O barato de ser pai
É um fato: os homens lidam com situações cotidianas e encaram a vida de uma forma diferente da nossa. Motivo de discussões? Não desta vez. Aproveite o que têm a dizer e aprenda com eles
Cristiane Rogerio
Fotos Fernando Martinho
Quando eles se encontram em festinhas infantis não monopolizam conversas com lamúrias e angústias do cotidiano de ter filhos hoje em dia. Eles conseguem se concentrar no trabalho e não acham que têm de dar conta de 246 atividades ao mesmo tempo. Não há dramas, apenas fatos: O bebê está doente ou não?, Em qual horário temos de sair de casa?. O que importa para eles é se os filhos estão com saúde e bem cuidados. E, claro, se estão prontos para brincar ou encher a bochecha deles de beijos.
Sim, no dia-a-dia, toda essa praticidade irrita um pouco. Principalmente quando você enlouquece com a quantidade de coisas que listou para fazer no dia e acha que não terá tempo suficiente. Talvez o pai ainda não encare o trabalho dentro de casa como você gostaria. A pesquisa de opinião publicada no livro Gênero, Família e Trabalho no Brasil (Editora FGV), realizada pelas sociólogas Clara Araújo e Celi Scalon e divulgada em julho deste ano, revela: 95,7% das mulheres responderam que fica com elas a responsabilidade de cuidar das crianças.
Tudo bem, está bem longe do ideal, e o termo ajudar ainda não foi substituído por compartilhar. Mas os homens que se esforçam para mudar essa rotina têm um jeito deles de lidar com as situações cotidianas. Da maneira de carregarem o bebê à fabulosa capacidade de não sentirem culpa. Que tal parar de reclamar e pensar: o que podemos aprender com eles?
Hora do banho é uma função para cumprir no dia e me preocupo com todos os detalhes para que o trabalho seja bem executado
Milton Neto, pai de Henrique, de 3 meses
Linha de produção
Para o psicólogo João Lyra, coordenador do Instituto Papai, em Pernambuco, a paternidade só exige disponibilidade afetiva. Não tem essa de que ser mãe é natural da mulher. Ela aprende isso e, se ela é capaz, o homem também, afirma. As mães podem ficar atentas às lições desde cedo. O publicitário Milton Neto, 29 anos, por exemplo, acredita que seu modo de dar banho no filho, Henrique, de 3 meses, é o mais eficiente possível. Antes, ele faz um planejamento completo, deixa tudo à mão, separa a roupinha, a fralda, o kit de higiene, testa a temperatura da água. Quando começa a atividade, executa como se fosse uma missão. Eu penso: Agora é hora do banho, como uma função que eu tenho de cumprir no dia, e me preocupo com todos os detalhes para que o trabalho seja bem realizado e logo eu possa brincar com ele, conta Milton. Claro que, às vezes, dá tudo errado. Como quando ele faz xixi na água. Mas é aí que tudo se torna tão especial, admite.
Nas questões subjetivas, homens também podem ser mais racionais. O vendedor de carros André Luiz Zanin Limeira, 28 anos, de Jambeiro, em São Paulo, policia-se para não perder um detalhe sequer do desenvolvimento do filho, João Pedro, de 5 meses. Quero curtir tudo. Não perco tempo com bobagens para não deixar nada para depois, diz. Uma dessas bobagens é sentir ciúme do filho com outras pessoas. Quanto mais gente ele conviver, mais chance terá de ser uma pessoa melhor.
Se eu exigisse que dormissem cedo, não teria essa convivência
Nelson Carrozzo, pai de Natália, de 15 anos, e João, de 6
Tempo precioso
Para o músico Fábio Fernandes, de 31 anos, ficar de manhã com a filha Isabela não é uma alternativa pesada. É a única, uma vez que a esposa trabalha cedo e ele tem horários mais flexíveis. Ele lembra, sim, da angústia do primeiro dia em que deixou a menina na escola. Achei que ela iria chorar. Mas durou apenas o tempo de ele perceber que, para Isabela, era como entrar em um parquinho. Cinco anos depois, na mesma escola, ele acompanhou a esposa a uma reunião com a professora. Dessa vez o tema era o atraso na alfabetização. Em alguns minutos de conversa, Fábio foi convencido de que não se tratava de atraso algum. A professora nos explicou que cada criança tem um ritmo de aprendizado e isso para mim foi o suficiente para eu ficar tranqüilo. A praticidade também aparece no cotidiano. Hora de comer, por exemplo, não tem espaço para choramingos. Ela já está grande para entender por que tem de comer. Se não quiser, vai ficar com fome e essa será a lição do dia. O que não pode é ela atrasar todos por causa de manha. Fábio acha que os tempos são outros e que não é necessária a rigidez do pai dele. Não pode ser nem um nem outro. Tento procurar um equilíbrio para que ela não viva fora da realidade. Talvez por isso, Isabela seja cheia de manhas e dengos com o pai. O objetivo está claro: derrubar a tal praticidade de vez em quando.
Se não quiser comer, vai ficar com fome e essa é a lição que tem de aprender
Fábio Fernandes, pai de Isabela, de 6 anos
Entre a dureza e a ternura
Quem vem sendo derrubado é o psiquiatra Nelson Carrozzo, de 53 anos. E não por dengos. Mas por alguns socos. O lutador é o caçula, João, de 6 anos. Ele treina com o pai todos os dias. A brincadeira é obrigatória na casa deles, pois acontece quando ele chega em casa, depois de um exaustivo dia com exigentes pacientes. É ótimo para relaxar, diverte-se o pai. Como ele valoriza essas horas perto dos filhos, não conseguiu o sonho de tantos pais, que é fazer as crianças dormir cedo. Se eu exigisse isso, não teria essa convivência. Mas a ternura não encobre o lado mais, digamos, duro do pai. Na hora de desligar a TV e sair do bate-papo do computador não tem mas. O horário de buscar a filha, Natália, de 15 anos, na balada também é sem chorinho. O homem é mais prático, por exemplo, e essa referência masculina amplia a percepção da criança para outro universo, observa a terapeuta familiar Andréa Seixas Magalhães, da PUC-Rio. Para Nelson, por mais que sinta saudade, não sente culpa. A idade melhora essa percepção de que a gente tem de executar o trabalho de cuidar dos filhos com prazer. Pois esse é o grande barato de ser pai, diz Nelson.
Papai é assim
Mas poucos se divertem tanto como o empresário Oscar Geigner, de 48 anos. Palhaço de nascença, criar filhos é pura diversão. Pai de Rafael, 23 anos, Miriam, 20, e Letícia, 6, o objetivo dele é fazer de cada atividade uma brincadeira. Para ele, que uniu a vocação à técnica das palhaçadas para trabalhar como voluntário em dois hospitais, em São Paulo, é fácil. Algumas coisas, claro, são de arrepiar, como quando ele e Letícia brincaram de aprender a comer sozinha: o resultado foi sopa por todos os cantos da cozinha! Eu sei que não dá para fazer isso todos os dias, admite. Letícia aprendeu a dividir o pai engraçado com os colegas de escola: é só juntar mais de uma criança para ele se transformar. Ela não estranha nem sente ciúme: talvez para Letícia todo pai seja assim. Para fazer a foto desta reportagem, ficou bem claro que ele oscila entre um papel e outro. Enquanto conversava, a menina ensaiava cambalhotas que vieram acompanhadas de um Cuidado, filha. Minutos depois, é o palhaço que volta quando Letícia traz uma meia que ele pediu. Filha, veja se a meia está fedida, e, fazendo careta, ela responde mais ou menos, entre a função de obedecer e a de ser engraçada. Ajudo a comer, trocar de roupa e a levo todos os dias para a escola. Procuro fazer com que cada atividade minha com ela não tenha cara de obrigação. A cumplicidade fica evidente no humor. Um faz palhaçada para o outro, como se fosse um jogo de conquista. E caem na risada, como se fosse a primeira vez.
Procuro fazer com que cada atividade minha com ela não tenha cara de obrigação
Oscar Geigner, pai de Letícia, de 6 anos