Pais de cabelos brancos
Cinquentões desfrutam a paternidade com mais dedicação e segurança
Foto: MÍRIAN FICHTNER
Aos 56 anos, o poeta Freitas Filho é pai de Carlos, 5 anos: fonte de rejuvenescimento
EDUARDO HOLLANDA
Se adiar a velhice virou uma preocupação constante para quem passa dos 30, por que não encarar com a mesma disposição a paternidade depois dos 50? Estimulados por uma expectativa de vida cada vez maior, muitos cinquentões brasileiros estão decidindo enfrentar o desafio de ser pai novamente – ou pela primeira vez – e mostrar que, de fato, a vida não acaba aos 50. Esses novos pais aos poucos conseguem romper com o preconceito, ignorar as críticas e levar com bom humor as brincadeiras. Só não querem, de forma alguma, ser confundidos com “pai-avô”. Por isso, festejam o nascimento de seus rebentos com um entusiasmo que em nada se diferencia dos homens que têm seus filhos mais jovens. No dia 25 de janeiro, Caetano Veloso, 54 anos, talvez o mais famoso dos papais cinquentões, comemorou esfuziante o nascimento do seu segundo filho com a atriz Paula Lavigne. Tom, um garotão que nasceu com 3,6 quilos e 51 centímetros depois de um parto cesariano realizado no Hospital Aliança, em Salvador, recebeu o nome em homenagem ao maestro Tom Jobim. O menino, no entanto, não é a primeira incursão do cantor pelo mundo da paternidade tardia. Há cinco anos, Caetano, que já era pai de Moreno, 24 anos, teve Zeca, o primeiro com a atual mulher.
Foto: LUIS ABREU/DOCUMENTAL
Com o filho Pedrinho, Pedro Simon voltou às brincadeiras de criança e aos desenhos infantis
Em um país onde criar filhos exige dos pais uma força de domador de leão, é de se perguntar o que está levando homens com mais de 50 anos a encampar uma responsabilidade dessa magnitude. Afinal, sem falar nos pais anônimos, o Brasil está cheio de outros exemplos de paternidade depois da meia-idade. Basta lembrar o caso do humorista Chico Anysio, que em 1992, aos 61 anos, teve o filho Rodrigo, com a mulher, a ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, e dois anos depois encarou o nascimento de Vitória. Há ainda a luta do ministro extraordinário dos Esportes, Édson Arantes do Nascimento, o Pelé, 56 anos, para reverter uma vasectomia – procedimento que o tornara infértil – e ganhar os gêmeos Joshua e Celeste junto com a mulher, Assíria, há cinco meses. Além da expectativa de vida que se alonga a cada ano, os cinquentões também se sentem mais seguros financeira e emocionalmente. Dessa forma, eles acreditam que poderão se dedicar muito mais aos filhos do que quando tinham 20, 30 anos e gastavam a maior parte do tempo brigando pela sobrevivência. Quando Kelly, Edinho e Jennifer, filhos do primeiro casamento de Pelé, nasceram, por exemplo, ele não viu os partos porque estava envolvido nos compromissos com o futebol. Mas no nascimento dos gêmeos o rei acabou acompanhando todo o processo de parto. “A Assíria não largou da minha mão. E foi um sufoco porque o Joshua nasceu com problemas respiratórios e correu risco de vida. Valeu por todos os outros três nascimentos que não pude presenciar”, lembra. O ministro continua vendo os bebês crescerem de perto. É capaz de se emocionar, como qualquer pai, com as novidades. “É uma maravilha chegar em casa no Guarujá, chamá-los pelo nome e ver que já reconhecem minha voz”, fala o pai coruja. A chegada das crianças também ajuda na relação com os outros filhos. “Quem começou a entender por que eu ficava tanto tempo fora de casa foi o Edinho. Como jogador profissional, ele está vivendo uma rotina parecida e agora me dá razão. Com os gêmeos será diferente”, acredita o rei.
Foto: CAROL QUINTANILHA
Oliveira, 54 anos: mais tempo e disposição para cuidar das filhas Mariana e Sofia
Esse raciocínio de que com a idade sobra mais tempo para os filhos inspirou até mesmo pioneiros dessa aventura. O gráfico aposentado José de Paula, 74 anos, teve seu terceiro filho – a estudante Lúcia – quando tinha 50 anos. Apesar da surpresa provocada entre amigos e familiares, a gestação havia sido planejada. “Os outros filhos estavam crescidos e queríamos viver de novo a experiência de ser pais. Sabia que teria mais tempo para ficar com ela”, lembra. O aposentado acertou na aposta. A filha Lúcia garante que nem mesmo a diferença de idade atrapalhou o relacionamento entre os dois. “Ele brincava muito comigo e eu sabia que podia contar com sua experiência na hora de me orientar”, diz.
A idéia de que ter filhos mais velho significa transmitir mais maturidade às crianças, no entanto, pode ser equivocada porque ter mais idade não significa ser mais sábio. “Um filho se beneficia de um adulto mais maduro, não necessariamente mais velho”, explica a psicoterapeuta paulista Léia Cardenuto. Além de mais qualidade durante o tempo em que passam juntos, um filho pode ganhar também de um pai mais maduro segurança e confiança nas próprias atitudes. A razão é o fato de que a criança enxerga no pai uma postura mais equilibrada na forma de encarar a vida e, inclusive, na maneira de impor limites. Mas é claro que há um aspecto que pode ser negativo na cabeça de quem tem um pai com mais de 50 anos enquanto os dos amigos são mais jovens. “A criança pode sentir um certo desconforto ao ver que seu pai é bem mais velho do que os outros”, explica a psicóloga paulista Carolina Ribeiro. Esse desconforto se acentua ainda mais se a criança ouvir com frequência referências ao tempo de vida que resta a seu pai. “Se as pessoas em torno ficam falando muito sobre isso, o filho se sentirá ameaçado”, diz Carolina.
Para o homem, porém, ser pai com mais de 50 anos significa mais do que tudo uma renovação. Quando todos esperam que ele se aposente, tanto da vida social quanto da profissional, o cinquentão ressurge em plena forma, cheio de vigor para cuidar do novo rebento. “Estava sem muito prazer pelo trabalho, me sentia dobrando o Cabo da Boa Esperança”, lembra bem-humorado o consultor Luís Álvaro de Oliveira, 54 anos, pai de Mariana, um ano e dez meses, e Sofia, cinco meses. As duas são fruto do terceiro casamento do consultor. Do primeiro, teve outras quatro filhas – a mais nova tem 24 anos. A chegada das crianças mudou a forma como passou a encarar a vida. “Renasci. Emagreci 18 quilos, faço exercícios físicos e estou me sentindo novo”, conta. O que o levou a alterar radicalmente sua rotina foi o desejo de ver suas novas filhas crescerem. “Depois da Sofia, pensei que tinha de vê-la prestar vestibular e essas coisas”, explica. O corpo mais esbelto e a disposição obtida com os exercícios permitem ao consultor ser para as meninas o que não teve tempo – nem pique – para ser com as filhas mais velhas. “Eu as coloco para dormir, troco fraldas, brinco muito. Com as outras, não fazia isso por inabilitação motora e psicológica”, explica.
Foto: PEDRO AGILSON
O escritor Dias Gomes, 74 anos, com as filhas Luana e Maíra: “Nunca é tarde para ter filhos”
O reflexo dessa injeção de ânimo é imediato. “Estou produzindo mais no meu trabalho e reciclando meus projetos para o futuro”, conta o senador Pedro Simon (PMDB-RS), 66 anos, pai de Pedrinho, dois anos. “Um filho de dois anos nos força a olhar para a frente e os anos adiante passam a ser a parte mais importante de sua vida”, conta. O senador, pai de Tiago, 25 anos, e Tomás, 23, faz planos para o futuro e sonha, por exemplo, em ver o filho passar no vestibular de medicina. Em casa, Simon deixa de lado a cerimônia da política e derrete-se em brincadeiras com o moleque. “Rolo no chão com ele, feito criança”, diz. Dessa vivência de pai faz parte, por exemplo, o passeio de sábado na pracinha perto de sua residência em Porto Alegre e sessões de Branca de Neve, Cinderela e outros desenhos infantis. “Quando eu poderia imaginar que, na minha idade, voltaria a me interessar por isso?”, indaga bem-humorado.
Mas ao mesmo tempo em que traz tanta satisfação, a decisão de ter um filho depois dos 50 pode gerar conflitos com a antiga família. Isso porque o pai cinquentão quase sempre já teve outros filhos com outras esposas. E, se as relações não estiverem harmônicas, o nascimento de um novo bebê cria ciúmes tanto entre os outros filhos quanto entre a ex-mulher. Nada disso, porém, ofusca a alegria desses novos pais. “A única coisa que recomendo na vida é ter filhos, em qualquer idade. Não sei se meu filho vai gostar de ter um pai tão velho, mas para mim é uma fonte de rejuvenescimento”, diz o poeta carioca Armando Freitas Filho, 56 anos, pai de Carlos, cinco anos. “A paternidade na minha idade funciona como um antídoto para as perdas que sofremos ao longo da vida”, define o poeta. O dramaturgo Dias Gomes, 74 anos, é outro que adora a experiência.
“Ser pai obriga você a reassumir tarefas, ter preparo físico, saber dialogar com os filhos. E nunca é tarde para ter filhos”, diz. Gomes é avô de quatro netos e pai de cinco filhos. Os mais novos são Luana, cinco anos, e Maíra, nove. “Nada foi planejado. As duas vieram naturalmente e é claro que tinha a preocupação de não conseguir viver para vê-las crescer. Mas aprendi que é preciso buscar as últimas reservas de juventude. Caetano Veloso está certo.”
Colaboraram: Cilene Pereira (São Paulo) e Valéria Propato (Rio de Janeiro)