O tradutor e escritor A. C. L., 35 anos, tem dois filhos, de 6 e 9 anos, e vive frustrado com pouca participação no cotidiano deles. A ex-mulher fica fora de casa de 10 a 12 horas por dia – trabalha como enfermeira num hospital e dá aulas à noite – mas prefere deixar as crianças por conta da empregada ou de uma tia a permitir que A.C. L. as leve para as aulas de inglês e natação ou que busque na escola. Chegou a ordenar que a escola não entregasse os meninos a ele. Não o avisa das reuniões escolares, das festas de dia dos pais e fim de ano, isolando-o deliberadamente. Ao mesmo tempo, entrou com ação de majoração de pensão e diminuição de visita.
Infelizmente, ainda não são todos os pais que têm o interesse de A. C. L. as muitos estão acordando para o fato de que viraram meros provedores materiais dos filhos, obrigados a aceitar regras de visita que os tornam uma espécie de parentes de segunda linha. Essas regras foram aceitas, por décadas como naturais e normais, introjetadas por pais, mães, advogados e advogadas, juízes e juízas, promotores e promotoras. A guarda e posse dos filhos pelas mães foi considerada absolutamente indiscutível. As regras de educação seriam impostas à prole pelas mães. Aos pais, competia pagar e “visitar”.
Por muito tempo, os homens pagaram e abandonaram s filhos, vendo-os só em ocasiões especiais ou até rejeitando-os. Num movimento defensivo por se sentirem discriminados na educação. Isso prejudicou muitas mães e crianças Milhares de mulheres tiveram suas carreiras e reconstrução afetiva prejudicadas. E crianças viram reduzida a sua convivência com os pais. Mas os pais também foram prejudicados. É isto que começa a aparecer cada vez mais na Justiça.
Quando as relações não são bem pactuadas e o conflito se instala, a solução é o recurso às Varas de Família. Nestas, juízes e juízas, promotores e promotoras utilizam seu saber jurídico, mas em suas decisões também se imprime uma vivência familiar e social. Hoje, um juiz, diante de um conflito como o A. C. L., que se mostra interessado em conviver com os filhos, é capaz de exclamar, bem-humorado:
– Pai que quer ver filho já é bom!
…
É bom, mas também é comum que as ex-mulheres não estejam prontas para a nova atitude masculina, por razões afetivas ou por razões de poder dentro do núcleo familiar. Essa é uma questão que se vê em todo o mundo ocidental. Nos Estados Unidos, há a guarda compartilhada: o juiz determina períodos iguais para o pai e para a mãe ficarem com a criança. No Brasil, esse tipo de partilha existe na prática de alguns casais, mas não se tem noticia de decisão judicial nesse sentido. Ainda bem, já que tal divisão não ajuda os filhos, que ficam sem referência. É negativo para criança não dispor de um mesmo lugar para qual voltar, por exemplo, depois das aulas.
A participação do pai na educação da prole ou se daria através da inversão da guarda (o que pode ser feito por via judicial ou acordo entre as partes) ou, o melhor, mediante uma convivência sensata, civilizada, educada, em benefício dos filhos menores. Quando se fala de menores, são crianças pequenas mesmo. Para elas o homem faz mamadeira e troca fralda, às vezes até melhor e com mais carinho que a mãe. Aos 12,13 anos, os filhos são ouvidos pelo magistrado, diretamente ou através do serviço social, trazendo informações importantes para a solução dos conflitos.
Não se trata de opor pais bons a mães ruins. Não existe esse maniqueísmo. As pessoas são o que podem ser, numa sociedade competitiva em que não mais cabeça de casal nem pensão permanente para mulheres. A expectativa é que elas voltem, depois da separação ao mercado de trabalho, buscando junto com ex-maridos e subsistência dos filhos.
Costumo recomendar aos meus alunos o filme Kramer X Kramer, bem atual no Brasil. Ali, um processo judicial leva a mãe a ganhar a guarda do filho, mas ela mesma renuncia a favor do pai. Um empate. A vida real também termina, muitas vezes em empate. Para o advogado de família, este é um resultado desejável, pois significa que os filhos são os verdadeiros vencedores.
Flora Strozenberg é advogada e professora da Escola de Ciências Jurídicas da UNI-RIO
Jornal do Brasil – 7 . VI. 1998