Ex-maridos reivindicam a GUARDA COMPARTILHADA mpara garantir maior participação na educação dos rebentos
Em São Paulo, o pedido de guarda requisitado por pais, em 2001, foi maior que o feito por mães: 53% contra 45%, segundo a Participais
A guarda conjunta nos Estados Unidos é praticada em, no mínimo, 30 Estados, mais o Distrito de Colúmbia
Os efeitos da liberação feminina, iniciada no século passado, parecem não ter fim. O homem, de quem a mulher moderna tem solicitado a participação mais ativa na educação e na vida dos filhos, quando se separa da mulher, não quer saber de assumir o antigo papel do pai de fim de semana -ou “pai periférico”, como se autodenominam os militantes de um movimento de pais que exige a participação igualitária na educação dos filhos. A pressão deles já resultou em três projetos de lei que tramitam no Congresso para incluir no Código Civil o conceito batizado de guarda compartilhada. Esses pais integram associações como Movimento Guarda Compartilhada Já!, Apase (Associação de Pais e Mães Separados), Associação Pais para Sempre, Pai Legal e Participais (Associação pela Participação de Pais e Mães Separados na Vida de Seus Filhos). “O que temos em comum é a busca pela igualdade parental. Somos vistos como pais mal resolvidos e tachados de loucos por querermos conviver constantemente com nossos filhos”, explica Rodrigo Dias, presidente da Pais para Sempre. “Infelizmente, muitas mulheres ainda acham que o filho é delas e confundem guarda com posse, chegando a pedir proibição total de visitas para ter um poder de barganha diante do tribunal”, desabafa Alfredo Oton de Lima, presidente da Participais. Para Dias, a guarda compartilhada é a melhor solução para banir o estereótipo do pai frio e distante. “Se, de um lado, a mãe se afastou, de outro, o pai se aproximou. Quando começou a cair o machismo, a figura do pai que só sustenta foi desfeita”, diz.
O dia-a-dia compartilhado
Cabe a ambos a responsabilidade sobre as atividades diárias do filho, que passa a ter duas casas. O tempo de estada em cada uma é definido pelo ex-casal. “Pode ser semana sim, semana não; 15 dias com um, o restante com o outro; três dias da semana com o pai, quatro com a mãe. Não existe nada previamente estipulado”, diz Waldyr Grisard Filho, advogado de família e autor do livro “Guarda Compartilhada: um Novo Modelo de Responsabilidade Social” (ed. Revista dos Tribunais).
De pai ausente na época em que era casado, hoje o ex-marido da procuradora Deirdre de Aquino Neiva divide com ela a criação da filha Dara, 4. Para facilitar a convivência, eles até são vizinhos no mesmo condomínio.
Logo após a separação, Neiva procurou ajuda na Participais, onde conheceu o analista de sistemas Kleber Schwartz Cruz, que segue o regime compartilhado da filha e com quem ela acabou se casando. “Também resolvi aderir ao compartilhado. Revezamos as festas de fim de ano, o Carnaval e os feriados.” A logística, garante ela, não é complicada porque a relação com os respectivos ex-companheiros é boa.
O advogado Robinson Neves Filho, 40, mora com os dois filhos a metade da semana e ainda os vê todos os dias. “Quando não estão comigo, passo na escola e os levo até a casa da mãe, que faz o mesmo.”
A guarda compartilhada é adotada fora do Brasil há mais de 30 anos por países como Suécia, França, Inglaterra e Japão. Nos Estados Unidos, cabe a cada Estado optar ou não pelo regime. No Canadá, a guarda única só é concedida se comprovado que o ex-companheiro não tem condição de sustentar a criança. Ainda assim, há resistência de progenitores, que se organizam em ONGs como uma das pioneiras, a Childrens Rights Council (EUA).
“Estamos vivendo um momento delicado, uma transição do mundo moderno para o pós-moderno, em que as pessoas estão tentando romper os preconceitos”, diz a psicóloga e colunista do Equilíbrio Rosely Sayão. “Para a sociedade, uma mãe que não tem a guarda do filho não é considerada boa mulher, daí a resistência em dar a guarda ao pai. Por outro lado, existe o estereótipo de que o homem não sabe cuidar tão bem do filho como a mãe”, diz ela.
Os números do IBGE confirmam mudanças de comportamento do brasileiro. Em 1996, 338 casais separados criavam os filhos em conjunto. Em 2001, esse número foi cinco vezes maior, pulou para 1.757 casais.
Segundo Carlos Roberto Bonato, presidente nacional da Apase, o Código Civil não prevê o conceito da guarda compartilhada, mas diz que o poder familiar deve ser exercido por ambos os genitores. “Ou seja, não tem o nome, mas tem a descrição.”
O administrador de empresas J.D.C. divide com as duas ex-mulheres a educação dos dois filhos. Ele estreou a prática há 18 anos. “Não tem cabimento ver meus filhos apenas nos dias em que o juiz estipula. E se meu filho quiser sair comigo fora da data marcada? O que vou dizer a ele? “Hoje não é meu dia de visita?”
A noção diferenciada que a criança tem do tempo pode provocar danos à sua relação com o pai, que é obrigado a vê-la apenas periodicamente. “Para o adulto, uma semana passa rapidamente, já para a criança é como se fosse um mês. Se a visita for esporádica, o filho pode elaborar um sentimento de perda e abandono. Logo vai perder o interesse pelo genitor afastado por não ter mais intimidade”, diz o psicólogo de família Evandro Luiz Silva, da Apase.
No Reino Unido, segundo a Divisão de Família, 40% dos pais que não moram com os filhos perdem totalmente o contato com suas crianças após dois anos de separação. Essa conduta leva o nome de ciclo de afastamento e costuma ocorrer quando os cônjuges vivem em conflito. “Aquele que tem a guarda arma situações constrangedoras na frente da criança. Para poupar o filho, o pai ou a mãe passa a evitar as visitas. É cíclico”, diz Leila Torraca, psicóloga jurídica e professora da UERJ.
O que aparentemente pode ser visto como um complicador para a vida da criança, ter mais de uma casa e referências diversas, só faz bem, segundo especialistas. “A criança tem condição de usufruir de dois espaços, duas regras, dois mundos ao mesmo tempo, pois ela é adaptável”, diz Regina Célia Gorodscy, professora de psicologia da PUC. “Não existe ponto negativo desde que o ritmo seja mantido e exista afinidade entre os pais. Isso só enriquece a criança, pois, em vez de enfocar a perda, ela observa o ganho, isso é uma estratégia de vida”, diz a psicóloga especializada em crianças Angelina França. Mas ela pondera que crianças com menos de três anos não deveriam participar do regime compartilhado, pois ainda são muito ligadas à figura materna e incapazes de estruturar seus sentimentos em relação à novidade e de expô-los aos pais.”
Folha de São Paulo – 23 de outubro de 2003
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