Pai. E agora?
O que passa na cabeça dos homens quando se tornam pais? Na rotina estressante dos primeiros meses da chegada do bebê é quase que uma coisa só: dúvidas
Por Ricardo Ferraz
Fotos Marcela Barros
Se a paternidade nos dias de hoje pudesse ser resumida em apenas uma frase, ela seria: “Sim, querida!” Tá certo, a colocação pode parecer piada de mesa de bar (talvez até seja de fato), mas não seria exagero dizer que ela reflete o sentimento de muitos homens quando encaram os primeiros meses da vida do bebê.
Pais modernos fazem questão de participar da vida dos filhos, mas a experiência da paternidade de primeira viagem pode ser um pouco frustrante. Após nove longos meses de espera, os homens estão ansiosos por ter alguns momentos exclusivos com o filho – até o nascimento, o contato vivenciado com o bebê se resume a muitos beijinhos, carinhos e conversas coladas à barriga da esposa. E, quando finalmente o rebento chega, a rotina caótica de mamadas, choros na madrugada, cólicas e pedidos de apoio por parte da companheira pode levar muitos homens a questionar o papel de pai.
No banco de reservas?
“Eu me sentia uma espécie de mordomo afetivo”, diz Pedro Luis de Oliveira Zolly, desenhista e pai de duas filhas – Mel, de 2 anos e meio, e Maia, de apenas 10 meses. “Nos primeiros 15 dias a criança chora muito e você tenta fazer de tudo para resolver a situação, mas não sabe direito como agir. Então, o jeito é ficar ali do lado, atendendo a tudo o que a mulher pede. Me sentia impotente. Enquanto ela amamentava, eu tinha a gloriosa tarefa de trocar as fraldas.”
A rotina caótica do começo pode levar os homens a questionar o papel de pai
Por mais que a situação seja cômica, a verdade é que poucos homens refletem sobre a paternidade antes dela acontecer. “As meninas passam a vida treinando para ser mães. Brincam de casinha, dão mamadeira para a boneca, fantasiam com filhos o tempo todo. A maioria dos homens não faz idéia do que é ser pai. Essa é uma tarefa que vai se concretizando aos poucos”, diz Miguel Perosa, professor de Psicologia da PUC-SP.
A ficha do produtor de vídeos Sérgio Gambier caiu aos sete meses de gravidez da esposa. Em meio a uma rotina de trabalho árduo, ele decidiu buscar nos livros informações sobre a nova tarefa que teria de desempenhar dali a dois meses. “Parecia que estava estudando para uma prova. Quando finalmente o Gabriel chegou, tive de improvisar. Recorri muito mais a reações instintivas do que ao conhecimento dos livros”, diz. Hoje Gabriel está com 6 meses e, ainda que de improviso, Sérgio percebeu que teria de abrir espaço na vida para exercitar a paternidade. Mudou a rotina de longas noites sem dormir para ficar com o filho todas as manhãs. “Cabe ao pai descobrir momentos de curtição com o filho”, diz.
Mas não é só a relação com a criança que mexe com a cabeça dos homens quando se tornam pais. O casamento também passa por muitos questionamentos. O nascimento do bebê impõe uma nova realidade para a vida do casal e, em geral, o homem sente que está perdendo lugar para a criança. “Quando o bebê invade a vida do casal o homem é destituído do trono. As atenções da mãe se voltam exclusivamente para a criança numa relação bastante simbiótica. Isso gera muita insegurança e até a revolta do homem”, explica Miguel Perosa. De fato, as mudanças são tantas que há até casos de depressão pós-parto masculina. Uma pesquisa realizada pela Universidade Católica de Pelotas mostrou que 4,1% dos 386 homens entrevistados apresentaram um quadro de depressão de moderada a grave, o mesmo fenômeno que afeta a vida de muitas mulheres.
O designer João Mossad experimentou a reação inversa. Rabugento, ele passou a ter muito bom humor com a chegada de Zion. Só uma coisa não foi capaz de contornar: os estragos causados pelo filho ao horário que, antes, ele curtia com a mulher. Zion, de apenas 2 meses, tem muita dificuldade para dormir e, como está no quarto dos pais, as noites se transformaram em verdadeiras raves embaladas pelo choro da criança. A solução foi radical: João passou a ficar acordado da meia-noite às 4 da manhã com o filho no colo enquanto a mulher descansa. A situação piorou quando o casal tentou transar pela primeira vez depois da chegada do bebê: “O Zion acordou chorando e foi péssimo”, conta João.
Casamento redesenhado
A falta de sexo, aliás, é um dos temas que mais incomodam os homens com a chegada do bebê. Durante muito tempo as mulheres simplesmente não querem saber de transar. Em parte por causa da rotina agitada (nos momentos livres, as mulheres preferem descansar a viver momentos tórridos de paixão), em parte pelas modificações no corpo durante o período do puerpério, em parte graças à prolactina: o mesmo hormônio que incentiva a amamentação inibe o desejo sexual. Qualquer que seja a justificativa, a verdade é que os homens ficam extremamente incomodados com a diminuição da vida sexual do casal.
Diante de todas essas dificuldades, Pedro Luis teve de renegociar os espaços com a mulher: “Descobrimos juntos que ela teria de desempenhar o papel de mãe, companheira e amante. Ela também se sentia sobrecarregada”, diz.Aquele bando de fraldas que ele se queixava de trocar nos primeiros meses da filha até ganhou outro caráter. “Descobri que ajudá-la era uma coisa primordial. É nessas horas que a gente tem de colocar em prática toda a cumplicidade construída ao longo do casamento”, diz.
Ainda são poucos os que refletem sobre a paternidade antes dela acontecer
Umas escapadas também ajudam – e não estamos falando de sexo fora do casamento. Praticar atividades que não envolvam a criança pode ser importante para restabelecer a vida a dois. Um chope com os amigos, uma viagem a sós com a mulher, um café na padaria e até conversas que não girem em torno de cocô, mamadas, regurgitadas, leite, sono, chupeta, dor de barriga ou coisa que o valha resultam reconfortantes. “Descobri um prazer enorme em fazer as compras do mês no supermercado”, diz Sérgio. Expert em soluções radicais, João decidiu incluir a criança nos programas sociais. Levou o filho a um show da banda de rock metal Bride, no Hangar 110, um reduto underground de São Paulo.
Mas se todas essas questões levam os homens a questionar a paternidade, dificilmente elas são suficientes para fazê-los desistir dela. Em geral, essas dúvidas costumam desaparecer no primeiro sorriso dos filhos ou na emoção única de ouvi-los balbuciar pela primeira vez uma palavra que muda para sempre a vida de um homem: papai.
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