade numa fase em que ainda são filhos costuma mexer com a auto-estima dos pais meninos. Os que optam por trabalhar para sustentar a criança encontram um mercado de trabalho inchado com baixos salários. “Faculdade agora virou segundo plano. Nem teria tempo, dobro no serviço para aumentar a renda”, diz Cristiano Mauro.
Já os que vêm de situação financeira mais estabilizada passam a contar com a ajuda da família. “Tivemos sorte. Nossos pais ajudam com as despesas. Enxoval, médico, frauda, remédios, roupinhas, é muita coisa para comprar”, conta Visconti.
Precoces – Em 2004, foram realizados 27 mil partos de meninas com idades entre 10 e 14 anos. O numero refere-se apenas aos nascimentos catalogados sem contar as clínicas clandestinas. Há ainda a hipótese de a gravidez entre 10 e 14 anos estar relacionada com exploração sexual, uma vez que a maior parte das adolescentes engravida de garotos na mesma faixa etária. “Infelizmente ainda não temos como afirmar com precisão. Carece de uma coleta específica dos dados”, resume Lyra.
Às famílias que enfrentam o drama de gravidez na adolescência, os especialistas consultados pelo A Tarde On Line dão três dicas.
“Tem que dar apoio, acompanhar. Não adianta tratar como se o menino fosse um monstro, irresponsável. Precisa é mostrar soluções, maneiras de adaptar à nova vida. Dar atenção porque se trata de uma pessoa com a auto-estima mexida”, diz Socorro Gomes, médica da Fundação José Silveira.
“Depois que passa o susto, o garoto acorda e descobre que virou chefe de família. Pára de estudar e antecipa etapas porque agora tem responsabilidades do mundo adulto. Aí aparecem pessoas que exigem coisas que o garoto não tem condição de oferecer. Não faz sentido cobrar já que não há um acolhimento de saúde pública para garantir o conforto do pai. Não pode simplesmente culpar o pai do bebê sem pensar junto com ele como a situação poderia ser transformada”, afirma Jorge Lyra, coordenador do Instituto Papai (Programa de Apoio ao Pai Jovem e Adolescente) em Recife.
“Os meninos em geral ficam de escanteio. Pela família da garota, são tidos como um monstro, que estragou a vida da menina. Pela sua própria família são vistos como ‘idiotas’ porque não usou preservativo. Na verdade, estão perdidos e precisam de apoio”, pondera Gilberto Amendola, no livro Meninos grávidos – O drama de ser pai na adolescência.
Livro aborda paternidade na adolescência
Meninos grávidos
O drama de ser pai adolescente
de Gilberto Amendola
De repente, de um namorico passageiro entre adolescentes, a menina engravida. Ela é acolhida pelos próprios pais, a família, a comunidade e até pela sogra. Mas, e o rapaz? Cobrado, culpado, confuso, o que acontece com ele?
O adolescente que vai ser pai fica grávido, quer acompanhar o processo de gestação, quer cuidar do filho. No entanto, ninguém o vê. É ignorado pelas autoridades, que praticamente desconhecem o problema, e pela sociedade, que nunca pensou mais seriamente nesses meninos-pais. Mas eles existem, e exigem de nós reflexão, compreensão e atitude, no sentido de aliviar o impacto que a paternidade tem na vida desses meninos, meninos grávidos.
O autor
Gilberto Amendola é jornalista com experiência em rádio (Jovem Pan), TV (ESPN Brasil), jornal (JT), revista (Ver Video, Shopping Music) e internet (Eritmo e AOL). Atualmente trabalha como repórter do caderno Cidades do Jornal da Tarde. Como dramaturgo, escreveu peças para empresas entre 1996 e 1998, e estreou em circuito comercial com a peça Asdrúbal C – O Viajandão, em 1998. Vieram depois as comédias Antibióticos, Espeto de Coração e Sex Shop Café, todas montadas pela Cia. Encena. É autor de Assassinatos sem a menor importância, da Coleção Repórter Especial.
96 páginas, 12 x 18 cm, R$ 16,00
Coleção Repórter Especial
Editoras Albatroz, Loqüi e Terceiro Nome
“Eu achei que minha vida ia acabar. Foi incrível quando eu percebi que não tinha acabado e nem ia acabar por causa do bebê. Aprendi que, de um jeito ou de outro, a vida sempre continua”, afirmou um jovem pai em entrevista ao jornalista Gilberto Amendola quando questionado sobre sua experiência em ser um pai adolescente.
A vida dos pais adolescentes não acaba, mas ganha novos contornos e responsabilidades com a chegada de um bebê. Os jovens pais, que estão apenas iniciando seu preparo para a vida adulta, vêem-se às voltas com questões como o amadurecimento precoce, a responsabilidade que a chegada e a criação de um filho exigem. Além disso, via de regra, os jovens pais nem de longe contam com a mesma atenção que as meninas-mãe recebem da família, dos amigos e, principalmente, das autoridades. “Os meninos em geral ficam de escanteio. Pela família da garota, são tidos como um monstro, que estragou a vida da menina. Pela sua própria família são vistos como ‘idiotas’, alguém que não usou preservativos e não se cuidou. Estes meninos, que já não possuem o preparo necessário para assumir tal responsabilidade, ficam ainda mais perdidos”, comenta Amendola, que realizou inúmeras entrevistas com pais adolescentes para compor “Meninos Grávidos – O Drama de Ser Pai Adolescente” (Editora Albatroz, Loqüi e Terceiro Nome; 96 páginas, R$16), que faz parte da coleção Repórter Especial e que ele lança amanhã (7), às 18 horas, no Bar Filial, em São Paulo.
A intenção do livro foi conversar com estes garotos para descobrir o caminho do meio, que eles não são nem monstros nem idiotas. Amendola, que é repórter do Jornal da Tarde, conta que a idéia de escrever sobre o assunto surgiu de seu trabalho. “Fui cobrir um encontro sobre gravidez na adolescência e uma das notícias foi de que mães de adolescentes grávidas teriam passe gratuito de ônibus para acompanhar suas filhas em exames pré-natais. Então, perguntei se não haveria tal facilidade para os pais adolescentes, para que eles também acompanhassem suas parceiras. E minha pergunta foi tomada como pura idiotice. Fiquei com aquilo na cabeça e comecei a pensar em aprofundar esta indiferença geral em relação aos ‘meninos grávidos’”, conta Amendola que, para compor o livro, contou com o auxílio da única ONG na América Latina que trata deste assunto, o Instituto Papai, do Recife. “Além do Instituto, que me forneceu várias informações e me ajudou a encontrar jovens pais, também lancei mão de um recurso que parece bobo, mas que foi de grande valia: o Orkut. Lá, encontrei várias comunidades de pais adolescentes, que conversaram comigo e disseram coisas reveladoras”, conta o jornalista.
Além da falta de apoio das famílias, que muitas vezes impedem até que o pai participe da criação da criança, os ‘meninos grávidos’ praticamente inexistem oficialmente. As autoridades não reconhecem a paternidade adolescente e não criam mecanismos de orientação a estes jovens. “Não há números oficiais nem programas para estes jovens pais. Chegamos a um número aproximado de pais adolescentes porque supomos que muitas jovens mães engravidem de jovens pais também, mas não há nada comprovado. Estes meninos carregam o ônus do discurso moralista de não terem usado camisinha nem outro preservativo, mas este é um problema que atinge todas as faixas etárias”, diz Amendola.
Apesar do tema complexo, Amendola faz questão de tratar o assunto com bom humor. “Não adianta dramatizar, mas sim informar estes jovens. Espero que o livro chega nas mãos de muitos destes adolescentes. Muitos dos que conversaram comigo me ensinaram muito sobre o tema e mostraram que bom humor é imprescindível”, comenta o jornalista. “Estes ‘meninos grávidos’ com quem conversei já passaram do primeiro ano como pais, aprenderam a lidar com as mães, que, na maioria dos casos, acaba se tornando amiga deles (pois a relação geralmente não dura mais que um ano após o nascimento do bebê). Eles perceberam que não adianta querer se tornar adulto de uma hora para outra e que a sensação de paternidade vem mesmo com o tempo. Por isso, a relação e a proximidade do pai com o bebê, muitas vezes impedida pela família da mãe e do próprio garoto, é importantíssima.”