Homem brasileiro descobre o prazer de ser um pai participante,
mas precisa aprender
AIDA VEIGA
Estudos feitos nos Estados Unidos mostram que filhos criados com pouco contato com os pais têm três vezes mais chances de ir mal na escola, se envolver com drogas e sofrer de depressão. Alarmados com esses dados, muitos homens começam a rever suas posturas. Alguns vestiram o uniforme do pai participante, que ajuda no parto, troca fralda e leva os filhos à escola. Outros entraram na pele do paizão amigo, que toma cerveja com o filho e deixa a filha dormir com o namorado em casa. Até quando se separa, o homem mostra-se mais preocupado – o número de pedidos de guarda paterna dos filhos pulou de 5% para 25% nos últimos anos. A preocupação com a importância da figura do pai se estende também às mães. No Brasil, 27% dos lares são chefiados por mulheres, sejam elas divorciadas, sejam simplesmente autoras de produção independente.Parte delas invadiu recentemente os consultórios de psicólogos, preocupada com os efeitos de criar um filho sem a presença do pai. Professora da PUC-SP, a psicóloga Rosane Mantilla coordena um programa de doutorado sobre paternidade. Ao longo da última década, estudou o perfil de centenas de pais, vindos de diversas classes sociais. Nesta entrevista, ela conta que o homem está confuso porque o antigo modelo paterno não se encaixa nas novas necessidades. Mas o cuidado com o filho passou a ser um valor importante para sua satisfação.
Denise Adans/ÉPOCA
2ccb80.jpg
2ccc89.jpg Nascimento
Rio de Janeiro. Tem 52 anos
2ccd25.jpg Dados pessoais
Divorciada, tem dois filhos
2ccdc3.jpg Trajetória
Doutora em psicologia, é professora do programa de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Coordena um programa de doutorado sobre paternidade e lança, ainda neste ano, um livro com várias teses sobre o tema
ÉPOCA – Como você descreve o pai brasileiro?
Rosane Mantilla – Não há um modelo único. Tem pai que responde ä totalmente pelo cuidado da criança e tem o que se separa e desaparece. Tem o que luta pela guarda dos filhos e aquele que briga para fazer reconhecimento de paternidade, sem o menor interesse por sua prole. Tem o desempregado que se sente fracassado por não poder sustentar o filho e aquele que aproveita o momento para se aproximar do filho. Tem o executivo que só dá grana e nunca aparece e aquele que diz não marque reunião porque vou ver meu garoto jogar. Para a grande maioria dos homens que entrevistamos, cuidar do filho passou a ser um valor importante e não se limita mais simplesmente ao dinheiro.
ÉPOCA – Por que pai é tão importante?
Rosane – Ele é a figura masculina mais forte na vida dos filhos. Enquanto a imagem da mãe está mais associada ao cuidar, o pai representa o porto seguro. Apesar de a sociedade ter mudado muito, espera-se que o homem imponha a figura da autoridade, dizendo o que é certo e o que é errado. Nos primeiros anos de vida, a criança aprende a ter controle emocional, lidar com as frustrações simplesmente brincando com o pai. Ao longo do tempo, ele veicula para o filho o que é ser masculino, a expectativa do homem bem-sucedido. Já a menina aprende com o pai como estabelecer uma troca com alguém do outro sexo.
ÉPOCA – O que acontece quando esta figura não se faz presente, seja porque o casal se separou, o pai não assume ou o casal é gay?
Rosane – O ser humano nasceu para ser cuidado por duas pessoas – não necessariamente a mãe e o pai. Pode ser um casal homossexual de dois homens ou de duas mulheres ou uma família constituída a partir de um segundo casamento. O importante é ter dois cuidadores para que a criança possa se apoiar em duas bases de segurança. A ausência do pai ou de um segundo cuidador expõe a criança a muitos riscos: desde viver uma relação pouco sadia com a mãe a problemas de depressão e drogas.
ÉPOCA – Esse mesmo tipo de problema surge quando a família vive junto, mas o pai é um ser distante?
Rosane – Certamente. Quando o pai vive voltado para o trabalho, o filho preenche o vazio com fantasias positivas ou negativas. Na positiva, ele diz: Coitado do meu pai, trabalha tanto. Mas, quando estão juntos, a relação é terrível porque são dois desconhecidos. Na fantasia negativa, o pai é demonizado porque não se preocupa com ele. Aos poucos, o filho vai achando que ele é que não presta porque não merece o amor paterno. A grande vítima sente-se a maior culpada por tudo.
“O homem está descobrindo que cuidar de alguém é prazeroso e gratificante. No entanto, como a expectativa da presença paterna é grande, a frustração quando ele continua ausente é proporcionalmente maior. Na falta do pai, o filho busca apoios inadequados em gangues, drogas, álcool”
ÉPOCA – É nessa hora que ele procura apoio nos outros?
Rosane – Sim. E vai procurar apoios inadequados para a própria angústia. A gangue é um apoio porque é um grupo que o aceita. A droga e o álcool cumprem a mesma função.
ÉPOCA – Ainda é comum o homem não se aproximar do filho?
Rosane – Existe um interesse maior. O homem está descobrindo que cuidar de alguém é prazeroso e gratificante. Como a expectativa da presença paterna é grande, a frustração quando ele continua ausente é proporcionalmente maior também. Quando a criança ou o adolescente vêem o pai do amiguinho jogando bola ou o pai da amiga acompanhando-a a um show, o sentimento de que o erro está nele é ainda maior.
ÉPOCA – Mesmo entre os chamados paizões é comum que, depois dos primeiros anos, o pai volte a priorizar o trabalho, a carreira, até a mulher no lugar do filho. O encantamento diminui com o tempo?
Rosane – Para aqueles que vivenciam a relação do filho como um marketing pessoal, a carreira de pai começa no parto e termina quando o filho aprende a andar sozinho de bicicleta. Eles acabam voltando para o papel mais tradicional, que é suprir a família economicamente.
ÉPOCA – A mulher tem uma parcela de culpa nesta divisão?
Rosane – Sem dúvida. Muitas acabam colocando a carreira, a vida profissional de lado, reduzindo a jornada de trabalho para se entregar quase exclusivamente aos filhos. A participação ativa do pai depende de um equilíbrio conjugal de trabalho-carreira-dinheiro. Mas ele também precisa estar disponível para sofrer as privações que cuidar de alguém sempre traz.
ÉPOCA – Por que a maioria dos pais é tímida na hora de se envolver no dia-a-dia dos filhos, deixando que a mulher os oriente?
Rosane – Nossos entrevistados disseram que imaginavam que o papel do pai era estático, sempre igual. Ficaram surpresos ao descobrir que precisam estar sempre se interrogando para saber se estão certos ou errados, se devem oferecer isso ou aquilo. É difícil suportar a angústia de não saber se o caminho que você está indicando vai ser seguido pelo filho e se é a melhor opção. É uma responsabilidade ainda maior do que bancar estudos, médico, lazer.
“Ser companheiro do filho é ótimo, mas a proximidade exige uma postura diferente. Quando é amigão do pai, o filho sente-se no direito de desafiá-lo. O paizão de hoje não precisa ser repressor no modelo de seu pai, mas, com afeto, deve saber impor limites e dizer não na hora certa”
ÉPOCA – O pai moderno não pode confundir amizade com falta de limite?
Rosane – Ser companheiro do filho é ótimo, mas a proximidade exige uma postura diferente. Quando é amigão do pai, o filho sente-se no direito de desafiá-lo. O homem não precisa ser repressor no modelo de seu pai, mas deve impor limites, dizer não na hora certa, educar.
ÉPOCA – Em geral, a mulher estabelece a rotina da casa, dita as regras. Mas, como o coração materno é mais suscetível a chantagens emocionais, não cabe ao pai o papel de dizer não?
Rosane – Em geral, sim. Ainda existe aquela postura de pergunta para o seu pai. Por causa da nossa história cultural, é mais fácil esperar que o homem assuma essa responsabilidade. Quando a situação aperta e o casal moderno se sente perdido, acaba apelando para os moldes tradicionais. Mas há muitas mães que, por medo do grau de violência e insegurança, estão ficando mais duras.
ÉPOCA – Tem pai que deixa o filho fumar maconha em casa com a justificativa de que é mais seguro. Esse comportamento não causa transtornos?
Rosane – No microcosmo doméstico, os pais são os representantes da ordem. De alguma forma, devem ser capazes de seguir a lei. Se não concorda com a proibição da maconha, o pai deve fazer passeata, se manifestar na rua. Mas, na hora que faz esse tipo de coalizão, ele passa para o filho a possibilidade da transgressão e uma idéia de impotência. Ele não age assim porque concorda que o filho fume maconha, mas porque teme que ele seja preso.
ÉPOCA – Qual é o melhor momento para o pai se aproximar do filho?
Rosane – Muitos conseguem ter intimidade com o filho maiorzinho. Em algumas famílias, a mãe é mais próxima nos primeiros anos, na fase instrumental de cuidar de uma criança pequena. Na fase escolar, o pai se aproxima através de atividades em que compartilha as mesmas afinidades com os filhos. Com o adolescente, o que pai e mãe fizeram, está feito. A partir daí, resta estar sempre disponível para o que o filho precisar, ser o terreno firme com muito amor e compreensão.
Arquivos para download:
Donwload 1